04/12/2007 - 16:06

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Sérgio Cabral quer reduzir maioridade penal

Sérgio Cabral quer reduzir maioridade penal

 

 

Do jornal O Globo

 

04/12/2007 - Um dia após O Globo revelar que mais da metade dos menores infratores morre ou continua no crime após completar 18 anos, o governador Sérgio Cabral voltou ontem a defender a redução da maioridade penal. Ele afirmou que enviou uma proposta ao Senado, em análise atualmente na Comissão de Constituição e Justiça, para que adolescentes envolvidos em crimes hediondos possam responder como maiores, caso reincidam: "A idéia é que o Ministério Público possa pedir a emancipação penal de jovens que cometem delitos graves, como homicídios".

 

Em fevereiro deste ano, Cabral havia sido um dos primeiros a levantar a discussão sobre o tema. A postura foi tomada após a trágica morte do menino João Hélio, arrastado do lado de fora de um carro pelas ruas da Zona Norte por um bando que tinha um menor de idade. Ontem, ele comparou a tragédia ao assassinato de um jovem dentro do Educandário Santo Expedito, unidade para infratores em Gericinó, ocorrido em outubro passado: "Se você me perguntar quais foram as situações que mais me chocaram em 2007, vou responder: o caso João Hélio e o do garoto que foi morto a socos e pontapés pelos internos do Santo Expedito".

 

O menino foi assassinado por causa de gestos carinhosos com a namorada. A ordem de um determinado comando, que reverbera ali, diz que não pode haver atitude libidinosa em momento de visita.

 

Apesar de defender a redução da maioridade, Cabral disse apostar na reestruturação do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), órgão estadual que atende os infratores: "É verdade que há dentro dos internatos meninos cruéis, mas a maioria não é assim. Então, é preciso haver uma política para salvar essa maioria".

 

O governador quer ainda a responsabilização dos pais nos casos de crianças e adolescentes que estão nas ruas.

 

O presidente da seção Rio da OAB, Wadih Damous, defendeu investimentos imediatos em saúde, educação, trabalho e lazer, para mudar o quadro dos adolescentes infratores. "É preciso haver urgentemente a humanização dos internatos, que são, hoje, verdadeiras escolas de pós-graduação em crimes. Enquanto se achar que o problema da criminalidade se resolve tão-somente com polícia, o quadro tende a se agravar".

 

O deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL) fez uma visita na semana passada ao Instituto Padre Severino, na Ilha do Governador. Ele afirmou que uma constatação grave foi a divisão dos internos por facção criminosa, e não por idade ou tipo de delito cometido.

 

 

Quase metade dos menores de 12 anos que passaram pelo juizado reincidiu

 

Ao ser perguntado se já tinha mesmo 25 passagens pela Vara da Infância e Juventude, João (nome fictício), de 19 anos, internado há quase um ano por roubo no Educandário Santo Expedito, unidade para infratores em Gericinó, apressou-se em corrigir: "Vinte e cinco, não. Vinte e seis", respondeu, com certo orgulho, para lamentar em seguida. "Eu tirei toda a minha vida na cadeia".

 

João começou cedo. Aos 11 anos, já sabia de cor todos os atalhos de Ipanema e Copacabana, onde praticava furtos contra turistas. Um ano depois, estava envolvido com traficantes da Favela da Rocinha. Assim como ele, outras 153 crianças com menos de 12 anos tiveram processos abertos na Vara da Infância e da Juventude do Rio em 2000. Muitas foram conduzidas ao juizado mais de dez vezes. Algumas chegaram a registrar 16, 19 e até 29 passagens. A terceira reportagem da série "Dimenor: os adultos de hoje" mostra que, quase oito anos depois, 72 (46,7%) reincidiram antes de completar 18 anos.

