11/07/2011 - 16:06

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À sombra do crédito, gestores ganham com operações em atraso

À sombra do crédito, gestores ganham com operações em atraso


Do jornal Valor Econômico

11/07/2011 - Eu e meu marido precisamos alugar um imóvel e o nome dele foi incluído no Serasa por causa dessa Itapeva Multicarteira Fundo de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC) não padronizado. Nunca vi mais gorda essa empresa e nunca recebemos carta com qualquer cobrança, queixa-se a consumidora no site Reclame Aqui.

Tal estranhamento reflete um segmento do mercado que cresce à sombra do próprio crédito na economia: o de fundos de recebíveis que compram carteiras vencidas. Apesar de o FIDC soar como um palavrão aos leigos, trata-se de uma estrutura cada vez mais usada por casas especializadas, que adquirem os direitos sobre a dívida de pessoas físicas ou empresas e também passam a aparecer como credoras titulares nas pesquisas de restrição financeira feitas pelo devedor junto aos birôs de crédito.

Como esse mercado é formado por fundos não padronizados, é difícil dimensionar o tamanho dele com exatidão. Levantamento feito pela Uqbar para o Valor, com base no tipo de recebível que os gestores podem comprar conforme o regulamento, lista pelo menos 18 FIDCs autorizados a comprar créditos atrasados. Essas carteiras reúnem um patrimônio de R$ 4,1 bilhões, mas o volume é inflado pelo recém criado Caixa BTG Pactual Multisegmentos NP, que concentra ativos do PanAmericano. Ou seja, tirando essa carteira, os portfólios somam pouco mais de R$ 700 milhões.

Poderia ser muito mais. Afinal, o Sistema Financeiro Nacional (SFN) conta com quase R$ 170 bilhões em operações vencidas há mais de 60 dias e algo entre 40% e 45% disso refere-se a operações de varejo, diz Salvatore Milanese, sócio da KPMG, que estima que o volume de cessão ao ano ronde R$ 15 bilhões ou R$ 20 bilhões.

Gestoras como a Credigy, ligada ao National Bank of Canada, a Velum e o Deustche têm comprado quase que exclusivamente operações de consumo. Concorrem com a RCB Investimentos, dona do fundo Itapeva, citado no início do texto, e que adquire recebíveis tanto do setor financeiro quanto de varejistas. Renato Mazzuchelli, presidente da empresa, não precisa o patrimônio dos fundos, mas diz que já comprou R$ 5 bilhões em direitos creditórios. Há capital de sobra para alocar, mas falta papel, há uma resistência cultural dos bancos em ceder essas operações, diz. Tem investidor com US$ 100 milhões para aplicar e só tem US$ 10 milhões alocados.

Dos cinco grandes nomes do varejo bancário local - Banco do Brasil, Itaú Unibanco, Caixa, Bradesco e Santander -, o que se ouve no mercado é que só o espanhol vende sistematicamente carteiras inadimplentes em leilões. Outros estrangeiros menores no Brasil, como HSBC e Citi, também adotam a estratégia.

O Citi fez um leilão de créditos no ano passado e planeja fazer outro no segundo semestre. Vendemos a carteira quando as possibilidades de recuperação se exauriram, diz o vice-presidente de gerenciamento de risco do Citi, Victor Loyola. A cobrança com gestão interna é feita por 180 dias e depois disso o papel é terceirizado para assessorias externas. Só os portfólios bem velhos são realmente cedidos.

A Velum, com patrimônio de R$ 100 milhões distribuídos em sete portfólios, tem R$ 3 bilhões em dívidas compradas e 5 milhões de devedores. Dois fundos adquirem direitos creditórios de varejistas e instituições financeiras, diz o presidente da empresa, Fabiano Ramos. A Velum capta recursos e apresenta soluções para o credor original, tais como Lojas Marisa e Pão de Açúcar. Propõe adquirir um ativo que vale zero no balanço e só representa custos de cobrança, exemplifica. Assim, as redes podem limpar o balanço e focar na atividade nobre. Isso dá oxigênio de capital para investir numa loja nova, comprar estoques.

Com o crédito crescendo a um ritmo de 20% nos últimos anos, Ramos diz que tanto o varejo quanto as instituições financeiras começam a enxergar com bons olhos a cessão de dívidas vencidas. Com taxas de expansão de 15% a 20% ao ano, o balanço não aguenta, é uma forma de levantar capital sem precisar de acordo de acionistas ou aval.

O Banco do Brasil tem por hábito fazer a cessão de créditos inadimplentes para uma empresa do próprio grupo, a Ativo S/A, porque ainda vê dificuldades de se estabelecer um preço justo numa venda para um FIDC, conta o diretor de crédito da instituição, Walter Malieni. Mas quando houver pressão de capital pelo acordo de Basileia 3, talvez passe a recorrer à venda para terceiros. Haverá um incentivo para se recompor o capital mais rapidamente.

Quanto mais tranquila for a posição de capital do banco, menos suscetível ele estará a repassar ativos podres para fundos de recebíveis, diz Pedro Junqueira, sócio da Uqbar. Por trás disso tem a estratégia ligada à capacidade de avaliação de risco e também a preservação do relacionamento com o cliente. Os pequenos, por sua vez, fazem há uma década a cessão de ativos performados (bons) para antecipar receitas, mas evitam fazer de créditos em atraso, porque isso poderia passar uma imagem de fragilidade para o mercado.

A compra de ativos em inadimplência por fundos é relativamente nova no Brasil. Começou em meados da década por iniciativa de gestores estrangeiros, já acostumados a fazer dinheiro lá fora com aquilo que em geral vira prejuízo no balanço de bancos, financeiras ou varejistas. O Deutsche atua nesse mercado com capital da matriz e compra basicamente operações de Crédito Direto ao Consumidor (CDC), cartões e financiamento de veículos em leilões ou negociações bilaterais, diz Nuno Correia, superintendente executivo de mercado de capitais e soluções de tesouraria para Brasil. A recuperação é muito rentável, diz, sem revelar performance dos fundos.

Olhando dados disponíveis na CVM é possível ver retornos da ordem de 40% ao ano, mas também carteiras com prejuízos na casa dos 80%. Quem comprou ativos na fase anterior à crise de 2008 se deu mal, conta o executivo de um banco. Junqueira, da Uqbar, adverte, porém, que é pouco confiável olhar a rentabilidade publicada, pois não há padronização na contabilidade de direitos creditórios adquiridos.

Na ponta do investimento, estão os próprios estruturadores desses portfólios, famílias abastadas ou institucionais estrangeiros com apetite para ativos de alto risco. Trata-se de um público que está de olho nos elevados retornos que essa estrutura pode proporcionar, na média, de 25% a 30% ao ano, num horizonte de tempo não muito extenso, de três a cinco anos.

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