16/03/2018 - 15:59 | última atualização em 16/03/2018 - 17:39

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Feminismo e homenagens a Marielle Franco marcam Encontro da mulher advogada

redação da Tribuna do Advogado

          Foto: Lula Aparício  |   Clique para ampliar
Clara Passi
 
O grito de lamento “Marielle, presente!”, que tem marcado as manifestações de luto pelo brutal assassinato da parlamentar, se fez confirmar em todos os discursos dos palestrantes do I Encontro Estadual da mulher advogada da OAB/RJ – 30 anos dos direitos da mulher na Constituição Federal, realizado pela Comissão OAB Mulher, sob a presidência de Marisa Gaudio. 
 
Essa presença simbólica da vereadora do PSOL foi sentida logo no início, quando os palestrantes e a plateia majoritariamente feminina que lotou o plenário Evandro Lins e Silva na manhã desta sexta, dia 16, fizeram um minuto de silêncio. Outro momento tocante foi quando Ângela Borges Kimbangu, do Grupo de Trabalho Mulheres Negras da OAB Mulher, ergueu o punho e encerrou sua fala parafraseando Marielle: "Eu, mulher negra, resisto".   
 
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Após discorrer sobre a desigualdade de gêneros nos cargos de poder da área jurídica e na sociedade em geral, Gaudio resumiu o sentimento geral: “Nós recebemos os tiros de Marielle. Ela era uma irmã de caminhada". Ela falou sobre as opressões sofridas por mulheres ao longo de suas vidas e comparou: "Quando os homens saem para trabalhar, temem um assalto. Nós tememos ser estupradas". 
  
A advogada entregou uma carta de intenções da comissão ao presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, e ao tesoureiro e presidente da Comissão de Prerrogativas da Seccional, Luciano Bandeira, em que pedia que a voz das mulheres fosse ouvida. 
  
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Felipe contou que, por ter tido uma mãe militante política, não vivenciou o machismo em casa. "Precisei virar advogado e ver talentos enormes da advocacia, que começaram comigo e que eram muito melhores e maiores do que eu, serem alijados no processo de crescimento dos escritórios", disse. 
 
Para ilustrar sua tese, Felipe citou a ausência de mulheres entre as fotos dos ex-presidentes da casa penduradas na parede do hall do plenário, se comprometendo a encampar a luta das mulheres nos seus próximos passos. 
 
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Para a vice-presidente do IAB, Rita Cortez, o caso Marielle reforça a necessidade de lutar pelo Estado democrático de Direito e por sororidade, a fraternidade entre as mulheres. “Por nossas mortas, nem um minuto de silêncio, nem uma lágrima. Mas toda uma vida de luta”, discursou.  “Um dos pilares da democracia, já que estamos falando em 30 anos de Constituição, é a liberdade de pensamento. Nós temos direito de reivindicar”, completou.
 
Luciano fez coro ao classificar a morte de Marielle como um crime de ódio, de intolerância. “Temos que exigir que se descubra não só quem são os executores, mas quem são os mandantes dessa barbaridade”, afirmou.    
 
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Um dos pontos altos do evento foi a palestra magna de Fernanda Marinela, primeira mulher a presidir a OAB/Alagoas e única presidente de seccional durante o triênio 2016-2018. A advogada foi enfática ao falar das conquistas do feminismo. “Até quando vamos aceitar sermos objeto do desejo alheio? Não podemos dar a ninguém a régua que mede nosso valor”, afirmou. 
  
Marinela citou filmes com mulheres protagonistas, como Mulher Maravilha, para exemplificar avanços, mas lamentou que as mulheres ainda sejam tratadas como anexos nos partidos políticos, sem participar de deliberações.   
  
O caso Marielle deve ser usado, em sua opinião, para que se reflita sobre a violência cotidiana sofrida pelas mulheres. “É uma oportunidade de consolidar e reconhecer que há muito a ser feito”. 
 
A mulher no Judiciário
 
Numa das falas mais incisivas do evento, a diretora de Igualdade Racial da OAB/RJ e membro da Associação Brasileira das Mulheres de Carreiras Jurídicas, Ivone Caetano, denunciou o preconceito no Judiciário, instituição que, segundo ela, é uma das mais racistas e elitistas da sociedade. Em pleno século 21, Caetano é a primeira desembargadora negra do Rio de Janeiro e a segunda do Brasil (a primeira é Luislinda Valois).
 
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“Por anos, ouvi coisas bárbaras. Quando cheguei, em 1994, só havia duas mulheres desembargadoras. Na minha posse, me perguntaram se eu iria à cerimônia com este cabelo. Depois, entravam na minha sala e perguntavam onde estava a juíza”, lembra ela, frisando que houve, sim, avanços importantes no Judiciário para a mulher branca. Mas para a negra, não. “Ainda falta muito para que outra venha me substituir”.
 
O próprio Judiciário, ela conta, ajuda a dar continuidade  à cultura do preconceito. “A mulher negra é olhada diferente. É o mais baixo nível da sociedade, abaixo até do homem negro”.
 
Depois de narrar os percalços na acensão profissional - ela passou no concurso na sexta tentativa, já aos 49 anos e meio - Caetano deu um recado às novas gerações: "vocês têm que prosseguir. Não parem porque sofreram racismo, já que ele é diário e diuturno".
 
Caetano lamentou a morte de Marielle e o fato de a vereadora ter sido uma voz tão rara. “Mulher não vota em mulher. Se votasse, estaríamos mais longe”.
 
A transmissão está disponível no canal da OAB/RJ no YouTube
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