21/09/2023 - 16:20 | última atualização em 21/09/2023 - 20:48

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Mesa “Políticas públicas para as mulheres” afirma a urgência de tratamento desigual para as desiguais

Clara Passi





O segundo painel da III Conferência da Mulher Advogada versou sobre as iniciativas do poder público para se atingir o princípio constitucional da igualdade entre homens e mulheres. Trocando em miúdos, isso quer dizer combater a violência de gênero, atingir a equiparação salarial, para que as trabalhadoras recebam valores simétricos em relação aos pares do sexo masculino quando se aposentarem, e desobstruir os bloqueios sociais impostos pela identidade. 

A escolha dos nomes para compor a mesa atendeu a cada um desses temas, com mulheres com autoridade nos espaços de tomada de decisão em diversas áreas. A presidente da Comissão de Previdência Pública e Complementar da OABRJ, Suzani Ferraro; a secretária estadual de Mulheres, Heloísa Aguiar; a secretária municipal de Políticas e Promoção da Mulher do Rio de Janeiro, Joyce Trindade; e a presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da OAB/Amazonas, Inory Kanamari.

Como mediadora, a vice-diretora de Valorização da Advocacia da OABRJ, Carolina Miraglia, saudou a idealizadora do evento, a presidente da OAB Mulher RJ, Flávia Ribeiro, e a gestão Luciano Bandeira pela atenção à pauta de gênero nas políticas institucionais da Seccional, e se disse emocionada por ver o Theatro Municipal tomado pelas mulheres. 

Suzani falou sobre como a diferença de renda entre homens e mulheres vai afetar o bem-estar das mulheres na aposentadoria. 

“O horizonte da OABRJ sempre buscou efetivar a igualdade dentro de um panorama de desigualdade. Nós nos insurgimos contra alguns atos da Reforma da Previdência, como o que se refere à idade para a concessão do benefício de aposentadoria”, contou. 

A dirigente da Seccional citou dados do IBGE, de 2019, que mostram o peso que recai sobre elas. 


“Mulheres trabalham 21,4 horas por semana, que englobam a tripla jornada - o trabalho doméstico, com os filhos e o profissional - enquanto os homens trabalham 11. Assim, há a necessidade de políticas em relação à previdência social que tragam regras que tratem desiguais como desiguais. A diferença salarial é em média 20%, então, ao se aposentar, elas vão ter renda menor do que eles”. 



A secretária estadual falou da escassez de equipamentos de atenção às mulheres no estado, citando uma pesquisa que aponta que apenas 21% de um universo de 92 municípios têm Centros Especializados de Atendimento à Mulher (Ceams). 

“Defendemos que os municípios criem pastas específicas para mulheres nas estruturas dentro da gestão pública (não apenas coordenadorias, por exemplo). Sugiro que as advogadas abracem essa pauta”, disse Aguiar. 

A secretária falou também das Delegacias de Atendimento à Mulher (Deams) da Polícia Civil, que derivam da competência do governo estadual de combater a violência; do eixo da autonomia econômica delas, tida como pressuposto para romper o ciclo de violência de gênero e da articulação institucional voltada para políticas transversais cujo instrumento é o Pacto Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, com 112 diretrizes e ações para garantir assistência e direitos às mulheres. 

Joyce afirmou que o município do Rio de Janeiro é um micropaís formado por em torno de seis milhões de pessoas, quatro milhões dessas, mulheres. “Uma maioria minorizada nos espaços de poder”. 


“As políticas públicas específicas passam por abrigos sigilosos para o atendimento e a qualificação para o mercado de trabalho, por exemplo. Precisamos de políticas públicas emancipatórias e a advocacia ajuda na missão de garantir direitos. Para que não precisemos advogar sobre corpos de vítimas de feminicídios, precisamos aplicar os remédios que estão ao nosso alcance. Todas fazemos parte do enfrentamento à violência contra mulheres”. 



O benefício municipal concedido a vítimas de violência, o Cartão Mulher Carioca, foi citado como uma iniciativa bem-sucedida, que serve de referência a outros entes do poder público. 

Portando cocar e abrindo sua fala com uma saudação em quatro idiomas indígenas, Inory fez uma fala combativa sobre a fragilidade dos direitos humanos dos povos indígenas e da falta de acesso dessa população à Justiça.

“Venho do Amazonas, somos 53 etnias falando mais de 40 línguas .Sou a primeira e única do meu povo na advocacia. Chegar lá foi longo e doloroso, permanecer, ainda mais”. 

Inory atua no Vale do Javari, onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Philips foram assassinados em 2022, e povos indígenas sofrem violência endêmica. 


“Tenho feito palestras Brasil afora sobre como é o Poder Judiciário e a advocacia que são 'de recente contato' e não os povos indígenas. Não somos tratados como pessoas no Amazonas. A palavra ‘índio’ é usada como xingamento. io’ é usada como xingamento no amazonas. O cocar não é uma fantasia, uso-o na  universidade quando dou aula, porque quero que percebam que, após um processo longo e doloroso, nós indígenas estamos acessando esses espaços”, disse, citando a Resolução 454 do CJN e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

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