09/05/2023 - 14:16 | última atualização em 16/05/2023 - 16:27

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Em entrevista ao Portal da OABRJ, corregedor do TRT1 detalha ações para desafogar Justiça Trabalhista

Eduardo Sarmento





A participação do corregedor do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, Marcelo Augusto Souto de Oliveira, no mais recente Colégio de Presidentes de Subseção da OABRJ, realizado em março, na cidade de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, deixou ótima impressão na advocacia. No encontro, o desembargador pediu que a Corregedoria fosse vista como parceira e assumiu o compromisso de direcionar todos os esforços para desafogar a Justiça Trabalhista e melhorar a prestação jurisdicional.

Agora, em nova interação com a classe, desta vez por meio do Portal da OABRJ, Oliveira aprofunda questões importantes, como a falta de juízes e serventuários e a extinção dos postos avançados (PAVs) e detalha algumas iniciativas da Corregedoria. O desembargador também fez questão de desfazer um possível mal-entendido com a magistratura trabalhista.


“Eu não concordo com a afirmação de que juízes e servidores da Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro e do Brasil não trabalham, muito pelo contrário. Temos problemas pontuais de gestão e uma certa falta de organização aqui e acolá, mas a enorme maioria trabalha muito. Isso não quer dizer que não possamos nos aprimorar. Podemos e precisamos melhorar para além do que temos feito”, afirma.


Leia abaixo os principais pontos abordados em pouco mais de meia hora de conversa:

Em sua apresentação no Colégio de Presidentes de Subseção, o senhor disse que faria uma gestão baseada em três ideias: o republicanismo, a transparência e a equidade. De que forma a advocacia pode atuar como aliada na busca por esses princípios e na melhoria da prestação jurisdicional?

Reconheço na advocacia um papel fundamental. Afinal quem mais sabe o que acontece na ponta do sistema do que o advogado? É ele que reverbera em primeiro lugar as necessidades do serviço judiciário, que se aproxima de forma “privilegiada” dessas questões. Quando há problema, a advocacia é a primeira a sofrer. A parte está distante do Judiciário, ela é mediada por advogados e advogadas e só percebe os problemas quando é afetada pela morosidade. Mas é o advogado que lida com o servidor e sabe quem atende bem, quem atende mal, qual serventia tem um trabalho elogiável e qual não tem.

Então, a resposta é que a principal colaboração que a advocacia pode dar é dialogando, trazendo demandas e até propondo soluções, a despeito de não ser exatamente sua obrigação. Munir o tribunal de informações nesse arejamento democrático de instituições, que dialogam permanentemente para construir um serviço público de qualidade, é o que, ao fim e ao cabo, justifica a existência do Poder Judiciário, um serviço que deve ser percebido pela população como essencial e que precisa ser mantido como fundamental para o funcionamento do próprio Estado democrático de Direito. E é óbvio que a advocacia trabalha mais e ganha mais se esse serviço funciona. A publicidade e transparência se fazem nessa permanente troca de informações. É preciso aprofundar o diálogo e manter aberto um canal de mão dupla.

Como o senhor acredita que a Corregedoria pode aferir essa produtividade de varas, magistrados e servidores levando em conta os relatos da advocacia? Como a tecnologia pode ser aliada nessa missão?

Estamos em um momento especial da história, em que temos um acervo tecnológico que nos permite mapear com bastante precisão a produção, a atividade dos juízes e das serventias. Estamos em constante evolução e hoje temos um índice de funcionamento da Justiça brasileira. Por esses números, conseguimos elaborar diagnósticos que nos ajudam a ter uma visão do todo, a nos aproximarmos da realidade e, assim, sempre que julgarmos necessário, nos permite intervir e solucionar problemas ou dificuldades de forma preventiva.

Do ponto de vista operacional, em primeiro lugar, a Corregedoria esquadrinha com muita precisão o que acontece nas varas por meio de monitoramento eletrônico. Recebo relatórios de inspeções e, a partir daí, vamos interagindo com as varas. A Corregedoria faz uma constatação, encontra erros ou questões que podem melhorar – prazos que não foram cumpridos, por exemplo – remete para a vara, que interage novamente por meio eletrônico, dando justificativas, apontando eventuais inconsistências e erros, e mais uma vez respondemos. Vamos dialogando assim, em busca dos melhores caminhos.

