28/11/2017 - 14:38 | última atualização em 05/12/2017 - 16:01

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Resgate da memória e afirmação da cultura negra pautam evento especial

redação da Tribuna do Advogado

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Cássia Bittar
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Comandado pelo presidente da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra no Brasil da OAB/RJ, e da comissão nacional sobre o mesmo tema, do Conselho Federal, Humberto Adami, o evento especial Reparação da escravidão e erradicação do trabalho escravo foi iniciado na manhã desta terça-feira, dia 28, no segundo dia da XXIII Conferência Nacional da Advocacia, com uma conclusão principal: é preciso, na visão dos palestrantes, resgatar a memória do período de escravidão e lutar pela afirmação dos elementos da cultura negra no país.

Uma das integrantes do primeiro painel, que focou nos caminhos para a efetividade da reparação da escravidão, a diretora de Igualdade Racial da Seccional fluminense, Ivone Caetano, acredita que o esquecimento das violações de direitos humanos e dos outros abusos cometidos no período contribui para a invisibilidade dos negros no país. Ela apresentou uma análise sobre a importância da memória histórica para a construção da identidade de um povo e afirmou: “É necessário saber o que ocorreu na escravidão, uma vez que não existe episódio mais grave e marcante na nossa história do que essa barbárie cometida contra nossos antepassados, que perpetuam em fatos atuais”.

Segundo Caetano, o movimento de apagamento da memória do povo negro faz parte da cultura do embranquecimento, um conceito que considera o processo de domínio da cultura e história dos brancos em um país que tem mais da metade da sua população composta por afrodescendentes. “A cultura do embranquecimento é implacável. E o que mais dói é que ela é absorvida até por nós, negros. Alguns de nós repetem que é duro saber da escravidão, que isso está no passado. Mas o engraçado é que nunca ouvi ninguém sugerir que o povo judeu esqueça o holocausto. Pelo contrário, os judeus são reverenciados e respeitados com o reforço dessa memória”.
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Caetano citou também consequências do racismo estrutural, como a perseguição às religiões de matriz africana e apontou que nos últimos três meses mais de 40 ataques foram registrados no Rio de Janeiro a terreiros de candomblé e de umbanda. “Vivemos um período de intolerância religiosa muito agravada. Mas essas atitudes são motivadas pelo preconceito de raça. Não vemos vestes de nenhuma outra religião, no Brasil, serem arrancadas, não vemos nenhuma outra crença ser perseguida como as de matriz africana. A intolerância religiosa, na verdade, é um dos segmentos do racismo. Quem pratica esses crimes sabe que o candomblé é resistência. Muito mais que religião, foi por ele que nossos antepassados conseguiram assumir sua identidade, promover a resiliência, foi por ele que chegamos até aqui, com uma negra falando para vocês o que estou falando agora”, reforçou.

Na análise da diretora de Igualdade Racial da OAB/RJ, a prática de intolerância religiosa, inclusive institucionalmente, reforça um momento de extrema preocupação sobre as igualdades sociais: “Meu maior receio é pelas crianças que estão para chegar, porque a transmissão geracional é de inferioridade. Há movimentos muito perigosos em curso. Mas por outro lado, também temos pessoas assumindo suas identidades, temos uma onda importante de mulheres com seus turbantes, mulheres assumindo seus cabelos crespos. O cabelo é nosso e é a nossa referência e por isso mantenho meu cabelo crespo, não importa a quem desagrade. Nossa invisibilidade não pode mais ser mantida. Quem é negro e respeita seu segmento, independentemente da gradação da sua pele ou da preferência partidária e religiosa, tem no corpo e na alma as ferramentas em prol da luta pela igualdade no nosso país”.
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Um dos principais nomes do movimento negro no país, o militante Yedo Ferreira lembrou que a reparação da escravidão é uma questão levantada há mais de 30 anos, mas mesmo assim ainda invisibilizada. “Quando se fala em reparação há uma confusão com compensação, inclusive, e são coisas bem diferentes. Muitos pensam que a reparação é pura e simplesmente a entrega de dinheiro, mas não. É a negociação do que quem deve ser reparado considera importante. O termo vem de reparação de guerra, quando o vencedor dizia o que queria. Essa é a prática da ONU.”

Yedo lembrou, assim como o professor da USP e ativista do movimento negro Edson Cardoso, da Conferência Mundial contra o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e outras formas correlatas de discriminação , realizada pela ONU em 2001 em Durban na Àfrica do Sul e da qual o Brasil foi signatário.

Cardoso traçou um paralelo entre a invisibilidade e a negação das raças e o extermínio da juventude negra atualmente: “Temos uma consequência na área pública daquilo que a cultura já autorizou. Existe uma sociedade que autoriza o racismo, inclusive quando o nega, existe uma cultura de embranquecimento enraizada na televisão, cinema, na literatura, na nossa politica, na nossa noção de representação humana. A correlação entre ser humano e ser branco presente na sociedade brasileira é um problema que não é só de polícia, ele vem da falta de negros na propaganda da TV”.
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O painel contou com a participação do juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, Humberto Caldas, afirmando o compromisso da ONU com a pauta da comissão da OAB: visibilizar direitos. “Se não dermos atenção ao resgate da verdade sobre a escravidão, não conseguiremos eliminar essa chaga que é o racismo em definitivo. Se não denunciarmos os costumes perversos e ilícitos não chegaremos ao fim da escravidão atual, inclusive”.

A erradicação do trabalho escravo será o tema debatido na parte da tarde no painel. Durante a  manhã também participaram o vice-presidente da OAB nacional Luis Carlos Chaves; o vice-presidente da Comissão Nacional da Escravidão Negra, José Vicente; e os presidentes das comissões estaduais de Minas Gerais, Daniel Dias Moura; do Paraná, Silvana Cristina Oliveira Niemczewski; e do Piauí, Maria Sueli Rodrigues de Sousa.
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