30/08/2023 - 16:59 | última atualização em 30/08/2023 - 17:36

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Os 17 anos da Lei Maria da Penha: OABRJ discute papel da advocacia na luta pela garantia de direitos às mulheres

No evento, especialistas tratam dos numerosos casos de violência contra a mulher no país

Biah Santiago



Encerrando o Agosto Lilás, mês dedicado à conscientização e ao combate à violência contra a mulher, a Comissão OAB Mulher RJ promoveu, nesta quarta-feira, dia 30, evento para relembrar os 17 anos da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e analisar o papel da advocacia enquanto peça fundamental na garantia de direitos às mulheres vítimas, sejam elas advogadas ou membros da sociedade civil. Para assistir ao encontro completo, basta acessar o canal da Seccional no YouTube. 


“A OAB Mulher decidiu fazer este evento para fechar o Agosto Lilás e falar sobre os 17 anos da Lei Maria da Penha, algo tão importante. Tivemos diversos avanços legislativos ao longo dos anos, inclusive na própria lei, que vem modificando e adequando-se para ter uma efetiva justiça para as mulheres vítimas de violência”, observou a presidente da comissão, Flávia Ribeiro, no início do evento.



Compuseram a mesa ao lado de Flávia Ribeiro a vice-presidente da OABRJ, Ana Tereza Basilio; a advogada e assessora da Presidência da OAB Mulher RJ, Marilha Boldt, também idealizadora do projeto Superação da Violência Doméstica; e a subcoordenadora do Grupo de Trabalho Mulheres na Saúde da comissão, Rebeca Nunes.

“A Lei Maria da Penha é exemplo de diploma legal em todo mundo. E por que mesmo assim ainda temos tantos problemas na área de violência contra a mulher?”, questionou Basilio. “Porque ainda não há investimentos correspondentes e necessários à política pública disposta na regulamentação. O que nos falta não é uma legislação sólida e avançada, e sim investimento público em Deams [Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher], em infraestrutura para atendimento voltado às mulheres em todo estado”.

A vice-presidente relembrou um dos principais objetivos para a existência da norma e como a Ordem pode exercer sua função cidadã enquanto entidade. Segundo ela, a Lei Maria da Penha não serve “apenas para proteger a mulher, mas, também, o núcleo familiar”.

“A Lei Maria da Penha não serve apenas para proteger a mulher, mas, também, o núcleo familiar. O nosso grande desafio nesse papel, enquanto OAB e mulheres de Ordem, é cobrar a construção de políticas públicas de implementação de todas as ferramentas previstas na lei”, disse.

A primeira etapa de palestras, mediada por Marilha Boldt, teve como convidadas a juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e presidente do Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Fonavid), Katerine Jatahy; e a assistente social, psicóloga, doutora em Serviço Social (UFRJ) e docente da Faculdade de Serviço Social da Uerj, Ana Paula Procopio. 

Ao apresentar dados coletados através da pesquisa  ‘Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil’, de 2022, a juíza do TJRJ Katerine Jatahy expôs números alarmantes de violência contra a mulher. 

Segundo alguns fragmentos do estudo, 35 mulheres são agredidas verbal ou fisicamente por minuto no Brasil; quase 6 milhões já sofreram ofensas ou tentativas forçadas de manter relações sexuais; 28,9% das mulheres, número equivalente a mais de 18 milhões, relataram ter sido vítimas de algum tipo de violência ou agressão. Este quantitativo demonstra o maior percentual da série histórica de levantamento. 

“Essa é a nossa realidade, mesmo após 17 anos da Lei Maria da Penha. Mesmo elencando as três melhores leis mundiais, ainda somos o 5º país que mais mata mulheres. O descompasso entre a legislação e a nossa vivência nos faz pensar o que pode ser feito por nós”, refletiu a juíza do TJRJ.


“Os feminicídios não param de crescer, e os números estatísticos não representam a totalidade da situação. A lei representa maior punição, proteção e ações preventivas para que essa violência e desigualdade entre homens e mulheres diminuam. As medidas protetivas representam uma parcela de ganho para termos políticas públicas, mas isso não mudará enquanto a percepção da sociedade diante dessas micro-violências não mudar”, julgou Katerine.



“Não há democracia sem a democracia de gênero e racial”. Com esta afirmação a psicóloga e professora Ana Paula Procopio falou a respeito dos direitos humanos como premissa para garantir a segurança das mulheres.

“A violência no Brasil tem uma dimensão intrínseca, ou seja, ela é estrutural e inseparável de sua construção como sociedade. Há uma banalização e os números mostram os absurdos feitos contra mulheres e pessoas LGBTQIA+, o país que mais mata pessoas trans e mulheres negras no mundo”, ponderou Ana Paula. 

“Ao longo de nossa história, temos uma série de elementos que nos fazem naturalizar essa consequência de violências. O sistema escravista promoveu a ideia de desumanização das pessoas negras, como uma violência de Estado e que fundou o racismo, algo que contribui até os dias de hoje para a reprodução das condições de desigualdade em todos os contextos da vida social”.

A continuação do painel abordouos conceitos do Direito para a defesa da mulher que sofre violência; os desafios práticos na esfera criminal e a assistência jurídica à mulher em situação de violência doméstica e familiar, bem como a apresentação de ocorrências internacionais de violação aos direitos humanos das mulheres pelo Brasil, tais como os casos Maria da Penha, Nova Brasília, Márcia Barbosa e González.

Os responsáveis pelas exposições foram o promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná, professor de Direito Constitucional e Direitos Humanos e colunista no site Jota, Thimotie Aragon Heemann; e a defensora pública estadual, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública, Flavia Nascimento.


“Queremos deixar um legado para construir uma advocacia que respeite a perspectiva de gênero e racial, as crianças, as mulheres, as pessoas com deficiência, todas as interseccionalidades, ou seja, respeitem os seres humanos para avançarmos ainda mais nessa luta”, disse a integrante da OAB Mulher, Marilha Boldt, no encerramento do evento.



O desembargador e presidente do Comitê de Promoção da Igualdade de Gênero e de Prevenção e Enfrentamento dos Assédios Moral e Sexual e da Discriminação (Cogen) do TJRJ, Wagner Cinelli, também participou do encontro.

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