 

A porcentagem não significa que o restante não tenha cometido outros delitos após os 12 anos. A pesquisa feita pelo Globo mostrou que a maioria dessas crianças tinha pouquíssimos dados nos processos abertos pelo juiz de menores naquele ano, o que impossibilitou um levantamento preciso sobre a evolução delas. Em muitos casos, os autos estavam sem informações importantes, como o sobrenome ou a data de nascimento. Os problemas na identificação foram revelados ontem: dos 2.363 adolescentes infratores, entre 12 e 18 anos, atendidos pelo estado no ano de 2000, 475 (20,1%) não têm hoje seus nomes na base de dados do Detran-RJ, responsável pela emissão de carteiras de identidade.

 

Somando-se o tempo das 26 passagens pelo juizado, João perdeu pelo menos quatro anos de sua vida em abrigos e internatos. Antes de completar 12 anos, como está previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ele só podia receber medida protetiva: era levado para abrigos e fugia no mesmo dia. Depois, passou a receber medidas socioeducativas mais rigorosas, como a internação que cumpre hoje no Santo Expedito. Apesar de estar com 19 anos, ele ainda cumpre a medida lá porque cometeu o crime antes de ter 18. João diz que perdeu a conta do número de assaltos que praticou: "Eu pegava o gringo com faca. Sentava na areia da praia à noite e esperava ele passar. Eu e mais dois íamos em cima dele com a faca".

 

Ao falar sobre o que o levou para as ruas, João revela que viu a irmã gêmea, então com 4 anos, ser morta pela madrasta.

"Ela me queimava de cigarro e me batia com um pedaço de madeira. Foi ela quem matou minha irmã, empurrando ela na vala. Minha madrasta me ameaçou, caso eu contasse ao meu pai. Achei melhor sair de casa", contou João.

 

 

Jovem diz que não sabe o que vai fazer ao sair de internato

 

Até o Natal, o jovem deve sair do internato. Depois de passar por uma rebelião no Santo Expedito (ocorrida em agosto deste ano), ele contou que não quer continuar no crime, mas que não sabe o que vai fazer: "Sofri muito nessa rebelião. Quase morri. Está vendo esse teto ainda preto (decorrência de um incêndio)? Aqui só tem escola, TV e rádio. Vou pedir desculpas ao meu pai e ver se ele me aceita. Não posso vacilar. Sou 'dimaior' agora", comentou.

 

Em 2000, Wesley (nome fictício) passou três vezes pela Vara da Infância e da Adolescência. Com apenas 12 anos, foi detido duas vezes por furto e uma por porte de drogas. No último dia 30 de outubro, logo após fazer 18 anos, ele foi preso em flagrante em seu primeiro assalto como maior. Wesley estava acompanhado de outro assaltante da mesma idade e de dois menores, que invadiram um prédio em Laranjeiras. Um deles tinha 12 anos e estava com um revólver. Na delegacia, Wesley negou que tivesse induzido os menores a praticar assaltos: "Eles entram no crime porque querem". Hoje, garoto de 12 anos já sabe o que é certo e o que é errado.

 

A especialidade de Wesley é furtar CD players. Coincidência ou não, o furto era o principal delito cometido pelas crianças com menos de 12 anos em 2000: foram 81 (38,7%) das 209 ocorrências. Das quatro vezes em que foi atendido pelo estado, Wesley só teve uma vantagem: aprendeu a ler e escrever.

 

Ele prometeu largar o crime: "Agora, vou ficar quatro anos no presídio. Quando sair, vou ter mais juízo. Chega de fazer minha mãe sofrer. Pior é que, quando eu sair da cadeia, meu filho de 1 ano nem vai me reconhecer mais".

 

 

União pelo Estatuto

 

O Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente (CEDCA) e a Alerj se uniram para buscar soluções para os problemas resultantes da má aplicação do estatuto da Criança e do Adolescente no Rio. Lançaram na última sexta-feira uma frente suprapartidária, que tem como principal objetivo diagnosticar a situação de crianças e adolescentes do estado.

 

Segundo o presidente do CEDCA, desembargador Siro Darlan, o grupo vai trabalhar não só para incluir a criança e o adolescente no orçamento público, mas também para garantir os direitos dos adolescentes infratores.

 

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