14/09/2007 - 16:06

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Para Marco Aurélio, faltou a 'faca no pescoço'

Para Marco Aurélio, faltou a 'faca no pescoço'

 

 

Do Valor Econômico

 

14/09/2007 - Pressionadas pela opinião pública, duas instituições reagiram de maneira distinta. Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF), num dos julgamentos mais marcantes de sua história, transformou em réus 40 envolvidos no esquema do mensalão, entre eles, deputados, empresários e ex-ministros, o Senado Federal, igualmente premido pela sociedade, decidiu absolver o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), das acusações de quebra de decoro.

 

"Eu diria: no Senado, faltou a 'faca no pescoço'", ironizou o ministro do STF Marco Aurélio de Mello, referindo-se à declaração, feita por seu colega Ricardo Lewandowski, de que o tribunal decidiu contra os mensaleiros por causa da pressão da opinião pública. Flagrado numa conversa telefônica pela "Folha de S.Paulo", Lewandowski admitiu ainda que "a tendência era amaciar para o (José) Dirceu", acusado pelo Ministério Público de ser o chefe do mensalão.

 

Advogando independência, inclusive, em relação à imprensa, ministros do STF recusam a tese de que votaram contra os "mensaleiros" por causa da opinião pública. O ministro Marco Aurélio, defensor de maior transparência nas decisões do tribunal e das outras entidades públicas, acredita, no entanto, que a imprensa tem sido crucial na vigilância das instituições. "Se o foi (se a decisão do STF decorreu da 'faca no pescoço'), ela foi benéfica", comentou o ministro. "A opinião pública está cobrando uma fidelidade maior das autoridades aos princípios".

 

Marco Aurélio reconhece que o voto secreto, por meio do qual os senadores decidiram o Caso Renan, está previsto na Constituição, mas ele não vê sentido na sua manutenção. "Como pode um representante do povo cometer um ato escondido de seus representados?", indagou. "Trata-se da Casa do Povo. Não é uma casa de seita".

 

Ao decidir contra os mensaleiros, o STF ganhou credibilidade, respeito e independência. Dos 11 ministros da Corte, sete foram indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A absolvição dos acusados interessava ao governo, mas, num julgamento acompanhado de perto pela sociedade, o STF deliberou contra a vontade oficial. No Senado, novamente não era do interesse do Palácio do Planalto a punição de um aliado, mas, lá, prevaleceu a vontade de uma maioria fomentada pelo governo.

 

"O Supremo está em sintonia com a opinião pública, com o sentimento de indignação da população com o próprio tribunal por causa da demora em julgar processos e da impunidade. Agora, o STF vem sinalizando o contrário: decide com competência, agilidade e contra a impunidade", comentou o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), do mesmo partido do réu, que votou pela cassação de Renan. "O Senado tomou uma decisão contra a opinião pública, contra a verdade. O clima na sociedade é de cobrança e indignação. Há um divórcio completo entre a decisão do Senado e a do STF".

 

Jarbas diz que a conseqüência da absolvição de Renan é a perda de credibilidade do Senado, a "instituição mais antiga do país" - a Casa realizou sua primeira sessão em 1826, em pleno Império -, a ponto de ensejar propostas para a sua extinção, como defenderam recentemente parlamentares do PT. "O presidente Lula tem interesse nisso (no enfraquecimento do Senado), pode até não ser de forma consciente, mas, se não fossem as mãos do governo nesse caso, não tínhamos chegado a isso", criticou.

 

Para o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), que também votou pela cassação de Renan, a crise do Senado foi causada por dois fatores: o "voto secreto" e o "cinismo". "Se o voto fosse aberto, definitivamente não teríamos esse resultado." Buarque cita o placar de votação - 40 a 35, com seis abstenções - para afirmar que Renan não tem legitimidade, uma vez que a maioria (41 senadores) demonstrou desconfiança. "Quem tem dúvida, caso dos que votaram contra e dos que se abstiveram, não tem confiança. Na política, se há dúvida, fica-se com o eleitor", assinalou. "A transparência mataria o cinismo".

 

O risco que corre o Senado, mais do que a sua extinção, é torna-se irrelevante, acredita Buarque. "A crise não está só no caso Renan. A Câmara não é melhor que o Senado", disse o senador, lembrando que a Câmara, também agindo contra a opinião pública, absolveu a maioria dos deputados acusados de participar do mensalão.

 

Buarque, cujo partido integra a base de apoio ao governo no Congresso, chama a atenção para o fato de que, tanto na tramitação do mensalão no Congresso quanto no Caso Renan, governistas usaram o argumento de que as decisões foram tomadas num ambiente democrático e, portanto, devem ser respeitadas e acatadas. "Estão colocando a democracia acima da ética. Ora, a moral está acima de tudo", observou o senador, comemorando o fato de a opinião pública estar atenta ao que acontece no país e lamentando, ao mesmo tempo, o "silêncio" dos intelectuais e dos movimentos sociais e o "imobilismo" da juventude.

 

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