27/07/2008 - 16:06

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Procuradora-chefe da Procuradoria Regional da República critica lentidão no combate à corrupção

Procuradora-chefe da Procuradoria Regional da República critica lentidão no combate à corrupção 

 

 

Do Jornal O Globo

 

27/07/2008 - No 19º andar de um prédio na Rua Uruguaiana, no Centro do Rio, em frente ao maior camelódromo da cidade, a nova procuradora-chefe da Procuradoria Regional da República (Rio de Janeiro e Espírito Santo) diz trabalhar dia e noite para combater a corrupção. A curitibana de 46 anos Cristina Romanó, que tomou posse no último dia 14, tem como uma das principais funções elaborar denúncias contra pessoas que tenham prerrogativa de foro, principalmente deputados estaduais e prefeitos.

 

Ex-bailarina clássica e jogadora de vôlei, a procuradora, divorciada e sem filhos, estava há três anos em Haia, na Holanda, no Tribunal Criminal Internacional, acusando o "Açougueiro dos Bálcãs" e ex-líder da Iugoslávia, Slobodan Milosevic, por crimes de guerra no Kosovo. Milosevic, que morreu na cela da prisão da ONU em 2006, chamava Cristina, durante as sessões no tribunal, de "a lourinha do lado de lá". Durante as investigações, Cristina ficou 20 dias se alimentando somente de macarrão e água, sem tomar banho, enquanto seguia rigorosamente os passos dos seguranças: "Andava nos passos deles por causa das minas terrestres".

 

Dois morreram. Tinha uma equipe com patologistas e detetives para exumar os corpos no Kosovo.

 

A procuradora também foi uma das responsáveis pela investigação que culminou na prisão do deputado estadual Álvaro Lins (PMDB) e pela devassa na casa do ex-governador Anthony Garotinho, denunciado por formação de quadrilha armada na Operação Segurança Pública S.A.

 

À frente da procuradoria, Cristina vê no Rio um emaranhado de corrupção que envolve várias esferas de poder: "Acho o Rio sui generis em relação aos outros estados, pela situação das favelas, da milícia, do tráfico, do jogo do bicho com essas famílias. Um emaranhado que permeia o poder público. Minha prioridade será o combate à corrupção", diz.

 

Cristina considera, no entanto, que o Brasil está avançando no combate à corrupção. As sucessivas operações refletem, segundo a procuradora, o "começo de um longo caminho", por mais que as leis ainda não ajudem como deveriam depois que as operações são deflagradas.

 

Outro ponto negativo, na opinião da procuradora, são os constantes conflitos entre Polícia Federal e Judiciário.

 

Em entrevista, a procuradora critica o excesso de recursos no Judiciário, principalmente quando estouram operações feitas em conjunto com a PF. Segundo Cristina Romanó, um exemplo é a denúncia contra Álvaro Lins, preso em maio, que ainda não foi recebida pela Justiça.

 

O que mais atrapalha a atuação do MPF nas investigações contra a corrupção?

O Brasil está no começo de um longo caminho para começar a ser mais enérgico em face à corrupção. Começamos bem, atingindo as pessoas certas, mas precisamos adequar a atuação do MP e do Judiciário frente a essa avalanche. Nosso sistema de leis e de processos não está preparado para seguir na velocidade certa. Por isso a população não entende esse prende e solta. O processo no Brasil é muito lento, e o direito de defesa é muito bem protegido. Os advogados sabem usar isso em todos os aspectos. Mesmo assim, meu foco como procuradora-chefe será o combate à corrupção.

 

A senhora poderia citar um exemplo?

Fizemos a investigação junto com a Polícia Federal sobre Álvaro Lins (preso em maio), mas a denúncia sequer foi recebida. Como ele tem prerrogativa de foro, precisa apresentar uma defesa por escrito em 15 dias. Quando tivermos a denúncia, ainda temos que enviar para a Assembléia Legislativa, que pode suspender todo o processo. Isso é emparedamento de qualquer ação penal. Aprendi a conviver com a situação e não me surpreendi com o fato de ele ter sido solto. Infelizmente é isso que acontece. Temos que lutar contra essa maré, não vai ser tão cedo que a população vai sentir uma mudança efetiva na punição ou condenação de pessoas assim. Mas considero que houve um avanço extraordinário.

 

Depois de todo o processo de investigação, por que a resolução é sempre lenta quando chega ao Judiciário?

Teria que haver diminuição no número de recursos, hoje existem muitas instâncias. Na área federal começa com um juiz singular, depois vai para o Tribunal Regional Federal. Ainda tem agravo de instrumento, habeas corpus, apelação e mandado de segurança. Isso só no TRF. Ainda pode ir para o Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. É demais. Em qualquer outro país, a primeira decisão só vai ser alterada se tiver algo muito grave. A Suprema Corte nos EUA só vai escutar se for algo de muito relevante. Outro problema é a batalha oral que se forma. Já tive réu solto pelo ministro do STJ ou STF, é natural, mas o ministro Gilmar Mendes não tinha nada que ficar falando na televisão. A maneira com que as pessoas conduziram o processo na Operação Satiagraha (que prendeu o banqueiro Daniel Dantas) não foi boa para nenhuma das instituições.

 

Crimes étnicos, como a senhora investigou no Kosovo, são mais difíceis de serem combatidos do que os de colarinho branco espalhados pelo Brasil?

O conflito étnico, como no Kosovo, é mais difícil porque vem da educação das pessoas. No Brasil é complicado, falta energia, motivação e interesse público para mudar. Nossos crimes são difíceis de serem alcançados, mas dá para mudar. No crime étnico não dá, é para a vida inteira. Poderíamos resolver se houvesse mais vontade política.

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