Advogado há 14 anos, Alexandre Braga precisa, cotidianamente, contornar a falta de recursos para exercer sua função, uma vez que a deficiência visual o impede de examinar arquivos convencionais. Para além da dificuldade de ler documentos em papel, que são marcados em tinta e não em braille, muitos processos eletrônicos também não têm a adaptação necessária para que ele consiga trabalhar por conta própria. “Por conta da inacessibilidade dos sistemas, a gente que é da comunidade com deficiência fica numa situação muito difícil, temos dificuldade de acessar as informações. Precisamos de ajuda de terceiros, violando assim o direito à autonomia, independência e segurança”, denuncia. A adoção do processo eletrônico pelo TJRJ em tese facilitaria o exame dos casos, uma vez que seu celular pessoal poderia reproduzir em áudio o texto de arquivos escaneados. No entanto, muitos documentos foram digitalizados como foto e não texto. “Os leitores de tela não conseguem decodificar as imagens para que os sintetizadores de voz consigam reproduzi-las em áudio. Com isso, a gente não consegue ter acesso aos documentos”. Alexandre faz parte do grupo de 18,6 milhões de pessoas com dois anos de idade ou mais que têm algum tipo de deficiência, o que representa 8,9% da sociedade brasileira. A ocupação dessas pessoas alcança 26,6%, menos da metade do percentual referente a pessoas sem deficiência. Ou seja, menos de 5 milhões de indivíduos com deficiência trabalham, o que representa menos de 2,5% da população brasileira. Os números são do mais recente levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, de 2022, realizada pelo IBGE.Na avaliação do diretor de Pessoa com Deficiência da OABRJ, Geraldo Nogueira, o problema da inclusão de pessoas com deficiência (PCDs) no mercado de trabalho envolve o alto número de analfabetos (e o consequente prejuízo na qualificação profissional) e a falta de acessibilidade nos transportes, em prédios comerciais e escritórios. Entre as pessoas com deficiência, 14,3% completaram o ensino superior, ante os 25,5% referentes ao universo de pessoas sem deficiência. “Isso explica o impacto na advocacia, que requer curso superior. Também podemos avaliar a dificuldade de exercer a profissão, que requer muita mobilidade, tem que ir ao fórum despachar, fazer audiência em outra cidade, acompanhar o cliente e ler muito. Então, para quem tem deficiência visual tem esse impedimento”, explica. Está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2617/19 que promove a inclusão de advogados com deficiência em escritórios. O texto prevê que a quantidade de advogados e advogadas com deficiência varie de acordo o número de associados às Seccionais ou escritórios de advocacia. Caso o quadro tenha número igual ou superior a 25 advogados, o mínimo de vagas reservadas será de 2%. Sobe para 5% caso o quadro ultrapasse 100 colegas do Direito. Uma das mais famosas ferramentas legislativas para a inclusão de pessoas com deficiência (PCDs), a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (8.213/91) estipula que empresas com mais de cem empregados reservem vagas para esse grupo. A cota máxima estabelece 5% para empresas que ultrapassem mil funcionários. A multa pelo descumprimento pode chegar a R$ 228 mil. Nogueira questiona a eficácia do diploma. Para ele, a legislação trata a inclusão deste grupo no mercado de trabalho como um problema, sem propor soluções. “A lei obriga o empresário a empregar e não aponta caminhos ou propostas de qualificação para as PCDs. O gestor é obrigado a empregar apenas para evitar a multa. A pessoa acaba descumprindo a lei, dando aquele famoso jeitinho para não cumprir, e a pessoa com deficiência fica fora do mercado”, alerta. Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania observa que a taxa de ocupação independe da escolaridade e o problema se deve ao capacitismo pouco falado pela população brasileira. A pasta afirma que se não implementarem políticas públicas específicas, a sociedade brasileira vai continuar desigual, o que viola os direitos da pessoa com deficiência. A campanha contra o capacitismo está no horizonte do governo e conta com o diálogo com a sociedade para acelerar os processos de mudança. “É bem verdade que há falta de uma política pública direcionada ao segmento de pessoas com deficiência. Governos e governos passaram sem que houvesse uma política nacional de inclusão. No entanto, a falta de escolarização afasta o indivíduo com deficiência da ocupação qualificada. Tudo isso, somado ao perfil capacitista de nossa sociedade, sujeitam as pessoas com deficiência à pobreza e à exclusão social”, arremata Nogueira.