20/08/2024 - 15:56 | última atualização em 20/08/2024 - 16:04

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Evento na OABRJ discute falhas do Estado na garantia dos direitos humanos e relembra massacre de Vigário Geral, 31 anos atrás

Biah Santiago




A Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária (CDHAJ) da OABRJ relembrou, com um evento realizado nesta terça-feira, dia 20, na sede da Seccional, o 29 de agosto, data que, este ano, marca os 31 anos da Chacina de Vigário Geral. A favela da Zona Norte do Rio foi invadida por um grupo de extermínio formado por cerca de 36 homens encapuzados e armados que invadiram casas e executaram 21 moradores. Dentre as vítimas, estavam oito pessoas da mesma família, que foram assassinadas dentro de casa. 

Para assistir ao encontro na íntegra, acesse o canal da Seccional no YouTube. 

“Esse episódio chegou a ser apreciado pela OEA [Organização dos Estados Americanos] como um gravíssimo caso de violação de direitos humanos. Essa tragédia não é um fato isolado, pois continua acontecendo não só na nossa cidade, uma das mais violentas do país, como em outros locais do Brasil”, comentou a vice-presidente da OABRJ, Ana Tereza Basilio.


“A Ordem e o juramento da advocacia têm a defesa dos direitos humanos como uma das principais bandeiras, então, é importante defender casos como esse, que entristeceram e envergonharam o Brasil, para que possamos cobrar das autoridades que histórias como essa não se repitam neste estado civilizatório. Não podemos mais conviver com a barbárie e a invasão de casas de pessoas inocentes e desprotegidas”.



O painel foi composto pelo presidente da CDHAJ, José Agripino, e pelo procurador-geral, Paulo Henrique Lima; pelo jornalista, professor da PUC-Rio e autor dos livros "Mataram Marielle" e "Massacre em Vigário Geral: os 30 anos da chacina que escancarou a corrupção policial do Rio", Chico Otávio; a ativista social, presidente da Associação de Familiares das Vítimas de Vigário Geral e viúva de uma das vítimas da chacina, Iracilda Toledo, e o professor de Sociologia e coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da UFF e pesquisador dos núcleos de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana e de Pesquisa em Cultura e Economia da UFRJ Daniel Hirata.

“Quando analisamos a realidade do Rio, vemos uma cidade onde uma mãe não tem a tranquilidade de ir trabalhar sem ter a certeza de que o filho estará no lugar onde foi deixado ou até mesmo vivo. O que aconteceu em 1993 em Vigário Geral não é um caso isolado, pois vivemos numa sociedade que naturaliza morte de crianças e a violência policial”, ponderou Lima.

“A questão não é a maldade de um policial ou de um governo específico, mas sim a existência de um projeto nefasto, expressão da necropolítica, que faz da morte e do cárcere algo necessário para a manutenção de um modelo que gera atritos sociais e contenção de direitos”.

Hirata fez um apanhado da violência policial e da construção da democracia no Brasil, especialmente na década de 1990. O professor também abordou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como ADPF das Favelas. 

“Nos anos 1990, época das eleições livres, temos uma série de chacinas no Brasil inteiro, como as de Corumbiara (Rondônia), de Vigário Geral, da Candelária e do Carandiru (São Paulo). O Rio deve ser o local mais emblemático e onde a execução ocorre pelas mãos do próprio Estado. Havia uma promessa de que o tempo passaria e as instituições amadureceriam, ou seja, que o processo de redemocratização avançaria nos setores onde o autoritarismo estava socialmente implantado”, analisou o professor da UFF.


“É preciso estabelecer um ponto de inflexão decisivo que nos permitirá ter o controle democrático sobre o poder de armas. A ADPF 635 é singela, é uma política de redução de danos diante da violência policial nas favelas. Ações como esta são o mínimo necessário para que avancemos e a população não tenha que continuar a enfrentar máquinas de mortes”. 



Há anos na luta para garantir direitos aos sobreviventes e seus familiares, Iracilda falou da visão que a sociedade tem de quem mora nas favelas.

“Em 1993, perdi a pessoa que me deu meus filhos, e o Estado ganhou. Morar numa comunidade não nos fazia bandidos. Eles [a polícia] aproveitaram que as pessoas estavam festejando e distraídas em um evento preparativo para a Copa do Mundo de 1994, um dia atípico na comunidade, para fazer o que fizeram”, refletiu a ativista.

“Vigário Geral e as comunidades têm vida, mas onde o Estado não chega, chega o crime. Por isso, enquanto eu tiver voz, irei lutar, pois é preciso determinação para seguir".

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