14/11/2007 - 16:06

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Governo cede e tem primeira vitória para prorrogar CPMF

Governo cede e tem primeira vitória para prorrogar CPMF

 

 

Do Jornal O Globo

 

14/11/2007 - Para garantir a aprovação da prorrogação da CPMF ontem na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ), o governo cedeu, reduzindo o valor de CPMF a ser pago a partir do ano que vem, e manobrou mais uma vez, substituindo na comissão os senadores aliados que votariam contra seus interesses. Depois de mais de três horas de reunião, iniciada ainda de manhã, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, fechou um acordo com os senadores da base aliada que prevê a redução progressiva da alíquota da CPMF a partir de 2008 em 0,02 ponto percentual por ano, até chegar a 0,30% em 2011. A votação na CCJ se estendeu pela noite: o relatório da relatora Kátia Abreu (DEM-TO), que previa o fim da CPMF, foi derrotado por 12 a 9. Em seguida, pelo mesmo placar, foi aprovado o relatório do líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), que mantém o tributo.

 

O pacote ainda prevê isenção dos gastos com CPMF para quem ganha até R$ 2.894, por meio de compensação no INSS - hoje essa isenção é para quem ganha até R$ 1.140. Na negociação com os aliados, o governo desistiu da proposta de isentar quem ganha até R$ 4.340, via Imposto de Renda, apresentada semana passada ao PSDB. O governo precisou ceder, sobretudo, à pressão de PMDB e PDT por uma redução da alíquota. Com o acordo, o governo prevê a votação da CPMF no plenário, em primeiro turno, no início de dezembro.

 

Apesar do acordo, o PMDB ainda fez mudanças de última hora na composição de sua bancada na CCJ. O líder do partido, Valdir Raupp (RO), substituiu o senador Pedro Simon (PMDB-RS). Inicialmente, Simon disse que estava em dúvida em relação ao seu voto, e mais tarde disse que sua intenção era votar contra. Na véspera, a líder do bloco governista, Ideli Salvatti (PT-SC), já havia substituído Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR).

 

 

Peres se ausenta na hora da votação

 

O senador Jefferson Peres (PDTAM), que havia dado sinais de que votaria com o governo, anunciou à noite que iria se abster, mas acabou saindo da sala na hora da votação.

 

Houve ainda outra substituição: o senador Wellington Salgado votou no lugar de Gilvam Borges (PMDBAP), que não compareceu devido à morte de sua irmã. Antes da votação na CCJ, o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), estava confiante nos efeitos do acordo: "No cenário econômico atual, tinha que reduzir mesmo a alíquota, e agora há consenso na base. Trabalhamos com os 50 votos da base no plenário, mas seria bom se pudéssemos chegar a 56 ou 57", disse Jucá, referindo-se a votos que acredita ainda poder conquistar na oposição.

 

"A base mostrou que não serve apenas para balançar a cabeça, e sim fazer propostas", disse o líder do PSB, senador Renato Casagrande (ES).

 

Após três horas de reunião no Senado, o ministro da Fazenda disse que a área econômica tinha chegado ao limite nas negociações e que não poderia ceder mais. Em 2008, a perda de receita com a redução da alíquota será de R$ 2 bilhões, porque cada ponto percentual representa R$ 1 bilhão - levando-se em conta que em 2008 o tributo arrecadará R$ 40 bilhões. A renúncia sobe para R$ 2,8 bilhões, se forem somados os R$ 800 milhões referentes ao impacto da isenção para quem ganha até R$ 2.894.

 

Segundo os cálculos do governo, a redução da alíquota representará uma perda acumulada na receita da CPMF de R$ 20 bilhões em quatro anos, além de R$ 3,2 bilhões com a isenção. "O governo chegou ao limite da negociação. Para ceder mais, teríamos que desfigurar a proposta orçamentária. Não há mais possibilidade de ir adiante, fomos ao limite. Mas essa proposta unifica a base aliada. Cada um cedeu um pouco, e reflete algo construído pela base aliada a duras penas", disse Mantega. "O custo para o governo será até maior do que na proposta feita ao PSDB, que não reduzia a alíquota e isentava os ganham até R$ 4.340 via Imposto de Renda. O país sai vitorioso".

 

 

Acordo prevê reforma tributária

 

Para que a emenda que prorroga a CPMF não tenha que voltar para a Câmara, será mantido o texto original, que prevê a possibilidade de redução da alíquota por medida provisória. Assim que a emenda, que também prorroga a Desvinculação de Receitas da União (DRU) - mecanismo que permite ao governo gastar livremente 20% de suas receitas -, for aprovada em definitivo e promulgada, será editada uma MP reduzindo a alíquota.

 

O acordo firmado ontem ainda prevê o envio da reforma tributária ao Congresso até 30 de novembro e a criação de um limite anual de gastos com despesas de pessoal: 2,5% mais a inflação. Hoje não há limite. Essa era uma exigência do PDT. Por último, o pacote inclui a concessão do abono de R$ 24 bilhões para a área da Saúde, a ser concedido em quatro anos.

 

No caso da isenção para quem ganha até R$ 2.894, os trabalhadores serão compensados pelos gastos com a CPMF por meio de uma redução da alíquota da contribuição previdenciária.

