05/06/2018 - 19:34 | última atualização em 05/06/2018 - 20:05

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Grande nome do movimento feminista no Brasil, Amelinha fala, em palestra, sobre os ataques aos direitos femininos durante a ditadura militar

redação da Tribuna do Advogado

        Foto: Lula Aparício |   Clique para ampliar
 
Clara Passi
A tortura sofrida pelas presas políticas é um dos recortes mais cruéis da ditadura militar. Maria Amélia de Almeida Telles, a Amelinha, viveu para contar o dia em que seus filhos de 5 e 4 anos foram levados pelo coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra para assistir à mãe ser torturada nua, suja de vômito e urina, na “cadeira do dragão”. Neste instrumento de tortura, a pessoa tem os pulsos amarrados aos braços da cadeira e recebe choques elétricos por meio de fios atados a diversas partes do corpo. A ex-militante do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) também viu seu marido, Cesar, em coma, ao visitá-lo na unidade do DOI-Codi em São Paulo.
 
A atuação de Amelinha sempre foi pautada na militância contra o regime militar e na busca pelos desaparecidos políticos, mas não só. Desde os anos 1970, é também uma das vozes mais atuantes no movimento feminista brasileiro. Por isso, a OAB Mulher abriu as portas da Seccional para que ela palestrasse sobre a luta pelos direitos das mulheres, da ditadura à redemocratização, nesta terça-feira, dia 5. O evento decorreu do convênio da Ordem com o curso Promotoras Legais Populares, projeto criado pela União de Mulheres de São Paulo, entidade da qual Amelinha é fundadora. A comissão foi representada no evento por sua presidente, Marisa Gaudio, e vice-presidente, Bianca Reis.
 
Ela também integra a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, o Grupo Tortura Nunca Mais e é assessora da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva.
 
“Minhas bandeiras são a busca pelos desaparecidos políticos, uma luta que não termina porque a pergunta ‘Onde estão os desaparecidos políticos da ditadura militar?’ não tem resposta e a do feminismo”, disse ela, que integrou o primeiro grupo dedicado ao “feminismo público” no país.
 
“Podia até ter feminismo clandestino aqui, mas fomos as primeiras a colocar a cara para bater na rua defendendo a questão de gênero. Criamos o primeiro jornal feminista, o Brasil Mulher, enfrentamos a ditadura e a supremacia masculina inclusive na esquerda”, lembra ela.
 
Foto: Lula Aparício   |   Clique para ampliar A esquerda, ela conta, “achava uma besteira”, acusava-as de dividir a classe trabalhadora com esse desvio pequeno burguês importado dos EUA e da Europa. “Mas Karl Marx também veio da Europa”, sublinhou ela, que escreveu, entre outras obras, o livro Uma breve história do feminismo no Brasil (Editora Alameda, 2017).
 
Foram muitos os ataques aos direitos femininos durante os anos de chumbo. “A ditadura sempre censurou o que dizia respeito à mulher, fez controle de natalidade autoritária, esterilizou mulheres em massa até na Amazônia, onde a densidade demográfica é baixa”.
 
Os estupros sofridos pelas presas foram esquecidos, lamenta ela. “Travo essa luta solitariamente. Esses crimes sexuais nunca foram reparados, nem reconhecidos pelo Estado. Vimos isso afetar nossa realidade histórica como mulheres, pois perdemos muita força”.
 
Para Amelinha, o impeachment de Dilma Rousseff representou um “golpe misógino”. “Atacaram-na por ser mulher. Dilma sofreu vários estupros políticos. A mesma mídia que a representou como histérica construiu a imagem de ‘bela, recatada e do lar’ de Marcela Temer”, cravou, classificando a prisão de Lula como de natureza política. “A ditadura não acabou, adaptou-se numa democracia”.
 
Primeiro militar reconhecido pela Justiça como torturador na ditadura, Ustra também foi algoz de Dilma Rousseff e, por isso, foi homenageado pelo deputado federal Jair Bolsonaro durante a sessão de votação do impeachment, em 2016.
 
“Naquela hora, em nome do Estado democrático de Direito, tinha que pedir a suspensão da audiência. Ali, foi nossa grande derrota. Foi um marco histórico pois vimos que nosso nível de consciência estava tão baixo para sequer reagirmos”, avalia ela.
 
Amelinha vê com preocupação os índices de intenção de voto para a candidatura de Bolsonaro à Presidência da República. “É lamentável, terrível. Vivemos o golpe, uma vitória dele seria o AI5. Isso é fruto da despolitização do povo, que não acredita mais nos partidos. Prenderam Lula, estamos de mãos amarradas. Se está ruim agora, dias piores virão”.
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