10/07/2015 - 15:00 | última atualização em 10/07/2015 - 15:36

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Os vetos da Lei Brasileira da Inclusão - Geraldo Nogueira

redação da Tribuna do Advogado

O Ministério da Educação manifestou-se pelo veto ao seguinte dispositivo:
 
Art. 29
“Art. 29.  As instituições de educação profissional e tecnológica, as de educação, ciência e tecnologia e as de educação superior, públicas federais e privadas, são obrigadas a reservar, em cada processo seletivo para ingresso nos respectivos cursos de formação inicial e continuada ou de qualificação profissional, de educação profissional técnica de nível médio, de educação profissional tecnológica e de graduação e pós-graduação, no mínimo, 10% (dez por cento) de suas vagas, por curso e turno, para estudantes com deficiência.

§ 1º  No caso de não preenchimento das vagas segundo os critérios estabelecidos no caput deste artigo, as remanescentes devem ser disponibilizadas aos demais estudantes.
§ 2º Os cursos mencionados neste artigo não poderão excluir o acesso da pessoa com deficiência, sob quaisquer justificativas baseadas na deficiência.
§ 3º  Quando não houver exigência de processo seletivo, é assegurado à pessoa com deficiência atendimento preferencial na ocupação de vagas nos cursos mencionados no caput deste artigo.”
 
Razões do veto
“Apesar do mérito da proposta, ela não trouxe os contornos necessários para sua implementação, sobretudo a consideração de critérios de proporcionalidade relativos às características populacionais específicas de cada unidade da Federação onde será aplicada, aos moldes do previsto pela Lei no 12.711, de 29 de agosto de 2012. Além disso, no âmbito do Programa Universidade para Todos - Prouni o governo federal concede bolsas integrais e parciais a pessoas com deficiência, de acordo com a respectiva renda familiar.”
 
A manifestação pelo veto desse artigo se deu pela falta de compreensão dos objetivos subliminares trazidos ao texto do artigo vetado, mesmo porque, faltou habilidade redacional para validar o que se propunha. Frisando que somente 19% das escolas brasileiras de ensino básico têm acessibilidade, percebe-se que o legislador de origem quis preservar o direito de acesso à educação para pessoas com deficiência, pois ao reservar vagas, as escolas estariam obrigadas a se adaptarem para receber alunos com deficiência, sob pena de descumprirem o percentual da reserva.
 
A facilitação de acesso pela reserva, fora da finalidade que acima abordamos, em nossa opinião, avança para uma área de proteção excessiva, o que é rechaçado pelo próprio movimento de pessoas com deficiência, ressalvando aqui a necessidade de adaptação dos modos de seleção para contemplar pessoas com deficiência intelectual e outras deficiências que requerem ajudas técnicas ou adequação de forma.
 
Sob este aspecto, sem abordarmos as questões técnicas jurídicas que também embasaram o procedimento, concluímos que o veto do presente artigo traz prejuízo ao favorecimento de maior conscientização dos gestores da educação para a necessidade de inclusão educativa da pessoa com deficiência.
 
O Ministério das Cidades manifestou-se pelo veto aos seguintes dispositivos:
 
Inciso II do art. 32
“II - definição de projetos e adoção de tipologias construtivas que considerem os princípios do desenho universal;”
 
Razões do veto
“Da forma ampla como prevista, a medida poderia resultar em aumento significativo dos custos de unidades habitacionais do programa
Minha casa, minha vida, além de inviabilizar alguns empreendimentos, sem levar em conta as reais necessidades da população beneficiada pelo programa. Além disso, no âmbito do próprio Minha casa, minha vida, é previsto mecanismo para garantia da acessibilidade das unidades habitacionais, inclusive com as devidas adaptações ao uso por pessoas com deficiência.”
 
Errou o Ministério das Cidades ao sugerir veto para o artigo acima por entender que a medida poderia aumentar os custos das unidades habitacionais do programa Minha casa, minha vida e inviabilizar alguns empreendimentos. O ministério mostrou desconhecimento sobre o que seja o conceito de desenho universal, compreendendo este como implementação de equipamentos de maior custo ou ocupação de espaços.
 
No entanto, os princípios do desenho universal visam basicamente a contemplação de uso, considerando na projeção e construção/produção, a possibilidade de atendimento a maior gama antropométrica, não necessariamente só usuários de cadeiras de rodas.
 
O Brasil ainda constrói considerando o modelo do indivíduo mediano, ou seja, aquele que tem capacidade física e mental dentro de um padrão médio, quando na realidade esse tipo de indivíduo, dentro da sociedade, representa uma pequena parcela em consideração a variação antropométrica dos demais cidadãos. O desenho universal propõe pensar projetos e construção/produção dos meios urbanos, de comunicação e transporte, das edificações e objetos, onde os acessos, espaços, meios ou equipamentos possibilitem a utilização por maior número de usuários, independentemente de sua variação antropométrica. Pode-se construir com ou sem aplicação de medida de economia e, ambas as formas, podem ou não estar dentro dos princípios do desenho universal.
 
