08/09/2008 - 16:06

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Schuch: 'Os juízes devem ter visão dos limites da sua atuação política'

Schuch: 'Os juízes devem ter visão dos limites da sua atuação política'


Do Jornal do Commercio

09/09/2008 - Não cabe a uma instituição do Poder Judiciário liderar o movimento de divulgação dos candidatos com ficha suja, defende o vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio de Janeiro (OAB/RJ), Lauro Schuch. Numa crítica direta à Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), entidade que congrega mais de 13 mil magistrados de todo o País e uma das principais responsáveis pela divulgação dos políticos com processos criminais na Justiça, o advogado, especialista em Direito Eleitoral, afirma que o juiz não pode antecipar uma posição política.

"A AMB é uma entidade de juízes, e os juízes devem ter visão dos limites da sua atuação política", afirmou Schuch. "Estamos a menos de um mês das eleições para prefeitos e vereadores".

Na avaliação de Schuch, os debates gerados no período que antecede esse pleito precisam ser concluídos. Nesse sentido, destacou a reforma política. "Propõe a aprovação de um projeto que amplie o instituto da fidelidade para os partidos que traírem suas ideologias. E mais: a introdução, na legislação brasileira, de um mecanismo que permita ao eleitor retirar o mandato do parlamentar que se voltou contra os compromissos assumidos durante a campanha. Seria uma espécie de recall, pelo qual o eleitor poderia retirar o voto que conferiu ao político traidor".

Leia abaixo a íntegra da entrevista.


Como o senhor avalia as campanhas para divulgar os candidatos com ficha suja?
A garantia dada aos candidatos pela Lei Complementar nº 94, de se inscreverem, não encontra possibilidade de ser suprimida por conta dessa idéia de que só candidato com ficha limpa pode participar da eleição. Essa questão já está superada, pela decisão tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral, que entende que a Constituição tem que ser respeitada. Agora, quanto à campanha desenvolvida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, não sei se seria adequado quem julga assumir uma posição política dentro do próprio processo.

O Judiciário tem uma função: a de julgar. Não acho que isso seja bom para a instituição, nem para a garantia de que os processos serão apreciados com isenção, equilíbrio e, sobretudo, com justiça. Acho fundamental que os candidatos sejam expostos, que o eleitor tenha possibilidade de conhecê-los, mas não sou favorável a essas campanhas, porque elas são perigosas. Pode haver alguém com ficha suja, com um processo criminal qualquer, porém que não o desqualifica como candidato para representar o interesse público, numa casa legislativa.

Vamos admitir a hipótese de que alguém tenha se envolvido num atropelamento, um homicídio culposo. Ele tem a ficha a suja, mas é evidente que isso não o desqualifica nem o torna incapaz de exercer uma boa representação pública. Então, acho perigosa uma campanha para divulgar quem tem antecedentes criminais. Acho que o eleitor é que deve ter a iniciativa de buscar saber quem é o seu candidato.


A AMB não deveria tomar partido?
O juiz não pode antecipar uma posição política, naquilo que será submetido ao seu julgamento. Isso não é adequado para uma instituição do Poder Judiciário. A AMB é uma entidade de juízes, e os juízes devem ter visão dos limites da sua atuação política. Não acho que os juízes tenham que ser apolíticos, mas eles têm que ter a noção exata de até onde a atuação política deles não entrará em conflito com a atividade judicante.


Como o senhor avalia o trabalho em torno da divulgação desses processos?
Essa (divulgação) pode levar o eleitor a uma conclusão injusta e equivocada. Vamos admitir que determinado prefeito tenha, na lei orgânica do município, uma dotação para a educação, mas, naquela cidade, o problema não está nessa área e sim na de saúde. Esse prefeito, então, aplica os recursos que sobraram da educação na saúde. Esse prefeito pode estar respondendo a um processo junto ao tribunal de contas, mas isso não significa que seja improbo. Então, (a divulgação até então realizada) não permite ao leitor fazer o aprofundamento necessário sobre a vida do candidato. Acho que isso pode levar a juízos equivocados. Preferiria que a iniciativa de buscar essas informações fosse do próprio eleitor.

Outra questão: os partidos têm responsabilidade ao inscrever candidaturas que não atendam ao requisito da lei para o exercício de mandato parlamentar. Estamos com a reforma política na pauta do Congresso. Acho que ela poderia traduzir a experiência que estamos vivendo nessa eleição quanto à necessidade dessa responsabilidade dos partidos conferirem a legenda para os seus filiados, desde que observados os requisitos da moralidade e da probidade.


