01/10/2019 - 09:05 | última atualização em 01/10/2019 - 10:40

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Meio jurídico se prepara para uso de inteligência artificial

Comissão realiza evento traçando panorama da aplicação dessas ferramentas pelo Poder Judiciário

Nádia Mendes

Qual será, efetivamente, o trabalho do advogado no futuro? Como o Direito está se preparando para entrar, de vez, na Era da Inteligência Artificial? Para responder a essas e outras questões que permeiam o cotidiano da advocacia, a Comissão de Inteligência Artificial e Direito da OABRJ realizou nesta segunda-feira, dia 30, um debate que teve a aplicação destas ferramentas no Poder Judiciário como mote principal.

O evento apresentou um panorama do que já foi feito e abordou quais serão os próximos passos do mercado jurídico em relação à inteligência artificial. Para o presidente da comissão, Guilherme Peres, a advocacia precisa se adiantar e debater logo essas questões, antes que seja pega de surpresa. Segundo ele, a classe costuma ser mais conservadora e demora um pouco para aceitar algumas mudanças. "Mas essas transformações já estão acontecendo no mundo. O uso de inteligência artificial já está avançado e sendo aplicado de forma extensiva em outros campos da nossa vida, mas não podemos tardar em entender o que está acontecendo. Precisamos nos preparar para esse novo momento da atuação da advocacia", reforçou. 

Saindo um pouco do campo das possibilidades, a inteligência artificial já é realidade, inclusive no Supremo Tribunal Federal (STF). Victor é o nome do "ajudante" dos ministros na árdua missão de reduzir os processos do tribunal. Desenvolvido em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), Victor trabalha transformando os arquivos escaneados em formato de imagem jpeg para artigos de texto. Depois, ele reconhece os tópicos de maior incidência de repercussão geral. Esse trabalho era feito, anteriormente, por servidores do tribunal. Desta forma, os ministros já sabem quando um tema já foi resolvido anteriormente.

Outro exemplo é o Compass, software que vem sendo usado pela Justiça norte-americana para fazer avaliação de risco. Ele aponta, por exemplo, se um preso provisório deve ser colocado em liberdade em razão do risco de reincidência que ele representa para a sociedade. O juiz federal Erik Navarro explicou que o questionário respondido pelo preso é cruzado com a base de dados do algorítimo, que sabe que um determinado padrão de pessoa, normalmente, tende a ter uma chance maior de cometer delitos. A partir disso, o juiz consulta o algorítimo e decide se o preso será solto ou não.  Para Navarro, ao pensar em como será viver em uma sociedade regida por algorítimos, "é fundamental ter em mente que as instituições se preocupem em olhar para as bases de dados que estão alimentando aquele algorítimo".

Navarro defende que o advogado que quer progredir na carreira precisa estar atento com o fato de que vive em um mundo onde robôs e máquinas realizarão grande parte do trabalho automatizado que eles estão acostumados a fazer atualmente. Segundo ele, será cada vez mais necessário desenvolver as chamadas 'soft skills': pequenas habilidades que não são, necessariamente, jurídicas. Capacidade de administrar bem o escritório é um exemplo. "O que o advogado fará, então, no futuro? Me arrisco a dizer que ele fará aquilo que genuinamente deve ser o seu trabalho: pensar, refletir e resolver ou evitar conflitos. Isso não é, simplesmente, apertar o enter, cuspir uma petição e protocolizar nos juizados especiais. Isso talvez a máquina faça", apostou.

Daniel Marques, que é diretor-executivo da Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs (AB2L), concorda que o Direito caminha para uma realidade em que o advogado poderá focar sua atenção mais plenamente na visão estratégica, pensando em novas e mais criativas teses. "Atualmente, o advogado perde, em média, 30% do seu tempo em tarefas burocráticas. O objetivo das lawtechs e legaltechs é oferecer ferramentas para que o advogado possa focar naquilo em que ele se formou. São, no minimo, cinco anos estudando Direito. Certamente não é para fazer 'control c, control v'", destacou.

Marques exemplificou. "Vamos supor que eu tenha trinta mil casos por ano. Sem ferramentas que me ajudem a focar naquilo que é o meu trabalho como advogado eu não vou conseguir andar. É para isso que servem as lawtechs e legaltechs, não são robôs que vão substituir o advogado. O advogado é e sempre será necessário", indicou. Segundo ele, a tecnologia impactou a rotina de todas as profissões e era apenas uma questão de tempo até chegar no mundo jurídico. 

Representando a diretoria da Seccional, o tesoureiro da Ordem, Marcello Oliveira, também reforçou que a advocacia vem sofrendo uma profunda transformação. "Estamos passando do mundo analógico para o digital e essa transformação não tem paralelo com nada que aconteceu desde que a advocacia se formou como profissão. Precisamos fazer com que essas ferramentas possam nos auxiliar no dia a dia, nos ajudando a impulsionar nosso trabalho e otimizar o nosso tempo", disse, pontuando que é preciso ter cuidado para não ficar refém da tecnologia. "A tecnologia precisa trabalhar para nós e promover mais acesso à Justiça", defendeu.

Os membros da comissão Maria Eduarda Herriot e Walter Aranha Capanema foram os debatedores do encontro. Veja a íntegra no Canal da OABRJ no Youtube.

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