29/06/2011 - 16:06

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Primeiros passos em direção à cidadania

Primeiros passos em direção à cidadania


Do jornal O Globo

29/06/2011 - O direito do consumidor como um passo em direção à construção de uma comunidade mais cidadã. É com essa perspectiva que o governo fluminense, via Procon-RJ, a FGV Direito Rio e o Ministério da Justiça estão desenvolvendo um projeto-piloto de capacitação no tema para 120 jovens entre 15 e 24 anos, bem como cem lideranças de Manguinhos e Rocinha. Montados em parceria com as comunidades, os cursos incluem, no caso dos jovens, além de 21 horas de aulas teóricas, 39 horas de estágio prático de atendimento ao público no Procon. O trabalho final desse grupo será a criação de uma comunidade no Orkut, na qual os participantes vão usar a rede social para discutir as relações de consumo dentro de sua realidade. Para as lideranças, a capacitação resultará em uma exposição fotográfica - "Retratos do consumo: a perspectiva cidadão" - que será realizada nas comunidades e, posteriormente, exibida por todo o estado.

"Estamos trabalhando a reconstrução dos espaços de relacionamento, das regras de civilidade, da titularidade do direito que esses cidadãos têm e devem fazer uso. O incrível na primeira aula, na qual discutimos acidentes de consumo, foi perceber a capacidade desses jovens de transportar os conceitos para situações do dia a dia. É preciso prepará-los para exercer os direitos não apenas individualmente, mas perceber os efeitos coletivos destes na sociedade", afirma Ricardo Morishita, professor de Direito do Consumidor da FGV Rio e um dos coordenadores do projeto.

Em São Paulo, jovens optaram por debater consumo consciente

Em São Paulo, os jovens em situação de vulnerabilidade são alvos da Fundação Procon e do estado, via Secretaria de Justiça e Coordenadoria de Juventude. Desde março funciona, no Centro de Integração e Cidadania (CIC), na Zona Leste paulistana, o Espaço do Jovem Consumidor. O consumo consciente foi o tema eleito pelos jovens para debate. Este mês o assunto será discutido em oficinas sob a ótica da imagem.

"Faremos uma reflexão sobre a necessidade de ter para pertencer a um grupo. Será que realmente é preciso comprar roupas, tênis, para ter aceitação social? Vamos trabalhar com vídeos, textos sobre o tema e depois construir uma letra de hip-hop", diz Regina Lunardelli, diretora de Relações Institucionais do Procon-SP, antecipando que até o fim do ano deverá ser inaugurado um espaço jovem, na Zona Sul paulistana.

No Rio, o programa para jovens abrange direitos básicos do consumidor, saúde e segurança, reparação de danos, comércio eletrônico e interação via internet. Como o curso está ligado ao Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), eles ainda recebem bolsa de R$200 durante a capacitação. No currículo voltado às lideranças, as vendas pela web são substituídas por um módulo sobre questões relativas a crédito e financiamento. Entre os docentes, além dos professores da FGV Rio - Morishita, Carlos Affonso Pereira de Souza, Sérgio Branco e Luiz Moncau - estão profissionais de ponta na defesa do consumidor, como a defensora pública Marcella Oliboni, a diretora do Procon-MT, Gisela Simona Viana de Souza, e o promotor Pedro Rubim Fortes.

Coordenadora do Programa de Aceleração do Crescimento Social (PAC-Social) do Estado do Rio, Ruth de Juberg diz que, além do impacto da obra, o PAC se preocupa com o desenvolvimento do território, em dar ferramentas para que o processo tenha sustentabilidade. O projeto de capacitação em direito do consumidor, avalia Ruth, é o outro lado da moeda do incentivo ao empreendedorismo e da descoberta desse novo mercado consumidor:

"Temos oferecido cursos e desenvolvido planos de negócios para empreendedores locais, além de negociarmos linhas de crédito com baixos juros para viabilizar empreendimentos nas comunidades, que também atraem grandes empresas. No Complexo do Alemão, por exemplo, já há quatro bancos instalados. O curso de direito do consumidor, por sua vez, forma uma clientela mais crítica, que conhecerá canais para se expressar e estará pronta para o seu papel de protagonista".

Meta do Procon-RJ é empregar ao menos 30% dos capacitados

Após Manguinhos ficar abandonada por anos, Cândida Maria Trivado, vice-presidente da comunidade CCPL, diz que é hora de agarrar as oportunidades de desenvolvimento:

"Conhecer nossos direitos é uma bênção. E pobre da comunidade não conhece, pois só quem tem bala na agulha é que sabe. Se não nos mobilizarmos agora para aprender e aproveitar tudo de bom que está chegando à comunidade, no futuro correremos o risco de voltar a ficar chupando o dedo".

Carlos Alberto Cacau de Brito, coordenador do Procon-RJ, tem planos para os jovens que vão além da função de agentes multiplicadores do direito do consumidor na comunidade:

"Embora não faça parte do projeto inicial, estou buscando as secretarias estadual e municipal de Trabalho e a iniciativa privada para abrir espaço no mercado para esses jovens. Gostaria que, ao menos, 30% deles fossem aproveitados em projetos dentro ou fora da comunidade, quem sabe em ouvidoria de bancos, por exemplo".

O grande interesse da comunidade no curso, diz Cacau de Brito, pode levar a reedições do programa.

"Direito do consumidor faz parte da vida de qualquer cidadão, independentemente do perfil social. É algo que a gente sente na pele, não é um direito abstrato. E, ao incorporá-lo, há uma percepção de mudança no cotidiano muito grande", destaca o coordenador do Procon-RJ, ressaltando que o contato com profissionais da área do direito pode despertar vocações profissionais."Os jovens estão em contato com profissionais qualificados da FGV, promotores, defensores. Quem sabe alguns não despertam para o ramo do Direito ou, mais especificamente, para a defesa dos direitos dos consumidores"?

Morishita, por sua vez, destaca que o convívio com os cidadãos dessas comunidades também é muito enriquecedor e desafiante para a academia:

"Põe em xeque modelos debatidos pelos teóricos. Uma intoxicação alimentar, por exemplo. Vamos abordá-la pelo manual da academia? Indicar que procurem um médico e peçam laudo para buscar seus direitos? Eles vão rir. É preciso construir novas ferramentas, com a cultura local do compartilhamento da informação. Como a intoxicação por produto consumido num restaurante, por exemplo, não costuma acometer uma única pessoa, a rede de informações é fundamental. Você localiza as pessoas que tiveram o problema e transforma a questão que era individual numa proposta coletiva".

O interesse dos jovens por atividades culturais foi o que determinou a forma de abordagem no Espaço Jovem Consumidor do Procon-SP.

"Para tornamos o assunto interessante, resolvemos abordá-lo usando atividades culturais como o hip-hop, que tem grande aceitação no público entre 12 e 20 e poucos anos, grafite, vídeos. Ainda é cedo para falar em mudança de comportamento, essa é apenas a segunda oficina, mas acreditamos que teremos bons resultados", diz Regina, diretora do Procon-SP.

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