10/12/2017 - 15:23 | última atualização em 15/12/2017 - 11:37

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‘Reage, Rio!’: Combate ao crime exige mais do que ações policiais

jornal O Globo

Se enfrentar o problema da segurança pública é difícil para qualquer estado com as contas em dia, a situação se torna muito mais grave em um cenário de crise econômica como a que vive o Rio de Janeiro: o governo fluminense previu no orçamento de 2018 um déficit de R$ 10 bilhões. Pesquisadores e profissionais que atuam em diferentes setores ligados à segurança pública concordam que as saídas para a crise estão nas parcerias e que os municípios ganham papel fundamental no combate à violência. Os agentes municipais não têm estrutura nem atribuição para enfrentar o crime organizado, mas ações concretas de combate à degradação de áreas públicas, de ordenamento urbano e complemento salarial aos policiais que trabalham nos dias de folga estão entre medidas que começam a ser adotadas na tentativa de redução da criminalidade.
 
"A ideia é superar a visão de que segurança tem que cair apenas nas costas da polícia. Em outra concepção, o papel de liderança do município é chamar todos os atores públicos e privados e construir uma estratégia. Segurança tem que ter integração: ou age todo mundo, ou não funciona", diz o advogado Alberto Kopittke, do Instituto Cidade Segura, que cria e implementa planos de segurança em parceria com prefeituras.
 
Kopittke trabalhou na criação do Pacto Pelotas pela Paz, iniciativa da prefeitura da cidade gaúcha de 350 mil habitantes. Assim como o Rio de Janeiro, o Rio Grande do Sul vive uma profunda crise econômica e os municípios sofrem as consequências das contas estaduais no vermelho. Em Pelotas, o plano de segurança prevê ações de "baixíssimo custo", mas que, segundo Kopittke, têm potencial para redução de pequenos delitos e conflitos nas ruas. Inspirada na experiência de cidades como Nova York e Bogotá, a prefeitura enviou à Câmara Municipal projeto de lei que proíbe os moradores de consumirem bebidas alcoólicas na rua após as 22h. O projeto também fixa multas para brigas na rua. Plantões de fiscalização na madrugada já estão em funcionamento. Na área de prevenção, implementou iniciativas para a primeira infância, para alunos do 1º ao 9º ano e para jovens que já cometeram delitos.
 
A primeira experiência de Kopittke com planos de redução da violência aconteceu na cidade de Canoas, onde foi secretário municipal de Segurança. Entre 2009 e 2016, a cidade adotou várias medidas de combate ao crime. Uma delas foi uma série de intervenções no bairro de Guajuviras, que era o mais violento da cidade. Uma ação policial prendeu vários criminosos por homicídio e, em seguida, a área sofreu uma reforma geral, com troca de equipamentos urbanos, criação de áreas verdes e ginásio de esporte.

"Esse timing é importante porque às vezes ocorre a ação policial, mas não os programas sociais", diz o fundador do Instituto Cidade Segura.
 
A atuação em diversas frentes na área de segurança faz parte do plano iniciado há uma semana pela prefeitura do Rio em Copacabana e Leme, chamado Rio+Seguro, com investimento municipal de R$ 800 mil mensais. O Instituto de Segurança Pública (ISP), do estado, e a Secretaria de Ordem Pública, do município, mapearam as áreas desses dois bairros com maior incidência de crimes e desordem. Atuarão na vigilância 140 guardas municipais e 140 policiais militares que receberão pagamento extra pelo trabalho nos dias de folga, financiado pela prefeitura. Câmeras foram instaladas em pontos vulneráveis.
 
Segundo o secretário de Ordem Pública, coronel reformado da Polícia Militar Paulo Amendola, além das ações policiais, estão previstas intervenções para fiscalização de bares, recuperação de áreas degradadas, limpeza, iluminação e redução de barulho. Pessoas que vivem nas ruas serão levadas para abrigos. As ações municipais não excluem a responsabilidade do estado pela segurança pública, lembra o secretário, mas são complementares:
 
"A prefeitura entra na fase que antecede o crime. Atuar nas causas e na prevenção da criminalidade deve ser fundamentalmente atividade municipal", diz.
 
Amendola reconhece a probabilidade de que bandidos migrem para bairros vizinhos e explica que haverá uma segunda etapa, provavelmente em Ipanema e Leblon, ainda sem data, para começar.
 
"A imagem do Brasil é o calçadão de Copacabana. Uma imagem negativa de Copacabana potencializa a imagem negativa do país", afirma o secretário.
 
No Estado do Rio, o rombo financeiro se reflete nos indicadores da violência. Homicídios, roubos de rua, roubos de carga, mortes decorrentes de confrontos com a polícia cresceram de janeiro a outubro deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado. No dia 7 de dezembro, o número de policiais mortos em 2017 chegou a 125. No ano passado, foram registradas 146 mortes, 55 a mais do que em 2015.
 
O presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, cobra mais diálogo do poder público com a sociedade civil. Ele defende a criação de um gabinete consultivo e de debate que reúna representantes da Justiça, da Defensoria Pública, do Ministério Público e também de organizações civis e empresariais.
 
 
"Está faltando diálogo em todas as áreas. Não temos informações suficientes sobre o que acontece na área de segurança", diz.
 
Desde setembro, a OAB/RJ organiza uma série de debates como parte do projeto Pacto pela Vida. Em março de 2018, um documento será entregue aos candidatos a governador, com iniciativas realistas na área de segurança pública, levando em conta o cenário de restrição orçamentária.
 
Entre as sugestões, está a implementação de "uma política de recuperação das áreas degradadas, com iluminação e recuperação de praças e espaços públicos abandonados, que muitas vezes se tornam foco da prática de crime e uso de entorpecentes". Outra proposta é o "aperfeiçoamento das guardas municipais, com foco na proteção do ambiente escolar e na prevenção de pequenos delitos". A OAB sugere também ações de integração entre as diversas forças de segurança, o aprimoramento da tecnologia no combate ao crime e a ampliação de iniciativas como Segurança Presente, em que a Fecomércio é a principal financiadora do pagamento de horas extras para PMs que trabalham em dias de folga no patrulhamento de áreas como Lagoa, Centro, Méier e Aterro do Flamengo.
 
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