17/10/2016 - 10:37 | última atualização em 17/10/2016 - 19:22

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Retrocesso na democracia - Luciano Bandeira

jornal O Globo

Todos desejam o combate efetivo da corrupção. Desconheço um único cidadão brasileiro, salvo os próprios envolvidos, que não defenda o fim dessa pratica no nosso sistema de poder. Deveria ser, nesse aspecto, fácil combater e erradicar esse problema, uma vez que é um dos poucos consensos da nossa sociedade. A verdade, contudo, é outra.
 
O anseio por soluções rápidas e absolutas nunca é correto. Pior, pode causar o retrocesso de um processo civilizatório fundado na liberdade e na democracia. As medidas apresentadas pelo Ministério Público Federal para combater a corrupção reduzem direitos e, consequentemente, a liberdade.
 
Devemos ter consciência de que o combate à corrupção não se faz com a criação de novas leis, com o aumento de penas e, muito menos, com a limitação do direito de defesa. A corrupção no Brasil não existe por falta de legislação dura que permita o seu combate. O exemplo disso são os diversos casos e operações de combate à corrupção em curso no nosso país.
 
A corrupção reflete questões enraizadas na sociedade que somente serão resolvidas de forma efetiva com mais democracia e direitos. A forma mais eficiente de combater a corrupção e reduzi-la está na garantia de um sistema eleitoral livre do financiamento empresarial, o que já foi feito pelo STF. A fiscalização dessa conquista da sociedade ataca as causas da corrupção e um sistema que vincula os eleitos aos seus financiadores. Punir o direito de defesa e criminalizar a advocacia não resolve qualquer problema; simplesmente produz injustiça.
 
Quando existe uma proposta que limita a capacidade de defesa do cidadão perante o Estado, não estamos falando de Justiça e sim de autoritarismo. Até porque, um processo não demora porque existem recursos ou advogados, mas pela incapacidade de gestão eficiente da máquina pública, especialmente do Poder Judiciário.
A transformação do nosso país em um Estado policial, onde todos são culpados, até que provem o contrário, é um retrocesso absurdo. Esse é o perigoso espírito dessas medidas que não resolvem o problema na sua raiz e buscam a hipertrofia da acusação. Observar a proposta da criação de uma modalidade de prisão denominada extraordinária realmente assusta.
 
Estamos percorrendo o caminho do abismo com a flexibilização das garantias. Ao aceitarmos soluções menos democráticas para resolver um problema, mesmo que seja grave, como a corrupção, estamos deixando a porta aberta para o retrocesso do progresso democrático. Neste momento, devemos nos concentrar em produzir mais transparência, aprofundar a democracia e proteger o pleno direito de defesa. A limitação do habeas corpus, a prisão extraordinária e a redução dos recursos não vão acabar com a corrupção.
 
*Luciano Bandeira é tesoureiro e presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ.
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