25/07/2008 - 16:06

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OAB e Ajufe debatem projeto que prevê inviolabilidade dos escritórios de advocacia

OAB e Ajufe debatem projeto que prevê inviolabilidade dos escritórios de advocacia

 

 

Do site do Conselho Federal

 

25/07/2008 - A convite do apresentador Heródoto Barbeiro, da CBN, os presidentes nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cezar Britto, e da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Fernando Mattos, participaram nesta sexta, 25, de debate na rádio CBN sobre o projeto aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado Federal estabelecendo a inviolabilidade dos escritórios de advocacia em todo o país. O projeto se encontra neste momento na mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aguardando sanção.

 

Leia abaixo o debate, na íntegra, entre os presidentes da OAB e da Ajufe:

 

Doutor Fernando, caso o presidente Lula venha a sancionar este projeto, isso prejudicaria investigações, por exemplo, da Polícia Federal?

Na verdade, nós vemos com muita preocupação esse projeto porque deve ser garantida a relação entre o cliente e o advogado, mas na forma como ele está redigido, esse projeto, na verdade, vai estabelecer uma inviolabilidade absoluta dos escritórios de advocacia. Isso é muito ruim dentro do nosso tempo porque a própria Constituição Federal, quando ela assegura a inviolabilidade do domicílio, ela faz uma exceção dizendo: pode-se entrar dentro desse domicílio com uma ordem judicial determinada por um juiz. Então, vemos com muita preocupação sim esse projeto e os efeitos perniciosos que ele pode trazer.

 

Doutor Cezar Britto, qual a sua opinião sobre isso? 

Diante da resposta do Fernando, parece que ele não leu o projeto. Porque a inviolabilidade aos escritórios já está prevista na Constituição, no inciso II, artigo 7º, do Estatuto da Ordem. O que o projeto faz é clarear, é detalhar mais essa inviolabilidade. E, expressamente, o projeto diz que, se o advogado está envolvido em crime, pode sim ser alvo da busca e apreensão, pode sim se quebrar a inviolabilidade por decisão judicial. O projeto esclarece isso. Então se está, com esse projeto, clareando e reconhecendo que não se pode dar habeas corpus para ninguém e nem para o advogado. O Supremo Tribunal Federal já disse isso várias vezes. O STF já definiu em reiteradas vezes: não se pode invadir, espionar, tentar compreender ou saber a estratégia da defesa de uma pessoa, porque se anula todo esse processo. O que nós queremos, justamente, é que tenhamos no Brasil condenações reais e não a pirotecnia ou os arroubos autoritários que nós entendemos revogados desde a Constituição de 1988.

 

Doutor Fernando Mattos ...

Olha, eu acho que o presidente da OAB é que não leu o projeto porque, na verdade, pelo sistema do Estatuto atual da OAB, se estabelece essa inviolabilidade salvo quando houver a determinação judicial. O projeto, como está escrito, só vai prever a possibilidade de acesso aos escritórios de advocacia quando o advogado for investigado pela prática do crime. E, pelo sistema do Código de Processo Penal e da Constituição, já se pode fazer o ingresso no escritório de advocacia com o mandado de busca e apreensão, mas, é claro, com as cautelas. O que nos causa preocupação é que, na verdade, se quer coibir eventuais excessos que possam ser praticados, e eu não concordo com essa afirmação de que é um Estado autoritário, porque se esquecem que essa decisão é uma decisão judicial, é uma ordem judicial emanada por um juiz e essa ordem, portanto, aquela autoridade policial que vai cumprir o mandado, está sujeita a um controle por um juiz e se houver excessos, esse juiz vai coibir esses excessos e, eventualmente, se ele não coibir, há uma estrutura recursal que garante ao advogado a reparação e o controle dessa decisão.

 

Doutor Cezar Britto...

