14/02/2017 - 15:00

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Justiça do Trabalho reconhece vínculo de emprego no Uber

site Jota

O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 3ª Região reconheceu pela primeira vez o vínculo empregatício entre um motorista e o Uber. A decisão é do juiz Marcio Toledo Gonçalves, titular da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, e abre um precedente que pode inviabilizar o modelo de negócios do aplicativo no Brasil.  
 
O caso julgado envolve um ex-motorista do Uber que trabalhou entre fevereiro e dezembro de 2015, em Belo Horizonte. O autor diz que foi dispensado de forma unilateral e abusiva, sem receber as verbas trabalhistas a que alega ter direito.
 
O juiz considerou que a narrativa da Uber de que os motoristas têm flexibilidade e independência para utilizar o aplicativo e prestar seus serviços quanto e como quiserem “sobrevive apenas no campo do marketing”.
 
O fornecimento de balas, água, as instruções sobre a maneira de se vestir e de como se comportar, “apesar de não serem formalmente obrigatórios, afiguram-se essenciais para que o trabalhador consiga boas avaliações e, permaneça “parceiro” da reclamada, com autorização de acesso a plataforma”.
 
Isto, segundo o magistrado, ” desmonta a ideia segundo a qual a Uber se constitui apenas como empresa que fornece plataforma de mediação entre motorista e seus clientes. Se assim fosse, uma vez quitado o valor pelo uso do aplicativo, não haveria nenhuma possibilidade de descadastramento”.
 
Para Gonçalves, afastado o véu de propaganda, “o que desponta é uma tentativa agressiva de maximização de lucros por meio da precarização do trabalho humano”.
 
Como o magistrado considerou que havia todos os elementos para configuração de vínculo trabalhista, o Uber foi condenado a pagar diversas obrigações trabalhistas: 13º salário proporcional de 2015 e 2016; FGTS com 40% de todo o contrato, inclusive verbas rescisórias, exceto férias indenizadas; adicionais de duas horas extras por dia de trabalho e reflexos em aviso prévio indenizado, 13º salário, férias com 1/3 , recolhimentos de FGTS com 40% e reembolso de R$2.100 mensais por despesas, como gasolina, durante todo o contrato de trabalho.
 
Uberização

O juiz da 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte também argumentou que o mundo do trabalho passa por mudanças, citando a “chamada uberização” das relações laborais como um fenômeno de emergência de um novo padrão de organização do trabalho a partir dos avanços da tecnologia.
 
“Há que se compreender o presente conflito segundo os traços de contemporaneidade que marcam a utilização das tecnologias disruptivas no desdobramento da relação capital-trabalho”, escreveu o magistrado.
 
Para Gonçalves, não há trabalho humano que não tenha nascido por meio do conhecimento e da tecnologia.
“Uma das marcas do capitalismo é exatamente esta. Da máquina a vapor à inteligência artificial, não podemos ignorar a importância dos avanços tecnológicos na evolução das relações laborais”, afirmou.
 
Litigância de má-fé

O magistrado também rejeitou o pedido do Uber de aplicação de litigância de má-fé ao autor, já que, segundo ele, “a parte autora apenas exerceu seu direito de ação nos termos da lei, não havendo que se falar em abuso, do direito de ação que a ele é constitucionalmente garantido”.
 
Por outro lado, reprimiu a conduta da testemunha Norival Oliveira Silva, também motorista do Uber, que, na visão do magistrado, não teria ido ao juízo com a intenção de esclarecer os fatos, mas sim de adulterá-los, “apenas com a nítida intenção de favorecer a parte ré”.
 
Silva mentiu, segundo ao juiz, ao dizer que:  “quem define o preço da viagem é o motorista”, “a Uber não determina nenhum tipo de comodidade para o passageiro” e “que uma sucessão de avaliações negativas não ocasionam nenhuma consequência para o motorista”.
 
Por isso, além de aplicar litigância de má-fé e determinar o pagamento de R$ 2 mil ao autor, o juiz notificou o Ministério Público Federal e a Polícia Federal para apuração de um eventual crime de falso testemunho.
 
Admirável mundo novo e pós-verdade

Na decisão, o magistrado discorreu sobre o “‘admirável mundo novo’ no qual os atos humanos de exteriorização do poder diretivo e fiscalizatório não mais se fazem necessários e são substituídos por combinações algorítmicas”. Com isso, seriam necessários novas dimensões teóricas e atualizações do Direito do Trabalho.
 
“O mundo mudou e o Direito do Trabalho, como ramo jurídico concretizador dos direitos sociais e individuais fundamentais do ser humano (art. 7º da Constituição da República), precisará perceber toda a dimensão de sua aplicabilidade e atualidade. Na era da eficiência cibernética, é preciso se atentar que o poder empregatício também se manifesta por programação em sistemas, algoritmos e rede”, afirmou.
 
O juiz alegou também que o Uber navega nas práticas do pós-verdade já que “se apresenta, no mundo do marketing, como uma plataforma de tecnologia, quando, em verdade, no mundo dos fatos objetivamente considerados é uma empresa de transportes”.
 
Outra decisão

No  mês passado, a Justiça do Trabalho em Minas Gerais havia negado o vínculo empregatício entre motoristas e a empresa. Para o juiz substituto Filipe de Souza Sickert, da 37ª Vara do Trabalho de BH, a “mera existência” de obrigações a serem seguidas pelo motorista, como adequar-se à seleção de carros da Uber e às exigências quanto a exames no Detran e ao seguro passageiro, não caracterizaria a subordinação jurídica.
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