Obras de ficção que usam fatos facilmente identificáveis após exposição na mídia violam o direito de privacidade, pois o público "mediano" não consegue separar "licença poética" de acontecimentos reais. Esse foi o entendimento da juíza Fernanda de Carvalho Queiroz, da 4ª Vara Cível de São Paulo, ao determinar que o autor de uma peça baseada na morte de Isabella Nardoni indenize a mãe da menina em R$ 20 mil por danos morais. Ela também proibiu qualquer montagem teatral do texto. A exibição do espetáculo Edifício London, da companhia Os Satyros, estava proibida desde março de 2013, por uma liminar. Como a obra também havia sido publicada em livro, com menos de 500 exemplares, a condenação vale ainda para a editora Coruja, responsável pela tiragem. O grupo Os Satyros aparece como réu, mas não foi responsabilizado. O processo corre em segredo de Justiça. A mãe de Isabella, Ana Carolina Cunha de Oliveira, alegou que a peça fazia remissão direta ao homicídio de sua filha e considerou como "verdadeira aberração" cena em que uma boneca decapitada era lançada através de uma janela. Além de apontar violação à imagem de sua filha, ela disse que também se sentiu vítima por ser retratada como "uma mulher despreocupada com a prole e envolvida com a vulgaridade". Embora tenha reconhecido "as bem articuladas argumentações da defesa em favor da liberdade de expressão", a juíza avaliou que "nesse embate entre o público e o privado sobrepõem-se os direitos da personalidade". O autor alegava que o texto é de ficção, mas a sentença aponta ser impossível dissociá-lo das pessoas envolvidas no episódio. O próprio título - nome do edifício onde Isabella morreu há seis anos, após uma queda do sexto andar - "já resgata memórias indeléveis", segundo a juíza. Um dos dispositivos aplicados na decisão foi o artigo 20 do Código Civil, que é questionado no Supremo Tribunal Federal pela Associação Nacional dos Editores de Livros e gerou discussão envolvendo biografias não autorizadas. Segundo o dispositivo, pode ser proibido qualquer material que atinge "a honra, a boa fama ou a respeitabilidade" de uma pessoa ou tenha fins comerciais. O advogado do autor, Caio Victor Fornari, do Fornari Advogados e Associados, planeja recorrer da decisão, sob a justificativa de que a peça não provocou nenhum dano. Ele também pediu a revogação do segredo judicial, por entender que não há motivos para a medida. A editora é defendida pelo mesmo escritório. O advogado Dinovan Oliveira, que representa a companhia de teatro, também tenta derrubar o segredo.