27/03/2015 - 17:52 | última atualização em 01/04/2015 - 12:52

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A hora e a vez da reforma política - Felipe Santa Cruz

Correio Braziliense

Há muitos caminhos para interpretar as recentes manifestações populares. Avaliando os maciços protestos contra a corrupção, comuns a todas as passeatas, torna-se oportuno dizer que a reforma política ganha corpo e tende a se fazer presente com cada vez maior intensidade. Há cerca de dois anos, nas jornadas de junho, o tema veio à tona, mas saiu rapidamente de cena graças a manobra de comunicação: o Planalto lançou a ideia com o programa Mais Médicos, que tratava da vinda de profissionais cubanos para cidades carentes, e o debate que se seguiu terminou por relegar a reforma ao esquecimento.
 
Além disso, àquela época, houve forte reação do Congresso, que se viu sitiado pelas multidões que ganhavam as ruas, mas não cedeu à ideia da presidente Dilma Rousseff, para que se realizasse um plebiscito e, a partir dele, a sociedade apontasse o que seria prioritário na reforma. O conflito entre os poderes foi amplificado também pela proximidade das eleições presidenciais no ano seguinte e pela impossibilidade técnica. Pelo menos, foi essa a alegação para que as mudanças não ocorressem antes de 2016. Independentemente do que tenha de fato acontecido, a reforma permaneceu confinada no papel.
 
Deve-se notar que essa tem sido a rotina das últimas três décadas. Em 15 de março de 1985, quando o hoje ex-senador José Sarney oficialmente colocava fim à ditadura militar, tomando posse como presidente interino em lugar de Tancredo Neves, o tema começou a circular e a se revigorar em ondas sucessivas. Voltou a ser debatido nos governos Fernando Henrique Cardoso, mas não passou da aprovação da emenda constitucional da reeleição. Ficou dormitando nas gavetas durante os dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva e renasceu na primeira campanha de Dilma Rousseff, batizada como "a mãe de todas as reformas". Foi grande bandeira, mas voltou a hibernar depois do pleito.
 
Nas manifestações de junho de 2013, pareceu ganhar nova vida. Puro engano. Agora se tornou imperativo da realidade. Não da pequena colcha de retalhos que circula no Congresso, acondicionada na proibição de coligações partidárias nas eleições para deputados federais, estaduais e vereadores; nos novos critérios para a criação de partidos políticos e, ainda, nos prazos para a desincompatibilização de presidente, governador e prefeito que desejem disputar a reeleição. Ou nas regras mais rígidas para a criação e a fusão de partidos. Tudo isso é relevante, mas não imperativo categórico para que a democracia, afinal, deixe de ser quase ficção. E corrupção se torne, de verdade, prática de alto risco. Isso só vai acontecer quando o financiamento privado para campanhas políticas for, em definitivo, banido das práticas políticas.
 
Eis o centro da questão. Empresas almejam o lucro. E, se financiam candidatos, querem retorno. Não há meio-termo. Fosse diferente, não circularia tanto dinheiro ilegalmente e os partidos seriam os primeiros interessados em fazer a reforma. Tanto há colossais interesses em jogo que não há iniciativas de largo alcance para mudar o sistema atual. Por isso, a reforma política tornou-se discurso de campanha, mas, passadas as eleições, se dá marcha a ré, e a reforma passa a segundo plano.
 
Daí, a mobilização da sociedade civil, com a participação, inclusive, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), ganhar força e consistência a cada manifestação pública. Somada à Lei da Ficha Limpa, ao arcabouço legal anticorrupção, que se sofistica, e aos impactos naturais de uma operação das dimensões da Lava-Jato, é certo que a impunidade vai refluir. Também, as possibilidades de infringir a lei tenderão a recuar, pois o risco de prisão vai se multiplicar em proporções geométricas. Há ainda outro dado novo, o mais substancial: a sociedade não mais aceita passivamente os atos de corrupção.
 
O famoso dito "rouba mas faz", que parecia vitalício, caiu em desuso, como ficou anacrônica a prática de fazer promessas nas eleições e descumpri-las. A leitura da mobilização das ruas é que há exigência de modernização da cultura partidária e das relações dos partidos com a sociedade. Se Kant estivesse vivo, certamente diria que o país, afinal, abraça os ideais da ética do compromisso e da responsabilidade, isto é, não basta apenas fazer leis, mas, acima de tudo, impõe-se levá-las à prática.
 
*Felipe Santa Cruz é presidente da OAB/RJ. Artigo publicado nesta quinta-feira, dia 26, no Correio Braziliense
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