Assim, o veto caminhou na contramão do novo pensar mundial, ainda desrespeitando a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e mantendo o país no ritmo da exclusão por possibilitar um desenho que atende somente a indivíduos com o tipo físico mediano, o que imporá maior vigilância e cobrança da militância em favor da inclusão das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. 
 
Art. 154 da Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), alterado pelo art. 109 do projeto de lei
“‘Art. 154
§ 2º O Centro de Formação de Condutores (CFC) é obrigado, para cada conjunto de 20 (vinte) veículos de sua frota, a oferecer 1 (um) veículo adaptado para o aprendizado de pessoa com deficiência.
§ 3º  O veículo adaptado deverá ter, no mínimo, câmbio automático, direção hidráulica, vidros elétricos e comandos manuais de freio e de embreagem.’ (NR)”

Razão do veto
“As regras relativas a carros adaptados para fins de aprendizagem e habilitação devem acompanhar as necessidades reais da população, assim como os avanços técnicos. Desta forma, é mais adequado deixar que tal matéria seja regulada pelo Conselho Nacional de Trânsito - Contran, nos termos do que prevê o art. 12, inciso X, do Código de Trânsito Brasileiro.”
 
Os argumentos apresentados não são suficientes para determinar a vedação completa do artigo, pois que neste caso bastaria vetar o parágrafo terceiro, o que não inviabilizaria a solicitação ao Contran para regulamentar o artigo e parágrafos não vetados. Excesso de cuidado, desconhecimento de causa ou cessão ao pleito empresarial do setor. Portanto, o seguimento das pessoas com mobilidade reduzida perde a possibilidade de ter um importante serviço com acessibilidade, sendo-lhes negado acesso a aprendizagem e habilitação que poderia, inclusive, servir-lhes como meio profissional. E o governo perde a oportunidade de implementar a política do cuidado que é quando o Estado adota uma política ofertativa de serviços direcionados e subsídios de apoio. Essa política deve atender às necessidades do indivíduo em serviços que a sociedade ainda não consegue disponibilizar a todos de forma acessível.
 
Os Ministérios da Fazenda, da Justiça e a Advocacia-Geral da União manifestaram-se pelo veto ao seguinte dispositivo:
 
Art. 82
“Art. 82.  É assegurado à pessoa com deficiência prioridade na tramitação processual, nos procedimentos judiciais e administrativos em que for parte, interveniente ou terceira interessada e no recebimento de precatórios, em qualquer instância.
§ 1º  A prioridade a que se refere este artigo será obtida mediante requerimento acompanhado de prova da deficiência à autoridade judiciária ou administrativa competente para decidir o feito, que determinará as providências a serem cumpridas, anotando-se essa circunstância em local visível nos autos.
§ 2º  A prioridade estende-se a processos e procedimentos em todos os órgãos e entidades da administração pública direta e indireta da união, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, no Poder Judiciário, no Ministério Público e na Defensoria Pública.”

Razão do veto
“Ao estabelecer prioridade no pagamento de precatório, o dispositivo contradiz a regra do art. 100 da Constituição, que determina que esses deverão ser pagos exclusivamente na ordem cronológica de apresentação.”
 
Neste caso, o motivo apresentado é mesmo real. No entanto o veto poderia ter sido parcial, no que diz respeito somente ao recebimento de precatórios, mantendo as demais regras de prioridade de tramitação de procedimentos judiciais e administrativos, uniformizando assim essa tendência, presente nos grandes centros, para todas às regiões do país. Aqui também o governo perde a oportunidade de implementar a política do cuidado que é quando o Estado adota uma política ofertativa de serviços direcionados e subsídios de apoio. Essa política deve atender às necessidades do indivíduo em serviços que a sociedade ainda não consegue disponibilizar a todos de forma acessível.
 
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República manifestou-se pelo veto ao seguinte dispositivo:
 
§ 4º do art. 77 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, alterado pelo art. 101 do projeto de lei:
“§ 4º  A parte individual da pensão do dependente com deficiência de que trata o inciso II do § 2º deste artigo que exerça atividade remunerada será reduzida em 30% (trinta por cento), devendo ser integralmente restabelecida em face da extinção da relação de trabalho ou da atividade empreendedora.”

Razões do veto
“A proposta reintroduziria medida recentemente revogada, na conversão da Medida Provisória no 664, de 2014 - Lei no 13.135, de 17 de junho de 2015, que realizou ajustes nas regras previdenciárias. Assim, a sanção da alteração significaria um retrocesso em relação ao texto já em vigor. Além disso, contrariaria o disposto no art. 12, inciso III, alínea ‘c’, da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, que veda o aproveitamento do número de dispositivo revogado.”
 