O senhor defende mudança?
É inadiável a discussão sobre a reforma política. Temos que rever essa questão dos partidos que só se apresentam em períodos eleitorais. Esses partidos existem, na verdade, para alugar o horário político a que têm direito para as coligações que integram. Esses partidos não têm atuação política. Teríamos que ver, então, a questão da representação das minorias, dos pequenos partidos, para que não sejam o que muitos são: meras legendas cartoriais, que se prestam a vender, nas coligações que fazem, o seu horário ou mesmo vaga para quem não conseguiu disputar a eleição em um grande partido.

A reforma política tem que tratar essas questões, de modo a garantir representações minoritárias legítimas, que tenham causa e atuação política constante. Ainda dentro desse ambiente da reforma política, acho algo importante. O eleitor pode errar e descobrir um fato qualquer, do qual, se tivesse tido conhecimento antes, não teria feito aquela escolha. O voto, porém, já está dado. Se o mandato é outorgado por esse eleitor, então ele pode tirar esse mandato. Nesse sentido, defendo, na reforma política, o recall: a possibilidade de o eleitor rever o seu voto, retirando-o do candidato que traiu a confiança dele, porque não cumpriu os compromissos que assumiu ou porque não se mostrou idôneo e probo. Acho esse sistema interessante.


Como esse recall seria na prática?
Há um fato envolvendo um parlamentar, que faz com que o eleitor se sinta enganado. Então, haveria uma representação junto ao Tribunal Regional Eleitoral para a convocação do recall. A corte iria apreciar se os motivos apresentados são relevantes e então marcaria o recall, pelo qual os eleitores que votaram naquele candidato poderiam confirmar ou não o voto que deram a ele. Se não confirmassem, ele perderia o mandato.


Isso seria viável? Há tribunais que ainda julgam ações relativas à última eleição… 
Sem dúvida, é um processo rápido. Os prazos do processo eleitoral são muito curtos, e a dinâmica da ação eleitoral visa à agilidade. A perda do mandato, pelo recall, decorreria da traição dos compromissos assumidos. Vamos admitir, por exemplo, que na campanha determinado candidato tenha se comprometido a lutar pela defesa da Baía de Guanabara. E aí vota a favor de uma lei contra a baía. Está sendo incoerente. Ele assume um compromisso, leva o eleitor a acreditar que ele defenderá a causa que este quer e depois age de forma diferente.

Isso não é infidelidade partidária, é infidelidade política. Então, a idéia do recall é permitir que o eleitor tire do parlamentar o mandato que lhe conferiu no caso deste trair sua confiança. Isso não é difícil, é algo fácil de fazer. Seria por meio de uma representação na Justiça Eleitoral que, se entendesse ser o caso do recall, convocaria aqueles que votaram no candidato para confirmar ou não o voto.


Um único eleitor poderia provocar o recall?
É evidente que um único eleitor, retirando o voto, não alterará o resultado. Essa manifestação teria que ter o mínimo de densidade. Essa é uma discussão, uma idéia. A lei é que vai formatar o recall. O importante é que o recall seja um instrumento disponível no nosso sistema político para expurgar os candidatos que não cumprem seus compromissos, traem seu eleitorado.


O senhor é a favor de uma lei que proíba os candidatos com ficha suja?
É preciso mudar a lei. Acho que, com uma condenação em primeira instância, haveria um indicativo muito forte de que o fato imputado a aquele candidato procede. Sabemos que, com o recurso, há sempre possibilidade de revisão da decisão, mas a questão é a seguinte: não pode o simples fato de haver uma acusação representar que ele seja culpado. Acho que teria que haver, pelo menos, uma condenação em primeira instância.


Como o senhor avalia a situação do Rio de Janeiro em relação às eleições?
De fato, estamos vendo um atentado ao livre exercício do direito de votar e de pedir votos. Todos os candidatos devem circular em todas as áreas para se dirigir ao eleitor. O eleitor também tem o direito de poder fazer essa avaliação dos candidatos. Quando ele é impedido de avaliar esse ou aquele candidato porque milícias ou qualquer outro tipo de organização o impede de fazer isso, é a própria democracia, no seu conjunto, que está sendo vulnerada. Isso é o que justifica, inclusive, essa intervenção de tropas no período de eleição para garantir a ordem democrática das eleições.

É inconcebível que isso aconteça, é algo típico de republiquetas. Então, temos que enfrentar isso com todas as forças que temos. Sou a favor da força tarefa, dentro dessa análise, de que se faz necessária porque há áreas dominadas por organizações criminosas que estão construindo determinadas candidaturas em prejuízo da liberdade do voto.

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