10/12/2020 - 15:00 | última atualização em 15/12/2020 - 15:17

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Retrospectiva OABRJ: No Dia Internacional dos Direitos Humanos, relembre ações da Seccional em defesa da pauta

Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OABRJ faz balanço das ações do grupo

Clara Passi

Os mais de 180 mil mortos pela Covid-19 tornam impossível a tarefa de escolher adjetivos precisos para classificar este ano de 2020, quando a sensação de catástrofe se abateu sobre a vida pessoal e profissional de tantos colegas.  Ao longo dos meses, mostramos diariamente aqui no Portal da OABRJ que embora tenha fechado parcialmente suas estruturas, a Seccional manteve ativas as diversas frentes de atuação, intensificando o trabalho para fazer frente às adversidades que a pandemia apresentou.  Nos próximos dias, uma retrospectiva vai relembrar  as iniciativas mais marcantes empreendidas pela entidade. Visite também o canal da OABRJ no YouTube para assistir às centenas de lives e eventos sobre os mais diversos temas que mobilizaram a advocacia em 2020.


Violações praticadas pelo Estado e arbitrariedades do Judiciário na pandemia mobilizaram a CDHAJ em 2020


Os integrantes da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária (CDHAJ) da OABRJ Rodrigo Mondego e Mariana Rodrigues passaram a terça-feira, dia 8, na Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense acompanhando os pais das primas Emilly Victoria, de 4 anos, e Rebecca Beatriz Rodrigues dos Santos, de 7; mortas por bala perdida na frente de casa, na comunidade do Barro Vermelho (Gramacho), em Duque de Caxias. As testemunhas afirmam que o tiro de fuzil partiu de uma viatura da Polícia Militar.

Ao lado da Defensoria Pública, a Seccional presta assistência jurídica aos parentes das meninas, que compõem a lista desoladora das 12 crianças mortas por arma de fogo no Rio de Janeiro este ano. São vítimas do terror causado pela atuação das forças de segurança pública em comunidades do Rio, classificada pelo presidente da CDAHJ, Álvaro Quintão, de “política de genocídio contra uma população negra, pobre e periférica”. 

O amparo dos advogados aos parentes das meninas encerra de forma melancólica um ano marcado por outras tantas violações de direitos humanos cometidas justamente por quem tem o dever constitucional de zelar por eles: o Estado, sobretudo durante uma pandemia.

“A comissão teve uma atividade muito intensa em 2020, quando, mesmo durante a pandemia, vimos o Estado brasileiro cometer uma série de violações. Vimos que o racismo estrutural, institucional, continua muito presente na sociedade. Vimos que as crianças, principalmente as negras, moradoras de favela, continuam sendo vítimas das chamadas balas perdidas”, analisa Quintão.

Para o advogado, o Judiciário errou ao prender-se a interpretações frias do texto da lei sem analisar o contexto em que os casos aconteceram, como ao ordenar a desocupação de um imóvel em Santa Teresa sem fundamento legal em outubro (leia abaixo). 

Ele destaca ainda a firmeza da atuação da OABRJ, por meio da CDHAJ, pelo fim de prisões de inocentes com base unicamente em reconhecimento por fotografia, mote da campanha 'Justiça para os inocentes', uma parceria da OABRJ com a Mídia Ninja e o coletivo de artistas 342Artes lançada no mesmo mês (veja abaixo). 

Neste 10 de dezembro, data em que a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, veja mais detalhes sobre as principais iniciativas da CDAHJ em 2020:  

     ● Em maio, a CDHAJ prestou auxílio à família do corretor de imóveis Leandro Rodrigues da Matta, de 40 anos, morto após entregar uma cesta básica a um amigo que passava necessidade em Cordovíl, Zona Norte do Rio. O carro em que a vítima viajava foi atingido por um tiro de fuzil feito por um policial militar.

     ● Em julho, o grupo atuou nas investigações do assassinato do agricultor Carlos Augusto Gomes, conhecido como Mineiro, no acampamento Emiliano Zapata, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), no município de São Pedro da Aldeia. O crime foi motivado por um conflito fundiário. Dois policiais militares e um fazendeiro foram presos.