Certamente, o uso da tecnologia é fundamental, mas considero que nada substitui o olho no olho. E por este motivo, para mim, é importante a colaboração da Ordem. É a prova de que aquele ato formal e público está tendo a presença de um órgão com coparticipação no acompanhamento do funcionamento da Justiça. Toda participação da Ordem é importante, seja para criticar ou elogiar.

Em Campos, por exemplo, temos quatro varas boas. A OABRJ compareceu para elogiar. Quando as varas funcionam adequadamente, quem recebe o primeiro contato do resultado do serviço público comparece para registrar o elogio, isso também é importante. Em casos assim, significa que chegamos ao ponto ótimo de nossa relação. O Judiciário entregou um serviço público de qualidade, que é percebido pelo usuário assim, e na oportunidade que temos a consideração é positiva.

Tenho procurado estimular esse espírito colaborativo durante as correições. Por isso, venho ponderando sobre a importância da participação dos juízes neste diálogo. Ao chegar às varas, tenho tomado cuidado de perguntar ao juiz se há alguma crítica à presença da Ordem no diálogo da correição. Explico que, caso haja algum desconforto, posso ouvir a OAB reservadamente e transmitir posteriormente os relatos; podemos fazer em etapas. Até agora tenho tido sucesso nesta iniciativa, já que em quase 100% das vezes os juízes preferiram ficar na sessão, o que é muito positivo.

Como evitar que a preparação das serventias para as correições não crie um cenário artificial, mas passe um retrato fiel da situação da Justiça Trabalhista?

Essa é uma pergunta importante e me permite esclarecer um aspecto crucial na rotina das correições, hoje quase totalmente automatizadas. Antes de tudo, a atividade correicional não está limitada ao momento único originalmente previsto na CLT. Atualmente, o monitoramento é uma atividade contínua, facilitada pela tecnologia. Na prática, para preparar as correições presenciais, gastamos mais ou menos 30 dias. Compilamos as informações, começamos a fazer a minuta da ata de correição, que tem em média 60 páginas, são muitas informações. Desta forma, cumpro o dever legal de fazer ao menos uma correição por ano em cada uma das 146 serventias da Justiça do Trabalho, o que dá mais de dez por mês, em uma conta simples.

Mas, pode um administrador ter contato com a realidade apenas uma vez por ano, através de relatórios formais? Sem um diálogo azeitado, fluido e mais próximo não chegaremos a um local muito próspero. Neste sentido, foi criada a autoinspeção, que a vara faz depois de seis meses da correição respondendo a questionários da Corregedoria sobre dados que não foram positivos. É uma oportunidade que a serventia tem de ajustar os rumos e mostrar que atendeu os registros da ata de correição e melhorou o cenário na serventia. Isso já estava implementado quando assumi.

Entretanto, essa interação ainda poderia ser melhor. Se imaginarmos que, contando a autoinspeção, são duas oportunidades anuais de interação entre vara e Corregedoria, havia claramente um largo espaço de tempo sem uma avaliação mais formal. Isso, obviamente, não significa que os serviços cartorários deixam de ser realizados entre as avaliações, mas o que é bom pode ser ainda melhor. Então, estou preparando minha equipe para fazer pequenas inspeções a cada 60 dias. É uma maneira de termos fotografias mais próximas a fim de captarmos o movimento da vara e possibilitar intervenções mais rápidas em caso de necessidade.

Algumas pessoas interpretaram essa medida como forma de ficar mais “no pescoço” dos juízes, mas não é isso. Na realidade, meu papel, da minha equipe e de todos os magistrados do TRT1 é tentar entregar à sociedade brasileira um serviço público com cada vez mais qualidade e a leitura que faço é que seis meses é um prazo muito elástico. Por isso, estamos encurtando este prazo, para uma sintonia mais fina com as varas para podermos adotar eventuais medidas corretivas de forma mais precoce. Já temos algumas inspeções acontecendo e elaboramos alguns relatórios, mas não estamos ainda em um ponto ótimo.




O senhor atuou como advogado no início de carreira. De que forma conhecer os dois lados o auxilia na função de corregedor?

Só quem esperou o despacho que não vem, uma liminar que não é decidida, só quem esperou uma audiência designada para dois anos depois, sempre com a barriga no balcão, pode, se quiser, quando estiver do outro lado do sistema, decidir tentar mudar essa realidade. Diria que ter sido advogado me deu uma visão muito privilegiada do serviço público que o Poder Judiciário presta. Não para ser apenas crítico, mas por saber onde aperta o calo. Se você não tem empatia, não consegue se colocar no lugar do outro, você não consegue construir relações. E isso serve para qualquer profissão. Ter exercido a advocacia significa que eu consigo perceber o que é estar do outro lado.

