A Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ assinou, junto ao mandato do deputado estadual Flávio Serafini (Psol), membro da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), a lideranças religiosas e outros parlamentares e representantes da sociedade civil, uma representação encaminhada nesta quarta-feira, dia 9, ao Ministério Público Federal (MPF), pedindo que o órgão interfira no caso das peças sagradas que, apreendidas em um passado no qual" a prática do espiritismo, da magia e seus sortilégios” era crime, ainda se encontram sob a responsabilidade da Polícia Civil. São cerca de 200 objetos sagrados para umbandistas e candomblecistas, entre eles imagens, instrumentos musicais e vestimentas, alguns tombados pelo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, atual Iphan. Por serem consideradas provas de crimes pelo antigo Código Penal de 1890, os objetos foram retirados de terreiros e alocados na Repartição Central da Polícia, no prédio onde hoje funciona a sede da Polícia Civil, fazendo parte, posteriormente, de exposição do Museu da Polícia Civil. Segundo informações passadas pelos signatários do documento presentes a reunião realizada na sede do MPF para debater a questão, as peças estão atualmente, após um incêndio no prédio, longe do acesso do público e de pesquisadores, sem que se saiba de seu estado de conservação. Porém, o fato de, enquanto em exposição, os objetos terem sido posicionados junto a objetos nazistas em uma coleção denominada de "Magia Negra" demonstra, para o presidente da comissão da OAB/RJ, Marcelo Chalréo, que desde sempre essas peças foram tratadas pela Polícia Civil com base em um estigma que carrega preconceito: "O aprisionamento desses objetos continua sendo uma reafirmação do preconceito e da absoluta repulsa à convivência com as religiões de matriz africana. O tombamento pelo Iphan, feito em 1938, já é um indicativo da importância nacional desse acervo", afirmou ele. Segundo dados da Secretaria Especial de Direitos Humanos da ONU divulgados em janeiro deste ano, o Brasil teve 697 denúncias de intolerância religiosa entre 2011 e 2015. O estado do Rio de Janeiro lidera o ranking com maior número de denúncias de casos de discriminação, que têm como principal alvo as religiões de matriz africana. Maria do Nascimento, mais conhecida como Mãe Meninazinha de Oxum, que, juntou a outras mães de santo, militantes do movimento negro, intelectuais e políticos lidera o movimento de resgate das peças, na campanha Liberte nosso sagrado, afirmou na reunião a dor por ver sua representação religiosa tratada, segundo ela, de forma demonizada: "Nós cultuamos a natureza e temos muito orgulho do nosso sagrado". Diretor da Quiprocó Filmes, que está produzindo o documentário Nosso Sagrado, contando a história do acervo desde o início do século XX, Fernando Sousa ressaltou a importância de seu resgate: "Essas peças são importantes inclusive para a aplicabilidade da Lei nº 10.639, sobre o ensino da história e cultura afro-brasileira nas escolas". Chalréo e os demais signatários defendem que o acervo deve ser transferido para um museu em condições adequadas para fazer a restauração de cada objeto, enquanto o projeto de criação do Museu da Cultura Negra não é uma realidade próxima. Os procuradores presentes, Ana Padilha de Oliveira e Renato de Freitas Machado, receberam a representação dizendo que analisarão a questão sob a ótica de discriminação racial e religiosa.