Considerado marco para garantia de direitos dos cerca de 60 milhões de brasileiros de até 18 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa hoje 25 anos, numa comemoração cercada de incerteza. O aniversário ocorre em meio à discussão no Congresso Nacional sobre a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos em crimes graves, medida que desagrada os defensores do ECA. Embora o próprio estatuto tenha atingido a maioridade, militantes da área reforçam que a legislação não é cumprida à risca e já prevê mecanismos para punir o jovem que comete crimes. Apesar dos avanços, a distância entre o que a lei estabelece e a realidade também é grande em áreas como educação, saúde e proteção ao menor. De acordo com o estatuto, o autor de ato infracional está sujeito ao cumprimento de medidas socioeducativas que vão desde a prestação de serviço à comunidade até a permanência por três anos em centro de internação. "As medidas socioeducativas não estão totalmente implementadas e isso leva a uma dificuldade para garantir a responsabilização do adolescente e a possibilidade de atingir o fim último, que é a reeducação", afirma a coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Infância e da Juventude de Minas Gerais, Paola Domingues Botelho Reis de Nazareth. Segundo Paola, o cumprimento integral do estatuto requer que gestores públicos pensem políticas da criança e do adolescente como prioridade. Para a colaboradora da Frente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Minas Gerais, Maria Alice da Silva, a discussão da redução da maioridade em meio aos 25 anos do ECA traz reflexões. "Isso nos faz repensar se não nos descuidamos um pouco de informar melhor a sociedade do que é previsto no estatuto. O ECA não é para passar a mão na cabeça de menino. Ele prevê deveres e direitos, além da punição de quem os viola", afirma. Fragilidade A militante cobra mais recursos não apenas para as medidas socioeducativas, mas para saúde, educação e lazer. "Existe uma fra : gilidade da política pública. É preciso ter recursos materiais e humanos", reforça Maria Alice, que lista motivos para comemorar. "Hoje temos uma estrutura de atendimento minimamente organizada e uma mudança de mentalidade. As pessoas aceitam que crianças e adolescentes são sujeitos de direito", diz. A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG), Renata Roman, destaca avanços promovidos pelo ECA como a criação da rede de proteção, mas aponta barreiras para o cumprimento do estatuto. "O ECA é uma lei bem-sucedida, mas falar que todas as crianças têm acesso a lazer e cultura não é algo real. Não conseguimos o avanço necessário", diz. Parte do Estatuto ainda não é realidade Art. 5º : Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. No primeiro trimestre de 2015, o Disque Direitos Humanos (Disque 100) registrou 21021 denúncias de violações de direitos de crianças e adolescentes no país. Os casos mais registrados foram de negligência, violência física, psicológica e sexual Art. 7º : A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Apenas em São Paulo, maior capital do país, a estimativa é de que foltem 300 pediatras na rede de saúde pública. Art. 53: A criança e o adolescente têm direito â educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho. 3,8 milhões de crianças e adolescentes entre 4 e 17 anos estão fora da escola As faixas etárias de 4 e 5 anos e de 15 a 17 representam os piores índices. Art 54: É dever do Estado assegurar â criança e ao adolescente atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. O Censo Escolar 2014 aponta que apenas 54,8% das escolas brasileiras têm alunos com deficiência Incluídos em turmas regulares. Somente 35,5% das escolas de ensino fundamental são adaptadas a alunos com deficiências ou mobilidade reduzida. No ensino médio, esse percentual é de 40%. Art. 71: A criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Apenas 45% das escolas de nível fundamental da rede pública têm biblioteca. E somente 33% delas têm quadra de esportes. Art 131: 0 Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente. Em 2013, o Cadastro Nacional dos Conselhos Tutelares identificou 5.906 conselhos no país, 632 a menos que o necessário. Além disso, 25% deles não têm telefone fixo e 37% não têm celular. Art. 60: É proibido qualquer trabalho a menores de 14 anos de idade, salvo na condição de aprendiz. Em 2013, havia 3,1 milhões de trabalhadores de 5 a 17 anos no Brasil (Fontes das estatísticas: Censo Escolar 2014, Censo IBGE 2010, Pnad, Seds-MG, Prefeitura de SP, Secretaria de Direitos Humanos)