18/12/2014 - 17:54 | última atualização em 18/12/2014 - 18:20

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Jovens acolhidos sofrem com lapso entre legislação e realidade

redação da Tribuna do Advogado

"Como os demais palestrantes explicaram, o Brasil é signatário de todos os tratados e convenções relativos aos direitos da criança e do adolescente. Coube a mim dizer que o país não cumpre nada disso. Ouvir regras tão bem formatadas e constatar seu descumprimento me faz querer recusar a participação em outro evento sobre este tema", lamentou a desembargadora Ivone Caetano, última palestrante do seminário Abrigos no Rio de Janeiro: a realidade x diretrizes de abrigamento, organizado pela Comissão de Direito da Criança e do Adolescente (CDCA), realizado nesta quarta-feira, dia 17.
 
Essas crianças vão para rua. Formam-se sozinhas, sem regras, sem cuidado. E ainda surgem projetos para redução da maioridade penal. Não demos nada a elas e queremos tirar tudo. É um absurdo o que vi nesses 21 anos
Ivone Caetano
desembargadora
Há 21 anos atuando nesta área, a desembargadora apontou a falta de consciência política como um dos agravantes da atual situação no acolhimento de jovens. "As pessoas não aprenderam, ainda, quais são os direitos que o voto nos dá. Não há cobrança da população sobre a falta de uma política pública devidamente implementada. Essas crianças e adolescentes não rendem votos, nem dinheiro. Em regra, quem está nesta situação é preto e pobre e eles estão sendo erradicados, mas isso não importa ao que parece. Em nome da manutenção do vínculo familiar, o governo acabou com seis instituições de acolhimento infanto-juvenil na cidade, resultado: não há vagas e nega-se a possibilidade de acesso para esta parcela da sociedade. Essas crianças vão para rua. Formam-se sozinhas, sem regras, sem cuidado. E ainda surgem projetos para redução da maioridade penal. Não demos nada a elas e queremos tirar tudo. É um absurdo o que vi nesses 21 anos. As instituições estão sendo exterminadas", relatou, comovida, Ivone.
 
Para tentar exemplificar a importância do acolhimento, a desembargadora contou a história da sua família: "Tive uma infância mais do que pobre. Éramos 11 filhos e minha mãe, uma lavadeira que passava a maior parte do tempo fora de casa tentando sustentar sua família, teve coragem de exigir a internação de seis dos meus irmãos. A dor era terrível quando tínhamos que nos separar, mas somos unidos até hoje e, graças a essa atitude, saímos da regra e atingimos nossas metas profissionais, conquistamos um futuro. Hoje, se uma mulher pedir o acolhimento de seus filhos, além de não conseguir a vaga, ainda corre o risco de perder a guarda de suas crianças".
 
A falta de política pública para devolver o empoderamento das famílias foi outra crítica de Ivone Caetano. "Temos que perder o medo de empoderar as famílias pobres. Mas não podemos, também, vender a imagem de um país que tem democracia racial. Na verdade está tudo embutido nesta mentalidade, de que esse segmento não precisa adquirir conhecimento e nem ter oportunidades. Enquanto não houver políticas que deem o empoderamento às famílias não teremos mudança", sentenciou.
 
O evento também teve palestras do promotor do Ministério Público do estado Marcos Moraes Fagundes, que apresentou a nova regulamentação para funcionamento e manutenção de uma instituição de acolhimento e seus respaldos legais; da pedagoga Fabiana Martins, que explicou os diferentes tipos de abrigo e suas diretrizes; e da assistente social Kátia Teixeira, cujo papel foi elencar as dificuldades das instituições acolhedoras para se adaptarem-se às novas normas.
 
O evento contou com a presença do presidente da CDCA, José Pinto de Andrade, e da coordenadora do Grupo de Trabalho sobre Abrigos da comissão, Berenice de Aguiar.
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