 

No encontro de Mantega com os líderes, a negociação foi dura. O senador mais refratário era Valter Pereira (PMDB-MS). Ele queria a extinção do imposto no futuro. Na saída, Pereira disse que votaria a favor, porque a proposta levaria à extinção do tributo no futuro. "O PMDB tem que decidir se é governo ou não", reclamou, na reunião, o ministro das Relações Institucionais, Walfrido dos Mares Guia, do mesmo PTB de Mozarildo Cavalcanti.

 

A bancada governista tem 53 senadores, mas, por enquanto, 49 votam a favor da CPMF no plenário. Para aprovar uma emenda constitucional, o governo precisa justamente de 49 votos. Jucá acredita que a votação em Plenário ocorrerá entre 6 e 11 de dezembro, em primeiro turno, e entre 18 e 20, em segundo turno.

 

 

Especialistas criticam CPMF, mas elogiam redução

 

A decisão do governo de propor a redução da alíquota da CPMF de 0,38% para 0,36% em 2008, chegando a 0,30% em 2011, é tida como um avanço por especialistas ouvidos pelo GLOBO. Todos, no entanto, são contrários à cobrança do tributo.

 

O tributarista Ives Gandra da Silva Martins lembrou que o imposto foi criado em 1993 - como IPMF e alíquota de 0,25% sobre as movimentações financeiras - e transformou-se “no pior imposto do mundo” quando atingiu o patamar de 0,38%.

"A CPMF é um imposto negativo, que incide sobre a circulação do dinheiro e encarece a nossa moeda. Essa redução não é a ideal, mas já pode ser considerada um avanço", disse Gandra, que atualmente é presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomércio, entidade paulista que, juntamente com a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), tem levantado a bandeira contra a cobrança da CPMF.

 

"Não há razão para manter a CPMF", diz Paulo Skaf

 

O presidente da Federação da Fiesp, Paulo Skaf, disse ontem que a redução de 0,02% na alíquota da CPMF, como propôs o governo, é insignificante e não vai contribuir para desonerar a atual carga tributária do país. Segundo ele, o governo deveria respeitar a Constituição Federal, que prevê o fim da cobrança do tributo em 31 de dezembro deste ano, já que o momento atual, afirma, coincide com o aumento expressivo da arrecadação do país. "O governo vai arrecadar R$ 60 bilhões a mais do que era previsto para este ano. São quase duas CPMFs. E, para 2008, a previsão é de que o país arrecade mais de 13% a 14%. Não há razão para manter a CPMF", afirma o presidente da Fiesp.

 

O empresário lembrou que, desde que foi criado o tributo, o governo arrecadou cerca de R$ 250 bilhões. "A CPMF foi criada equivocadamente. Está certo que a sociedade foi tolerante, mas era para durar apenas três anos. E o que aconteceu foi que, de três anos já chegamos a 11 anos, e o que era 0,20% já chegou a 0,38%. Assim como o imposto, a tolerância também era provisória", disse, lembrando que o país arrecadou em 2007 cerca de R$ 540 bilhões em impostos: "É dinheiro suficiente para atender a área da saúde, os programas sociais e os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). O fim da CPMF é a única chance de abrir a porta da reforma tributária, e assim reduzir a carga tributária. Se não eliminar, não teremos desoneração concreta".

 

Paulo Skaf chegou a entregar no Senado um abaixo-assinado com 1,3 milhão de assinaturas contra a prorrogação da cobrança do tributo, e implantou um telão na Avenida Paulista com o nome de parlamentares que aprovaram a prorrogação da CPMF na Câmara, prometendo dar nomes dos senadores que fizerem o mesmo no Senado, "para que a população se lembre deles nas próximas eleições".

 

Mailson da Nóbrega: sem imposto, "herança ainda pior"

 

Já o Mailson da Nóbrega, ministro da Fazenda no governo José Sarney, avaliou que o governo não tinha outra alternativa senão reduzir a alíquota da contribuição provisória. Dizendo-se contrário ao "distorsivo, regressivo e perverso" imposto, o economista considera, porém, que, sem o tributo, o governo federal deixaria uma "herança ainda pior" para o próximo governante.

 

"Sou contra essa perversidade (a cobrança da CPMF), mas (sem o imposto), o presidente Lula deixaria um superávit primário menor e um aumento na relação entre a dívida pública e o PIB (Produto interno Bruto)", disse Maílson da Nóbrega, que é consultor de empresas.

 

Empresário: diminuição inócua sem redução de gastos

 

Para Roberto Faldini, dirigente da Fiesp, entidade também contrária à CPMF, o governo cedeu à pressão da sociedade, mas o tributo, na sua opinião, deveria ser eliminado de vez. Ou, em último caso, o governo deveria estabelecer uma alíquota simbólica, apenas para efeito controlador.

 

O empresário analisa, ainda, que sem redução nos gastos públicos de nada adiantará a diminuição da CPMF. Para ele, os altos gastos do governo acabam incidindo também nas contas da população. "Se o governo não reduzir seus gastos, a sociedade vai ter que arcar com essa carga tributária. A redução na alíquota da CPMF é um avanço, mas é só o começo para ajudar a aquecer o mercado interno", disse Faldini, emendando: "A minha visão sobre a realidade econômica é que estamos aparentemente num mar de rosas, com a economia indo bem, o mercado absorvendo nossos commodities e o Brasil com superávit. Mas a parte interna está longe do que queremos. A carga tributária está quase insuportável".

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