Agora as coisas estão bem pontuadas. Se o presidente da Ajufe afirma que no projeto - de fato, como eu estou dizendo - o advogado, se estiver cometendo um crime, pode ter a busca e a apreensão, ele está, agora, assumindo o que ele quer. Se quer invadir escritório de advocacia para se buscar dados sobre o cliente, para se interferir em sua defesa. Nós tivemos no passado, na ditadura militar, espiões no movimento estudantil, espiões na imprensa para que esta não fosse livre e espiões da Polícia Federal dentro dos movimentos sociais. A grande diferença do passado é que se fazia isso de forma clandestina. O que se quer agora é que os espiões trabalhem de forma legal. O que se quer? O que se está propondo? Que se espione a estratégia da defesa. Que quando o advogado estiver conversando com o cliente, que esteja lá o Ministério Público, o juiz e a polícia escutando o que o advogado está falando com o cliente. Aliás, já fizeram isso por meio de decisão judicial recente: mandou-se grampear a conversa do advogado com o preso. É a mesma coisa que grampear a conversa do jornalista investigativo quando ele vai entrevistar um corrupto para denunciar um escândalo. Quer-se quebrar o sigilo da fonte. O que está se querendo hoje é legalizar o que nem na ditadura se conseguiu: quebrar o direito de defesa, espionar a estratégia de defesa, espionar o jornalista. Aliás, nesse processo muito recente, o promotor pediu que se enquadrasse a jornalista para que ela revelasse a fonte que tinha lhe dito que havia uma operação da Polícia Federal contra Daniel Dantas. O que se quer evitar, com esse projeto, é, primeiro, que não se tenha habeas corpus para advogado que cometa crime. Se ele for o criminoso. Mas também não pode, numa democracia, uma parte ficar escutando a outra. Seria o mesmo se colocássemos um espião no vestiário do clube de futebol para que se escutasse o que o outro técnico está fazendo. A diferença é que no futebol se perde o jogo e na democracia se perde a liberdade.

 

Fernando Mattos, como é que o senhor responde?

Olha, não concordo com essa afirmação do presidente da OAB porque é como se na verdade o monopólio do Estado Democrático de Direito fosse uma prerrogativa exclusiva dos advogados. Isso não é verdade. Todos nós temos lutado, sim, pela afirmação do Estado Democrático de Direito e isso não é uma prerrogativa da OAB. Vejo esse projeto com muita preocupação porque, em matéria penal, não temos que pensar em quem é bom. A maior parte dos advogados, a maior parte dos juízes, a maior parte dos promotores são boas, são pessoas corretas, são pessoas honestas, são pessoas de bem. Agora, o que esse projeto vai fazer é estabelecer uma inviolabilidade absoluta dos escritórios de advocacia. Então, veja, que nesse escritório de advocacia vai poder estar escondida, por exemplo, a arma do crime. E se o advogado não for o investigado nada vai se poder fazer. Não existe nenhuma imunidade absoluta, não existem direitos absolutos previstos na Constituição. Veja que, por exemplo, o mandado de busca e apreensão vai poder ser cumprido naquelas instituições que têm, inclusive, o dever de guardar sigilo. São instituições financeiras, instituições de saúde. Eu pergunto: qual é a razão razoável, proporcional, adequada ao que diz a Constituição que vai garantir essa imunidade, essa inviolabilidade absoluta aos escritórios de advocacia? Me perdoe o presidente da OAB, mas essa razão, ela não existe. Não se trata de voltar à ditadura, não se trata em voltar questão de espionar quem quer que seja, isso é uma inverdade, porque na verdade no Brasil existem a independência e a harmonia dos Poderes. O Judiciário é independente, ele exerce as suas funções e existe uma estrutura recursal que vai garantir a correção de eventuais excessos que venham a ser praticados. Por isso é que não concordamos que se estabeleça para uma categoria profissional, e essa não é a primeira tentativa, isso tem sido reiterado, de estabelecer uma imunidade absoluta aos escritórios de advocacia. Isso, para nós, é completamente inadequado.

 

Doutor Cezar Britto...

Mais uma vez me parece um equívoco claro. O Supremo Tribunal Federal já hoje - aliás, há alguns juízes que não respeitam o STF - diz expressamente que não se pode violar o direito de defesa e o sigilo do advogado. Em reiteradas decisões, aliás, isso é assunto corriqueiro. Se estranha é que nesse nosso tempo se volte a falar sobre isso. Agora o que o magistrado diz não é verdadeiro. Se alguém tiver escondido a arma do crime, se o advogado tiver cometido crime de pedofilia ou que for, o projeto de lei prevê sim que haja a busca e apreensão nesse sentido. Porque seria caso de receptação, de ocultação de prova. Isso já está previsto. Só o que se está regulamentando, e que já está na legislação atual, é que não se pode grampear a conversa da defesa. Isso se chama democracia, isso se chama preservação de princípios constitucionais. O grande problema, e isso eu ouvi alguns magistrados falando, infelizmente, é que o Supremo julga com base na Constituição, nos princípios democráticos. É isso mesmo! Tem que julgar com base na democracia. Não pode o cidadão ficar refém do estado-polícia, do estado-Ministério Público quando eles abusam. E ele tem razão quando diz que há advogados corruptos, há membros do MP envolvidos em corrupção e há também magistrados, e nem por isso a Ordem vai defender o fim da vitaliciedade da magistratura, não vai defender a mordaça para o Ministério Público, porque as prerrogativas constitucionais são fundamentais, são antídotos para que o Brasil não volte ao estado policial que existiu no passado.

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