17/07/2023 - 16:04 | última atualização em 17/07/2023 - 19:37

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Mesmo com avanço da digitalização do processo, advocacia com deficiência enfrenta barreiras à atuação profissional

Quadro reflete pesquisa recente do IBGE que aponta baixa ocupação de pessoas com deficiência no país

Yan Ney



Advogado há 14 anos, Alexandre Braga precisa, cotidianamente, contornar a falta de recursos para exercer sua função, uma vez que a deficiência visual o impede de examinar arquivos convencionais. Para além da dificuldade de ler documentos em papel, que são marcados em tinta e não em braille, muitos processos eletrônicos também não têm a adaptação necessária para que ele consiga trabalhar por conta própria. 

“Por conta da inacessibilidade dos sistemas, a gente que é da comunidade com deficiência fica numa situação muito difícil, temos dificuldade de acessar as informações. Precisamos de ajuda de terceiros, violando assim o direito à autonomia, independência e segurança”, denuncia. 

A adoção do processo eletrônico pelo TJRJ em tese facilitaria o exame dos casos, uma vez que seu celular pessoal poderia reproduzir em áudio o texto de arquivos escaneados. No entanto, muitos documentos foram digitalizados como foto e não texto.  “Os leitores de tela não conseguem decodificar as imagens para que os sintetizadores de voz consigam reproduzi-las em áudio. Com isso, a gente não consegue ter acesso aos documentos”.

Alexandre faz parte do grupo de 18,6 milhões de pessoas com dois anos de idade ou mais que têm algum tipo de deficiência, o que representa 8,9% da sociedade brasileira. 

A ocupação dessas pessoas alcança 26,6%, menos da metade do percentual referente a pessoas sem deficiência. Ou seja, menos de 5 milhões de indivíduos com deficiência trabalham, o que representa menos de 2,5% da população brasileira. Os números são do mais recente levantamento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, de 2022, realizada pelo IBGE.

Diretor da Pessoa com Deficiência, Geraldo Nogueira | Foto: Bruno Mirandella
Na avaliação do diretor de Pessoa com Deficiência da OABRJ, Geraldo Nogueira, o problema da inclusão de pessoas com deficiência (PCDs) no mercado de trabalho envolve o alto número de analfabetos (e o consequente prejuízo na qualificação profissional) e a falta de acessibilidade nos transportes, em prédios comerciais e escritórios. Entre as pessoas com deficiência, 14,3%  completaram o ensino superior, ante os 25,5% referentes ao universo de pessoas sem deficiência. 

“Isso explica o impacto na advocacia, que requer curso superior. Também podemos avaliar a dificuldade de exercer a profissão, que requer muita mobilidade, tem que ir ao fórum despachar, fazer audiência em outra cidade, acompanhar o cliente e ler muito. Então, para quem tem deficiência visual tem esse impedimento”, explica. 

Está em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2617/19 que promove a inclusão de advogados com deficiência em escritórios. O texto prevê que a quantidade de advogados e advogadas com deficiência varie de acordo o número de associados às Seccionais ou escritórios de advocacia. Caso o quadro tenha número igual ou superior a 25 advogados, o mínimo de vagas reservadas será de 2%. Sobe para 5% caso o quadro ultrapasse 100 colegas do Direito.

Uma das mais famosas ferramentas legislativas para a inclusão de pessoas com deficiência (PCDs), a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência (8.213/91) estipula que empresas com mais de cem empregados reservem vagas para esse grupo. A cota máxima estabelece 5% para empresas que ultrapassem mil funcionários. A multa pelo descumprimento pode chegar a R$ 228 mil. Nogueira questiona a eficácia do diploma. Para ele, a legislação trata a inclusão deste grupo no mercado de trabalho como um problema, sem propor soluções. 

“A lei obriga o empresário a empregar e não aponta caminhos ou propostas de qualificação para as PCDs. O gestor é obrigado a empregar apenas para evitar a multa. A pessoa acaba descumprindo a lei, dando aquele famoso jeitinho para não cumprir, e a pessoa com deficiência fica fora do mercado”, alerta.

Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania observa que a taxa de ocupação independe da escolaridade e o problema se deve ao capacitismo pouco falado pela população brasileira. A pasta afirma que se não implementarem políticas públicas específicas, a sociedade brasileira vai continuar desigual, o que viola os direitos da pessoa com deficiência. A campanha contra o capacitismo está no horizonte do governo e conta com o diálogo com a sociedade para acelerar os processos de mudança. 

“É bem verdade que há falta de uma política pública direcionada ao segmento de pessoas com deficiência. Governos e governos passaram sem que houvesse uma política nacional de inclusão. No entanto, a falta de escolarização afasta o indivíduo com deficiência da ocupação qualificada. Tudo isso, somado ao perfil capacitista de nossa sociedade, sujeitam as pessoas com deficiência à pobreza e à exclusão social”, arremata Nogueira.

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