22/10/2015 - 11:20 | última atualização em 22/10/2015 - 11:37

COMPARTILHE

Para especialistas, há excessos em delações premiadas

jornal Correio Braziliense

A delação premiada divide as opiniões dos especialistas. O instrumento trazido à tona pelas investigações da Operação Lava-Jato, deflagrada pela Polícia Federal para investigar corrupção nos contratos da Petrobras, tem sido utilizado com excessos, afirmam participantes do seminário A garantia do direito de defesa, realizado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Além da delação, a discussão mediada pelo juiz Rubens Casara, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, tratou ainda da presunção da inocência e das dificuldades impostas ao direito de defesa e à ação dos advogados no Brasil.
 
Gilson Dipp, ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), chamou a Lava-Jato de "divisor de águas", mas lembrou que a delação premiada não é novidade e já estava prevista há alguns anos em outras leis, como a dos crimes financeiros, de 1976. "A delação pública é a favor do colaborador. Aquele que praticou um crime com outros desnuda a organização em troca de benefícios que vai receber quando da ocasião da aplicação da pena. O Estado tem responsabilidade de prestar uma série de garantias ao colaborador, de segurança e de direito ao anonimato", esclareceu. O ministro, que afirmou sempre ter sido a favor da delação premiada, disse se preocupar mais com "prisões preventivas desfundamentadas", cujo objetivo seria forçar delações.
 
Para Juarez Tavares, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, falta "coragem" de alguns juízes de tribunais superiores para cassar decisões ilegais, em casos como o da Lava-Jato. "O delator não só prejudica os delatados, mas também renuncia a direitos fundamentais, como o de recorrer ao Poder Judiciário quando se sinta lesado em seu direito fundamental."
 
Questionado sobre como é a situação dos direitos de defesa no país de origem, o advogado argentino Ricardo Rodolfo Gil Lavedra explicou que não há tantas diferenças com o Brasil. "Nas últimas décadas, com o aparecimento de delitos complexos, como terrorismo, tráfico de pessoas, narcotráfico, se flexibilizaram determinados direitos individuais para poder aplicar a lei penal. Na Argentina também existe a delação, a figura do 'arrependido’. Isso é hipócrita, porque quem colabora não se arrepende, é um acusado de um crime que colabora porque será beneficiado."
 
O ministro Sebastião Reis, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), acredita que o uso da delação na Operação Lava-Jato não é um caso isolado, e que o instrumento tem se estendido para outros casos por todo o país, sendo banalizada. "Pessoas que cometeram crime durante anos serão agraciadas com penas de regime aberto, prisão domiciliar, possibilidade de progressão em um lapso menor. São contrastes: aquilo que foi feito para punir os poderosos pode beneficiá-los, e, mais uma vez, criando uma distorção, já que os pequenos não têm o que delatar".
 
Sigilo
 
Segundo o ministro, o sigilo também tem sido desrespeitado, expondo o colaborador muitas vezes a situações de violência e levando outras pessoas a se sentirem coagidas a delatar. Lavedra ressaltou que, caso haja coação, um depoimento não se configura como delação. "As ofertas têm que ser muito selecionadas e tem que existir espontaneidade. E isso tem a ver com a prisão preventiva. Se na prisão preventiva se oferece a possibilidade de confessar, você a faz voluntariamente?" questionou.
 
O advogado inglês Timothy Otty, membro do grupo consultivo de Direitos Humanos da Secretaria de Relações Exteriores da Inglaterra, reforçou a importância da liberdade para que haja um julgamento justo: "O ônus da prova sempre recairá sobre o Estado e a presunção é sempre em favor da liberdade". Para o advogado, a liberdade e a presunção de inocência são "tão fundamentais que os princípios da prisão preventiva são ofensivos ao estado de direito" e ela deveria ser permitida apenas se comprovadamente necessária e com objetivos justos, como risco de fuga ou interferência nas provas e processo.
Abrir WhatsApp