25/01/2022 - 16:52 | última atualização em 26/01/2022 - 12:01

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OABRJ acompanha desenrolar na polícia de denúncia de racismo feita por jovem atleta contra funcionário do Fluminense

Clara Passi

A Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária (CDHAJ) da OABRJ recebeu, nesta terça-feira, dia 25, Luiz Felipe Ferreira da Silva, pai de Gabriel Felipe dos Santos Ferreira da Silva, de 15 anos. O jovem, que é nadador federado do Fluminense há três anos, afirma ter sido vítima de racismo por parte de um funcionário do clube dentro da sede, em Laranjeiras. 

As abordagens ocorreram no dia 20 de janeiro, diante de dezenas de testemunhas, quando Gabriel, um grupo de amigos e alguns responsáveis por esses jovens permaneceram no clube depois de treinar para se divertirem no parque aquático.

De acordo com o relato de Luiz Felipe ao procurador da CDHAJ, Rodrigo Mondego, e ao colaborador da comissão, Oswaldo Luiz Assumpção Gomes Junior, Gabriel, o único negro do grupo, foi também o único a ser abordado de forma rude pelo segurança perto de uma roleta de acesso à área da piscina. O equipamento estava inativo, permitindo livre acesso de todos. Foram três interações em cerca de 40 minutos. 

Algumas horas depois, o mesmo segurança ordenou que Gabriel abrisse as mãos sob o argumento infundado de que o rapaz estaria fumando maconha na quadra do clube. Depois, ao deduzir que Gabriel se queixaria à administração do Fluminense, o segurança cercou o jovem de forma intimidatória afirmando que Gabriel teria sido acusado por outros jovens de consumir a droga na quadra, o que foi desmentido pelas próprias crianças e seus pais. 

“Minha maior preocupação é esta pessoa continuar tendo contato com meu filho”, diz Luiz Felipe, que buscou junto à Presidência do Fluminense o afastamento do segurança. O funcionário, no entanto, foi apenas realocado para uma função administrativa dentro do clube, já que goza de estabilidade por integrar a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa). A possibilidade de contato tem gerado medo de retaliação o que impede o jovem de voltar a treinar. 

“Ele, que é um atleta de alto desempenho que nada 12km por dia, já disse que não quer mais nadar. Estamos pedindo calma, pois para a natação de alto desempenho uma parada pode prejudicar de forma irreversível a performance”. 

A denúncia de racismo foi registrada primeiro na 9ª DP (Catete). Lá, o pai conta que o rapaz foi revitimizado ao ser ouvido sozinho, sem amparo de um responsável ou de advogado. O relato acabou sendo caracterizado como “fato atípico” e desprezado. 

A família levou então o caso à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) e buscará enquadramento no Artigo 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena - detenção de seis meses a dois anos). Os advogados da Ordem estudam encaminhar o caso à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).

“O racismo é uma chaga que deve ser extirpada da nossa sociedade e a Constituição é clara quando diz que é crime inafiançável e imprescritível. É inadmissível que alguém seja impedido de entrar num lugar e perseguido simplesmente por causa da cor da pele”, afirma Mondego. 

Gabriel conta que se sente psicologicamente preso àquele dia até hoje.

“Quando chego lá, começo a me sentir tenso. Tenho medo de ser perseguido por algum amigo desse segurança, que pode estar com raiva e querer vingança. Sinto vergonha de cruzar com os jovens que viram toda a situação. Minha vontade de nadar diminuiu. Foi a primeira vez que aconteceu isso comigo lá dentro, mas bastou para me causar um trauma. Tinha parado, mas vou voltar a ‘fazer’ psicólogo”, afirma Gabriel.

Em nota enviada à imprensa, o Fluminense informou que abriu procedimento interno para apurar os fatos administrativamente e tomar as medidas necessárias "mesmo após a autoridade policial, procurada pela família do adolescente, ter entendido não ter havido qualquer conduta do colaborador que pudesse caracterizar ilícito penal. Ainda assim, tudo será apurado".

O Fluminense informou que "o colaborador já foi afastado de suas atividades e assim permanecerá enquanto durar a apuração por parte do clube". 

Acrescentou que "a discriminação, por qualquer razão, é intolerável. O Fluminense se orgulha de manter o lema Time de Todos como expressão de seus valores mais profundos e não transigirá com qualquer conduta que não preze pelo respeito integral a seus sócios e frequentadores".

A nota afirma que "ao longo de sua história o clube foi alvo de calúnias que mancharam a sua imagem e justamente por isso não irá tolerar qualquer desvio. Mas o clube pede, em nome dos milhões de torcedores, que não haja julgamentos precipitados e não se tome a posição do clube pela conduta individual que será investigada com o rigor que o assunto pede".

O Fluminense informou ainda que está em contato com a família do jovem "e envidará todos os esforços para acolher o atleta enquanto conclui a apuração do ocorrido".

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