19/05/2016 - 16:30 | última atualização em 23/05/2016 - 13:55

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Presos que menstruam: evento debate condição de mulheres nas prisões

redação da Tribuna do Advogado

Com a proposta de trazer para a advocacia uma discussão sobre o livro Presos que menstruam, da jornalista Nana Queiroz, e lançado pela editora Record em 2015, o grupo de trabalho Mulheres Encarceradas, que faz parte da Comissão de Política Criminal e Penitenciária (CPCP) da OAB/RJ realizou nesta quarta-feira, dia 18, um evento que reuniu especialistas na área penal tratando da questão. Entre eles, a unanimidade: há uma cultura de superencarceramento que pode ser amenizada, principalmente se presas provisórias grávidas receberem seu direito de prisão domiciliar.
 
Entre uma das previsões legais que vão contra a prisão em regime fechado de grávidas está o artigo 318 do Código de Processo Penal, que determina que a prisão preventiva deve ser substituída pela domiciliar quando o agente for, entre outras classificações: “gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco (incluído pela Lei nº 12.403, de 2011)”; “gestante (redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)” e “mulher com filho de até doze anos de idade incompletos; (incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)”.
 
Segundo a professora da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luciana Boiteux, que coordenou, junto com a conselheira seccional Maíra Fernandes, uma pesquisa pela universidade sobre as condições da maternidade atrás das grades, esta, porém, não é a única.
 
“Se formos olhar as leis, não há justificativa para o encarceramento massivo, da forma como é feito hoje. Além do artigo 318 [do CPP] podemos citar, também a presunção de inocência. Indulto não é favor. E o Judiciário reitera essa ilegalidade Não estamos pedindo nada revolucionário para essas mulheres, mães e grávidas. Estamos pedindo o cumprimento de leis, o reconhecimento de direitos”, afirmou Boiteux.
 
A professora classifica o sistema atual como “esquizofrênico”: “Há uma tendência de manutenção de prisões preventivas por um longo período baseando-se em expectativas de possibilidade de prática de outro crime e na garantia da ordem pública. Acontece que a prisão provisória deve ser aplicada apenas em casos de necessidade. Ela não pode ser uma condenação antecipada”.
 
Para ela, não se pode falar em uma mudança efetiva nas condições precárias em que vivem as presas sem falar em uma reforma política de drogas, considerando que o tráfico é o principal crime que leva essas mulheres ao sistema penitenciário. “A cultura de repressão cega ao tráfico, a visão das drogas como o maior problema da humanidade, é o que impede também a concessão de indultos. Não da para continuar achando que mantendo uma política punitiva e repressiva a gente vai chegar a algum lugar positivo. Isso não aconteceu até hoje, pelo contrário”.
 
Caroline Bispo, ao microfone, ao lado de Thais Pinhata, Luciana Boiteux e José Soares de Andrade  |  Foto: Bruno Marins   |   Clique para ampliarCoordenadora do grupo de trabalho Mulheres Encarceradas, Caroline Bispo lembrou que por cerca de cem anos, as prisões funcionaram de forma mista. “Em 1937 foi pensada a cadeia feminina, mas não pela dignidade das mulheres. Foi pensado porque elas tiravam a paz das cadeias masculinas, deixavam os homens muito alvoroçados. Quase 80 anos depois do promeiro presídio feminino no Brasil, elas ainda fazem suas necessidades em buracos no chão”.
 
A estagnação na precaridade também foi frisada pela advogada criminalista Thaís Pinhata levou, na ocasião, um livro de 1906 falando sobre as mulheres detentas, que na época viviam nas mesmas cadeias que os homens. Segundo ela, os relatos de então se assemelham com os encontrados no livro de Nana Queiroz. Ela reforça que a atuação de advogados é fundamental para que a questão possa evoluir.
 
Em vídeo, a autora do livro explicou que começou sua pesquisa após ouvir histórias de uma ex-agente do sistema carcerário. “Fiquei impressionada e comecei a pesquisar. Vi que aquilo vivia em silêncio, um silêncio que precisava ser quebrado”.
 
O título, segundo ela, foi inspirado em uma declaração da ex-diretora da Pastoral Carcerária Heidi Cerneka, que afirmou uma vez que “O Estado se comporta como se só existissem presos homens no Brasil, mas uma vez por mês parte desses presos menstrua”. Nana Queiroz reforça que é provida a mesma estrutura para necessidades diferentes: “Quando a gente não considera as diferenças, a igualdade é desigual”.
 
O presidente da CPCP, José Soares de Andrade, comandou a mesa.
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