Correto o veto uma vez que existe dispositivo legal, recentemente sancionado, que não condicionou a qualquer redução a pensão concedida ao dependente com deficiência que exerça atividade remunerada. Assim, a sansão do presente artigo seria realmente um retrocesso nas conquistas da pessoa com deficiência.
 
O Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior solicitou veto aos dispositivos a seguir transcritos:
 
Caput, incisos e § 4º do art. 93 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, alterados pelo art. 101 do projeto de lei
“Art. 93.  As empresas com 50 (cinquenta) ou mais empregados são obrigadas a preencher seus cargos com pessoas com deficiência e com beneficiários reabilitados da Previdência Social, na seguinte proporção:
I - de 50 (cinquenta) a 99 (noventa e nove) empregados, 1 (um) empregado;
II - de 100 (cem) a 200 (duzentos) empregados, 2% (dois por cento) do total de empregados;
III - de 201 (duzentos e um) a 500 (quinhentos) empregados, 3% (três por cento) do total de empregados;
IV - de 501 (quinhentos e um) a 1.000 (mil) empregados, 4% (quatro por cento) do total de empregados;
V - mais de 1.000 (mil) empregados, 5% (cinco por cento) do total de empregados.”
“§ 4º  O cumprimento da reserva de cargos nas empresas entre 50 (cinquenta) e 99 (noventa e nove) empregados passará a ser fiscalizado no prazo de 3 (três) anos.”

Razões dos vetos
“Apesar do mérito da proposta, a medida poderia gerar impacto relevante no setor produtivo, especialmente para empresas de mão-de-obra intensiva de pequeno e médio porte, acarretando dificuldades no seu cumprimento e aplicação de multas que podem inviabilizar empreendimentos de ampla relevância social.”
 
Ressalta-nos a evidência de que o veto foi concedido por pressão do segmento empresarial sobre a Presidência da República. Por mais que procuremos entender as razões de veto apresentada, a lógica nos impõe a recusa de aceitar tais argumentos. Podemos mesmo questionar: como uma única vaga para pessoa com deficiência vai impactar negativamente uma empresa tem entre 50 e 99 empregados? A dívida social do governo e da própria sociedade para com as pessoas com deficiência no Brasil é que mais grita pela injustiça desse veto. Uma medida que dimensiona a fragilidade do segmento diante do interesse econômico, sendo este ainda prioritário frente aos direitos humanos. Um fragrante irresponsável que nega a capacidade de trabalho das pessoas com deficiência, colocando em risco outros direitos que serão combatidos com o mesmo incauto argumento, podendo levar o segmento a prejuízos e retrocesso. Impõe-se aqui, mais uma vez a falta da tendência da política do cuidado. 
 
O Ministério da Fazenda, acrescentou, ainda, veto ao seguinte dispositivo:
 
Art. 106
“Art. 106.  A Lei no 8.989, de 24 de fevereiro de 1995, passa a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art. 1º
IV - pessoas com deficiência física, sensorial, intelectual ou mental ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal;
‘Art. 2º  A isenção do IPI de que trata o art. 1º desta Lei somente poderá ser utilizada uma vez, salvo se o veículo:
I - tiver sido adquirido há mais de 2 (dois) anos; ou
II - tiver sido roubado ou furtado ou sofrido sinistro que acarrete a perda total do bem.
Parágrafo único.  O prazo de que trata o inciso I do caput deste artigo aplica-se inclusive às aquisições realizadas antes de 22 de novembro de 2005.’ (NR)
‘Art. 5º
Parágrafo único.  O imposto não incidirá sobre acessórios que, mesmo não sendo equipamentos originais do veículo adquirido, sejam utilizados para sua adaptação ao uso por pessoa com deficiência.’ (NR)”

Razão do veto
“A medida traria ampliação dos beneficiários e das hipóteses de isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, o que resultaria em renuncia de receita, sem apresentar as estimativas de impacto e as devidas compensações financeiras, em violação ao que determina a Lei de Responsabilidade Fiscal.”
 
Não obstante a base jurídica alegada como razão de veto, sabe-se que o impacto da inclusão dos surdos como beneficiários e das adaptações necessárias aos condutores e usuários dos veículos na suspensão do IPI, não chega a causar perda significativa de receita que justifique a medida que levou o artigo a veto, até porque o executivo quando quer, chega mesmo a mudar a lei para atender seus interesses ou de segmentos que detenham o poder econômico ou político.
 
Assim, o Governo perde uma oportunidade de implementar uma tendência de política pública para o seguimento, qual seja, a tendência da compensação que é quando o Estado se manifesta com compensações pecuniárias ou por subsídios para permitir e propiciar inclusão. Essa forma de compensação deve ser aplicada numa política que permita o crescimento individual, valorizando a pessoa, seu potencial e suas competências.
 
*Geraldo Nogueira é presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/RJ.
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