21/06/2012 - 14:17

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Pesquisadores criticam queima de arquivos do Judiciário

redação da Tribuna do Advogado

No debate sobre acesso e preservação de documentos públicos, a pesquisadora e desembargadora aposentada Magda Biavasch utitlizou um ditado popular gaúcho para traduzir a realidade de quem quer contar a história do Brasil a partir de processos na Justiça do Trabalho: "Estamos tentando nadar de poncho", disse ela, ao afirmar que, com exceção do Rio Grande do Sul, o Judiciário trabalhista está incinerando sob o manto legal a história das relações sociais, da luta dos trabalhadores e da resistência dos empresários ao cumprimento da lei.
 
O amparo à queima de documentos considerados históricos se deu, primeiro, a partir do artigo 1.215 do Código de Processo Civil, editado em 1973. O código estabelecia que os autos processuais, expirado o prazo de 5 anos do arquivamento, poderiam ser eliminados por incineração, destruição mecânica ou outro procedimento.
 
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'Foi mais fácil reconstituir a história do pai europeu de Marighella do que a de uma negra que nasceu aqui', disse pesquisador
Diante da pressão dos historiadores, o artigo foi suspenso em 1987, mas decisões semelhantes, como a Recomendação nº 37 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não só aconselham o descarte de todos os processos - só deixando uma amostra estatística representativa do universo dos documentos e processos administrativos e dos autos judiciais findos -, como fiscalizam o cumprimento da decisão. "Eles se vangloriam de preservar o meio ambiente ao destruírem volumes de massas processuais que contam a nossa história", enfatizou. Além de apagar os registros históricos, a queima indiscrimada de processos prejudica, também, quem tenta provar, por meio de autos de processos, os anos de contribuição necessários para a aposentadoria pelo INSS.
 
Jessie Jane, historiadora da Universidade Federal Fluminense, atribui o problema à política cultural e ideológica vigente no país. "No Brasil, os arquivos foram criados para guardar segredos de Estado", afirmou. Segundo ela, os militares se baseiam na legalidade da incineração desses documentos para afirmar, repetidamente, que os arquivos da repressão foram destruídos.
Jessie Jane, historiadora  |  Foto: Lula Aparício
 
Jessie lembrou que o Arquivo Nacional nunca pode fazer valer o seu direito, sequer para consulta, dos documentos de empresas privatizadas. Assim, segundo a historiadora, o desafio brasileiro passa a ser o de construir uma política arquivista que tenha como principal eixo o acesso aos documentos, conforme previsto na Lei 12.527, que garante o acesso à informação "primária, íntegra, autêntica e atualizada".
 
O jornalista Mário Magalhães, que lança em agosto um livro sobre o ex-deputado constituinte e guerrilheiro baiano Carlos Marighella, contou sua saga para reconstituir, por exemplo, a história da mãe do seu biografado, uma negra nascida no século XIX. Isso porque, em 1890, o jurista, político e escritor baiano, Rui Barbosaordenou a incineração dos vestigios da escravidão que, na sua avaliação, manchavam a honra do Brasil. "Foi mais fácil reconstituir a história do pai europeu de Marighella, do que a de uma negra que nasceu aqui", afirmou. 
 
Ele também não conseguiu mais do que documentos esparsos da trajetória do político baiano. "Não há arquivos nem de prontuários médicos que contem o dia em que Marighella foi baleado no Rio". Em maio de 1964, após o golpe militar, o ex-deputado foi baleado e preso por agentes do Dops dentro de um cinema. 
 
Os três pesquisadores acreditam que a Lei de Acesso à Informação, sancionada em novembro de 2011, é uma luz no fim do túnel para o respeito à preservação de documentos públicos. "Só o recolhimento, o tratamento, a preservação e o acesso garantem a democracia", sustenta Jessie. Magda, alerta, porém, que já existem pessoas fazendo uma interpretação que limita o campo de atuação da Lei 12.527, assinada pela presidente Dilma Rousseff.
 
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