08/08/2008 - 16:06

COMPARTILHE

STF anula condenação por homicídio qualificado porque acusado foi ao tribunal algemado

STF anula condenação por homicídio qualificado porque acusado foi ao tribunal algemado


Do jornal O Globo

08/08/2008 - Numa sessão marcada por duras críticas ao suposto abuso de autoridade no uso de algemas, o Supremo Tribunal Federal (STF) anulou ontem, por unanimidade, o julgamento de um pedreiro que tinha sido condenado a 13 anos e meio de prisão por homicídio triplamente qualificado. O pedreiro se disse vítima de constrangimento ilegal por ter sido mantido algemado no banco dos réus - o que, segundo seus advogados, teria influenciado a decisão dos integrantes do júri popular. O STF aproveitou o julgamento para impor limites rígidos ao uso de algemas em operações policiais.

Os ministros estabeleceram que os presos só podem ser imobilizados em casos excepcionais, para evitar fugas ou agressões.

A regra valerá a partir da próxima semana, quando a Corte editará uma súmula vinculante para obrigar todas as instâncias da polícia e da Justiça a seguirem sua determinação.

Condenado por sete votos a zero pelo Tribunal do Júri de Laranjal Paulista, cidade de 23 mil habitantes no interior de São Paulo, Antonio Sérgio da Silva já respondia ao processo em liberdade desde agosto de 2005, quando o STF revogou sua prisão preventiva em habeas corpus concedido pelo ministro Marco Aurélio Mello. A decisão de ontem, que anulou definitivamente a pena e fez o caso voltar à estaca zero, foi tomada em conjunto pelos dez integrantes da Corte presentes à sessão - Celso de Mello não estava.

O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, foi voz solitária contra a anulação do julgamento. Relator do caso, o ministro Marco Aurélio liderou o coro vencedor: "Manter o acusado em audiência com algema, sem ser demonstrada a sua periculosidade, significa colocar a defesa antecipadamente em patamar inferior, não bastasse a situação de todo degradante. O julgamento no júri é procedido por pessoas leigas, que tiram as mais variadas ilações do quadro verificado. A permanência do réu algemado indica, à primeira visão, tratar-se de criminoso da mais alta periculosidade.


Ministros criticam as operações da PF

Ao citar trecho da Constituição que proíbe o tratamento degradante a qualquer cidadão, o ministro Carlos Ayres Britto fez críticas à exposição pública, na imprensa, de autoridades públicas e de personalidades acusadas de crimes: "Degradante aqui toma o sentido de aviltante, humilhante. Sobretudo quando o preso é exibido à comunidade como troféu".

A tese foi reforçada pelo ministro Cezar Peluso, que anteontem acusara a imprensa de manipular a população contra a candidatura de políticos que respondem a processos judiciais: "Se a opinião pública pode ser influenciada a alguém exposto ao uso de algemas, o que dizer de um júri da pacata cidade de Laranjal, no interior paulista?", perguntou Peluso.

A ministra Cármen Lúcia lembrou os tempos de estudante de Direito, quando assistiu ao julgamento de um réu algemado: "Era como se eu estivesse diante de uma pessoa muito perigosa. Isso me marcou muito".

Os ministros reservaram a maior parte das críticas a operações de grande repercussão que prenderam acusados de crimes do colarinho branco. O ministro Marco Aurélio condenou a PF pelo uso de algemas nas prisões do deputado e ex-presidente do Senado Jader Barbalho (PMDB-PA) e do ex-banqueiro Salvatore Cacciola, a quem se referiu como "um acusado que veio de Mônaco". Sem citar o nome dos acusados, Marco Aurélio classificou de "presepada" o uso de algemas em Jader, detido por envolvimento em esquema de corrupção na Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

Para Marco Aurélio, o país tem testemunhado "abusos de toda sorte, vendo-se, nos veículos de comunicação, algemadas, pessoas sem o menor traço agressivo, até mesmo outrora detentoras de cargos da maior importância na República".

Ele também condenou o uso de algemas nas prisões do banqueiro Daniel Dantas, do megainvestidor Naji Nahas e do ex-prefeito paulistano Celso Pitta na Operação Satiagraha da PF. "As três pessoas foram apenadas sem o devido processo legal, mediante a imposição das algemas", afirmou o ministro.

Autor de duras críticas à PF pelo uso de algemas na Satiagraha, o presidente do STF, Gilmar Mendes, disse que a edição da súmula vinculante vai pôr freio ao que chamou de tratamento degradante aos investigados. Ele enviará cópias da decisão ao ministro da Justiça, Tarso Genro, e aos secretários de Segurança Pública dos estados e do Distrito Federal. Segundo Mendes, os policiais não poderão aplicar a regra de forma distinta entre ricos e pobres. "Quando se trata de aplicar essa pedagogia dos direitos fundamentais, isso se faz em função de todos", disse.

Tarso Genro elogiou a decisão do STF e disse que o policial terá de avaliar o perigo da custódia que está realizando, para ver se deve usar as algemas, independentemente da condição social ou ética do preso.

Abrir WhatsApp