29/01/2018 - 11:08 | última atualização em 02/02/2018 - 12:29

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Dia de Combate ao Trabalho Escravo marca luta contra escravidão moderna

redação da Tribuna do Advogado

Cássia Bittar
 
Apesar de ser extinto, na teoria, em 1888, o trabalho escravo está longe de ser apenas um fantasma do passado para muitos brasileiros. Assim como em vários países do mundo, a prática de sujeitar pessoas a trabalhos degradantes, a jornada exaustiva, a trabalho forçado ou servidão por dívida, elementos que caracterizam a escravidão moderna, ainda é uma triste realidade.
 
Criado em 2009 em homenagem aos auditores fiscais do Trabalho Erastóstenes de Almeida, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva, e ao motorista Ailton Pereira de Oliveira, assassinados em 28 de janeiro de 2004 durante uma vistoria a fazendas na zona rural de Unaí, Minas Gerais, quando investigavam denúncias de trabalho escravo na região, o Dia Nacional do Combate ao Trabalho Escravo tem como função alertar para essa situação no país.
 
O quadro é alarmante. Segundo o Ministério do Trabalho e Emprego, nas 184 ações de fiscalização e combate ao trabalho análogo ao de escravo realizadas em 2017 no Brasil, 407 trabalhadores foram resgatados por constatar-se que estavam submetidos a situações de escravidão. Os dados do Ministério mostram ainda que a prática foi encontrada tanto no ambiente rural quanto no urbano: 107 trabalhadores se encontravam em regiões metropolitanas, com maior incidência no setor de construção civil e na atividade têxtil. Já no ambiente rural os setores com maior incidência foram agricultura, pecuária e produção florestal.
 
A nível mundial, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que mais de 21 milhões de pessoas estejam submetidas a trabalho forçado. Quase metade delas seriam mulheres e meninas. Do número total de vítimas, 19 milhões são exploradas por indivíduos ou na economia privada, e mais de dois milhões por Estados ou por grupos rebeldes, segundo a entidade.
 
De acordo com dados da ONU,  a prática é difícil de ser extinta porque é muito lucrativa: “O trabalho escravo na economia privada gera, a cada ano, US$ 150 bilhões de lucros obtidos de forma ilegal”, afirma a organização, em relatório apresentado em 2016.
 
E, em 2017, muito falou-se no tema no Brasil. Isso porque, no mesmo semestre, duas portarias foram divulgadas sobre o assunto com abordagens distintas. A Portaria 1.129/17 estabelecia novas regras para a caracterização de trabalho análogo ao escravo e para atualização do Cadastro de Empregadores – que reverberaram no cenário internacional e foram criticadas por órgãos como a OIT; e a Portaria 1.293/17, editada dois meses depois pelo governo em razão da repercussão negativa da primeira. Nela, foram alterados, em relação à primeira portaria, os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva, condição degradante e sobre as responsabilidades do auditor-fiscal do trabalho.
 
Já a divulgação da lista suja do trabalho escravo, uma relação de empregadores que submeteram trabalhadores à situação análoga à de escravos, sofreu dificuldades para ser atualizada pelo Ministério do Trabalho em meio a reviravoltas legislativas. Renovada pela última vez em março do ano passado, a lista incluiu  em sua última versão 49 novos nomes em relação à anterior, totalizando 131 nomes na lista suja e um em uma lista de observação.
 
Empresas nesta lista têm restrição de crédito e da própria atividade comercial e o mecanismo é considerado um dos mais emblemáticos e eficazes no combate à escravidão contemporânea. Pela primeira portaria lançada pelo governo, a divulgação desta lista suja estaria condicionada à autorização do ministro do Trabalho. A portaria 1.129/17 também exigia que um Boletim de Ocorrência fosse feito pela autoridade policial que participou de fiscalização para que fossem incluídos nomes. Essas regras caíram com a nova portaria e espera-se, no início do ano, a nova atualização.
 
O assunto foi tratado pela Tribuna do Advogado em março de 2017, quando a lista do ano passado ainda não havia sido divulgada e nem as portarias editadas. A discussão, porém, permanece atual. Na matéria, especialistas, entre eles o presidente da Comissão de Direito do Trabalho da Seccional, Marcus Vinicius Cordeiro, debateram os vários pontos que permeiam a questão. Confira a matéria na íntegra no link acima.
 
O assunto foi tratado pela OAB na XXIII Conferência Nacional da Advocacia, realizada em novembro passado, em São Paulo. Na ocasião, o evento especial Reparação da escravidão e erradicação do trabalho escravo, mediado pelo  presidente da Comissão Estadual da Verdade da Escravidão Negra no Brasil da OAB/RJ, e da comissão nacional sobre o mesmo tema, Humberto Adami, debateu, entre outras questões, o caso da Fazenda Brasil Verde, que, na década de 1990, mantinha 128 trabalhadores submetidos a condições degradantes de trabalho e impedidos de deixar o local.
 
Em outubro de 2016, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado Brasileiro por não ter adotado medidas efetivas para impedir a submissão de seres humanos a esse tipo de prática. Após a determinação internacional, a Procuradoria da República do Município de Redenção (PA) instaurou, em março de 2017, um procedimento investigatório criminal para retomar a investigação na fazenda. Segundo Adami, um evento sobre esse assunto deve ser realizado ainda no primeiro semestre na Seccional.
 
Para denunciar uma situação de trabalho análoga à escravidão, o cidadão pode comparecer a um dos postos de atendimento do Ministério do Trabalho (Superintendências Regionais ou Gerências Regionais do Trabalho) ou ligar para o Disque Direitos Humanos, o Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos.
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