     ●  Em agosto, a CDHAJ pressionou a Secretaria de Estado da Polícia Militar por explicações sobre as condições precárias de trabalho oferecidas aos policiais lotados na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Borel, na Tijuca.  

“A PM precisa dar condições dignas de trabalho aos agentes, que atuam sob forte pressão, sem direitos básicos. São também vítimas deste sistema falho de segurança pública”, afirmou o advogado Rodrigo Mondego.

     ● Em agosto, a CDHAJ após receber inúmeras denúncias, foi à Delegacia de Atendimento da Mulher no Centro do Rio, para prestar auxílio às veterinárias que sofreram assédio sexual por parte de um gestor da Subsecretaria de Bem Estar Animal do Rio de Janeiro.

     ● Também em agosto, a Comissão se dirigiu à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância  (Decradi) para acompanhar a guia de turismo Thamiris da Silva, que foi vítima de racismo ao visitar uma amiga em um condomínio da Barra da Tijuca e ser direcionada pela portaria para o elevador de serviço.

     ● No mesmo mês, a comissão, que vinha acompanhando as ameaças rotineiras de despejo que a Casa Nem vinha sofrendo, recorreu ao Judiciário para tentar impedir a remoção durante a pandemia. A instituição em Copacabana é responsável pela acolhida da população LGBTQ+ em situação de vulnerabilidade social. A CDHAJ participou da negociação com o governo do estado para a cessão temporária de um espaço público estadual para alocar as pessoas assistidas.

     ● Em setembro, a comissão atuou para libertar o músico Luiz Carlos Justino, preso arbitrariamente no Centro de Niterói quando voltava de uma apresentação. Um reconhecimento por fotografia feito por uma testemunha de assalto à mão armada em 2017 embasou o mandado. Justino foi solto após o juiz André Luiz Nicolitt acatar o pedido da Ordem e revogar a prisão preventiva. Os advogados da comissão Sônia Ferreira Soares e Renan Gomes lideraram os esforços. O caso de Justino abriu caminho para que a CDHAJ expandisse os limites da causa e lançasse em parceria com a Mídia Ninja e o coletivo de artistas 342 Artes a campanha “Justiça para os inocentes”.

As histórias de quatro casos de jovens negros que a CDAHJ acompanha ilustrou a necessidade urgente de os atores do Poder Judiciário criarem protocolos que impeçam que novas injustiças sejam cometidas. O pilar da iniciativa é denunciar o racismo estrutural nas instituições ao expor que 70% dos acusados injustamente por falhas no reconhecimento fotográfico são negros. 

     ●  Em setembro, a CDHAJ assistiu a família do enfermeiro Luiz Otávio Rodrigues da Silva, de 27 anos, baleado na cabeça durante um assalto a ônibus ocorrido na  Avenida Brasil. 

     ●  Em outubro, a CDHAJ impediu o despejo de moradores da ocupação Guevara II, em Santa Teresa. A reintegração de posse do imóvel e a expulsão estavam previstas para ocorrer antes do julgamento do recurso impetrado pelas famílias. São cerca de 30 pessoas, metade delas crianças, e há idosos no grupo.

     ● Também em outubro, a Comissão foi convocada pela coordenação do Programa de Proteção de Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) e pelo Ministério Público Federal, para acompanhar as lideranças indígenas da Aldeia de Rio Pequeno, Paraty, nos recentes conflitos sobre a demarcação de terra na localidade.

Diante de inúmeros casos nos quais a comissão foi convocada a atuar, seja pelos movimentos sociais, pelas instituições de Justiça do Estado ou por contatos diretos da sociedade civil, a marca deste 2020 continuou sendo a prática reiterada de violência contra a população preta, afirma a advogada Mariana Rodrigues.

“Prova disso foi o relato do pai de uma das meninas mortas em Duque de Caxias, Maycon Douglas. Ele contou que enquanto via a filha morta na maca, um policial veio e perguntou se ele era o pai dela e se tinha ‘passagem’ (antecedentes criminais). Não perguntou se estava bem".

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