O déficit de pessoal é endêmico no Poder Judiciário e impacta diretamente o atendimento à advocacia. Atualmente lidamos com a extinção de alguns Postos Avançados da Justiça do Trabalho (PAVs) e a transição para a Justiça Itinerante. Gostaria de entender como o senhor enxerga isso e como pretende trabalhar essa questão?

Se o Estado Brasileiro for tomado pela alta administração deste país como um entrave à sociedade, se a visão for antiestado, isso vai bater no nosso colo rapidamente. O antiestado no nosso caso é não dar orçamento, não permitir concurso de nenhuma forma. Fechado o registro do orçamento, a população obviamente vai identificar um problema grave em pouco tempo. Hoje, faltam juízes. Temos um déficit de ⅓ das vagas, para ser preciso. Temos que cobrir férias, licenças médicas, afastamentos da jurisdição [convocação para servir em outros locais]. Somando isso às vagas em aberto, temos um cenário de economia de guerra.

Quando o juiz diz que faltam servidores e juízes substitutos para auxiliá-lo, ele fala a verdade, ele tem razão. Isso quer dizer que esta situação verdadeira é uma resposta definitiva a todos os problemas da jurisdição trabalhista do Rio de Janeiro? Não. Por isso, nos desdobramos em esforços para lidar com essas carências e minimizar seus eventuais impactos na jurisdição. Por parte dos problemas, sim. Pelo não cumprimento de um prazo exíguo de 48 horas para fazer um despacho, sim. Mas isso quer dizer que um despacho demorando 60 dias decorre da falta de servidor? Não. Aí de fato é um mau gerenciamento deste prazo. Então, definitivamente é importante dizer que todos têm razão quando dizem que a ausência de servidores e juízes substitutos impacta negativamente no funcionamento da Justiça, como de resto acontece em todo o estado brasileiro. Faltam juízes, médicos, professores e policiais. Vivemos em um país que tem um déficit de fornecimento de serviço público de qualidade quase de forma generalizada.

Com relação aos PAVs, a extinção é determinação do CSJT. Mas isso não significa que a Justiça se distanciará de advogados e partes, e sim que a Justiça dará uma roupagem mais racional aos recursos escassos que tem. A migração de PAV para Posto de Justiça Itinerante basicamente traz a seguinte novidade: não teremos fisicamente um local de permanente atendimento. O juiz continuará fazendo as audiências presenciais nas localidades quando assim as partes ou o processo exigirem. O que não vai ter mais é um guichê pra você bater na porta e saber do processo. Basicamente, pela evidente razão de que quase a totalidade dos processos da Justiça do Trabalho do Rio de Janeiro são eletrônicos. Não há mais autos para serem consultados fisicamente.

Se a preocupação da advocacia é continuar sendo atendida de maneira mais próxima no principal do processo do Trabalho, que é a audiência, isso não precisa existir. Outro problema: o PAV é uma unidade administrativa autônoma, tem lotação de servidores, tem equipamentos, toda uma estrutura que exige preocupação e investimento do tribunal. Se por acaso o PAV que dista, por exemplo, 70 quilômetros da serventia se transformar em Posto de Justiça Itinerante, posso alocar os servidores na vara e continuar atendendo os advogados, quando necessário uma audiência presencial, na frequência que for necessário, indo à localidade. O juiz vai com sua equipe, com um laptop, uma impressora e o que mais for necessário e faz a audiência. Isso é um prejuízo? Pode ser muito mais psicológico do que concreto, até porque os balcões das secretarias estão às moscas.

Temos ainda o balcão virtual, que os próprios advogados dizem que funciona muito bem. Eventuais migrações de PAVs para Justiça Itinerante não vão causar transtorno para a advocacia e nem inviabilizar o atendimento no local do processo.


A Justiça do Trabalho tem uma importância histórica, é uma conquista do povo brasileiro. Apesar disso, há quem diminua sua importância. Qual é a sua visão em relação à desvalorização e aos recentes ataques sofridos?


O Direito do Trabalho é sobretudo civilizatório. Precisamos defender alguma legislação que equilibre as relações trabalhistas. Precisamos nos juntar não para defender nossos empregos, mas a sociedade brasileira. A unidade entre os atores da Justiça Trabalhista é o caminho para sua preservação e estamos empenhados para aperfeiçoar essa unidade.

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