22/10/2009 - 16:06

COMPARTILHE

Desalojados pela guerra no Rio

Desalojados pela guerra no Rio

 

 

Do jornal O Dia

 

22/10/2009 - Agarrada a mochila rosa da Barbie, a estudante Mayara Gonçalves, 12 anos, se encolhia a cada rajada de tiros. As mãozinhas, de unhas pintadas com desenhos e brilho, se esfregavam uma na outra, antes de secar as lágrimas. Angustiada, a menina, moradora da Vila Cruzeiro, na Penha, não conseguiu chegar em casa ontem, depois da escola. Por causa de uma operação da polícia em busca dos traficantes que invadiram o Morro dos Macacos, em Vila Isabel, no sábado, Mayara acabou encurralada em um bar da Avenida Nossa Senhora da Penha.

 

O sonho de ser delegada morreu ali. Ela já perdeu as contas de quantas vezes ficou sem dormir e sem poder ir para a escola por causa de tiroteio, mas nunca tinha visto o blindado da polícia tão de perto, com tiros ricocheteando no asfalto. Sozinha, indefesa, Mayara comoveu outros moradores que estavam na mesma situação que ela, acuados, e seguiu à risca o conselho de um desconhecido, para esperar a polícia sair do morro antes de subir .

 

Não tenho mais coragem de ser delegada. Olha quantos tiros! Meu Deus, que medo , apavorou-se. Caçula de oito irmãos, Mayara mora no alto do morro com o pai, que trabalha como cobrador de Kombi. Quando volta da Escola Municipal Conde de Agrolongo, onde cursa o 5º ano, costuma ficar sozinha em casa. Um morador chegou a emprestar um celular, mas o único telefone que ela tinha anotado num pedaço de papel era o de uma amiga do colégio, que nada pôde fazer.

 

Minha mãe deixou de gostar da gente e foi morar com outro homem. Queria sair daqui também, mas a gente não tem condições. Fico com medo quando a polícia vem. Eles estão procurando um traficante que derrubou o helicóptero, eu vi na televisão. Ele não podia ter feito isso, né?! Morreu muita gente inocente , lamentou a menina, que entrou em desespero ao ver o blindado passar.

 

Comerciante no bairro da Penha, A., 43 anos, já não aguenta mais tanta violência. Ano passado foram seis meses de inferno nas nossas vidas, para os moradores do morro e do asfalto. Era confronto diariamente e perdemos nosso direito de ir à padaria, por exemplo. Todo esse horror de bandidos atacando helicóptero aconteceu longe da gente, mas pelo jeito vai acabar respingando de novo aqui. Só nos resta rezar , desabafou.

 

Em Vila Isabel e Engenho Novo, boatos de uma nova invasão fizeram centenas de moradores passar a noite na rua. Aluna do 7º ano da Escola Benevenuto Ribeiro, no Méier, X. estava preocupada porque tinha provas marcadas, mas estava fora de casa há mais de 12 horas. Não posso faltar à escola e também não posso voltar para casa. Estou aqui desde a noite. Tinha que ir em casa, tomar banho, pegar os cadernos e o uniforme, mas e na volta? , questionou a estudante, amedrontada.

 

 

Fuga com a roupa do corpo

 

Entre as pessoas que fugiram às pressas do Morro de São João estava a técnica de Enfermagem Maria Celeste Cerqueira, 55 anos, que não conseguiu entrar em casa, depois de passar 12 horas cuidando de um idoso, na Zona Sul. Recebi uma ligação do meu marido para não subir e nem sei o que está acontecendo. Com medo, ele foi obrigado a descer com a roupa do corpo. A gente nessa situação, e o governo nada faz , desabafou.

 

De dia, o clima ainda era tenso nos acessos à comunidade. Podemos ir praí? Não vai te incomodar? A conversa com uma amiga pelo orelhão, na verdade, era um pedido de socorro de uma moradora do São João. Apressada, ela desligou o telefone e correu para casa, para arrumar seus pertences e deixar a favela. Vou sair daqui. Tenho um bebê e não podemos correr esse risco. Tenho que buscá-lo! , disse, acompanhada de duas meninas.

 

A mulher e a filha do porteiro D., 32 anos, foram para a casa de parentes. Elas estão desesperadas desde sábado e foram para a Tijuca. Tive que ficar para evitar que invadam minha casa e roubem minhas coisas , afirmou ele, que até o início da tarde não tinha dormido, nem comido nada, com medo de voltar para casa.

 

Uma moradora que também passou a noite na rua contou que só voltou para casa às 6h. Vi mães com filhos com febre. Para dormir, tiveram que forrar papelão no chão. Para o tempo passar rápido, alguns jogavam porrinha , contou a mulher, que trabalha como acompanhante num bairro próximo. Minha patroa ofereceu abrigo. Se as coisas continuarem assim, vou aceitar.

Abrir WhatsApp