03/02/2017 - 16:29 | última atualização em 03/02/2017 - 16:30

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Desacato é crime, reforça Superior Tribunal Militar

site JotaInfo

Não estou falando com você, palhaço”. Dita durante um desentendimento entre um ex-militar e um sargento do Batalhão da Guarda Presidencial, em Brasília, a frase levou à condenação do civil pelo Superior Tribunal Militar (STM), nesta quinta-feira, dia 2.
 
O episódio ocorreu em abril de 2015, quando o ex-terceiro sargento tentava retirar documentos na 4ª Seção do Batalhão – onde havia servido. A intenção dele era resolver questões indenizatórias. O imbróglio aconteceu quando, ao perguntar a dois soldados por um responsável pela documentação, foi interpelado pelo sargento.
Segundo o acusado civil, uma resposta irônica, o levou a reagir. De acordo com a defesa, que pedia a absolvição do ex-militar, a rusga com o sargento era antiga. Desde os tempos em que dividiam a caserna, o hoje civil sentia que o colega o menosprezava. Ao chamá-lo de palhaço, lembrava do que passou.
 
Para a defesa do réu no STM, o homem não teve a intenção de ultrajar o ofício de militar – o que justificaria a acusação de desacato, segundo o Código Penal Militar. É que, segundo o artigo 299 do Código, o desacato a militar ocorre no exercício de função ou em razão dessa função.
 
A tese da defesa é de que seria necessário que a própria ofensa tivesse relação com a função militar, ou que se tratasse de uma tentativa de humilhar ou desprestigiar a função de militar. E que a palavra “palhaço” não se enquadraria nessas hipóteses.
 
“Nesse caso, o civil respondeu na pessoa dele, foi uma ofensa de ordem pessoal”, afirmou a advogada de defesa, que fez sustentação oral. “De fato houve um conflito, mas foi um conflito pessoal. Não temos uma ofensa jurídica tão grave a ponto de justificar uma condenação penal”, argumentou.
 
Ofensa ao Exército 
 
O Ministério Público Militar (MPM) também pedia a absolvição do acusado, por não considerar que houve a intenção de desacatar o ofendido na função de militar. Para o órgão acusatório, o réu apenas teria sido descortês com a “pessoa” do sargento.
 
Mas, para a unanimidade dos ministros da Corte militar presentes no julgamento, ao chamar de palhaço um ex-colega, o civil cometeu desacato. Isto porque, por ter sido do Exército, sabia das consequências de uma atitude como a que teve.
 
“Quando chamou um militar de ‘palhaço’ em pleno exercício de suas atividades, ele não ofendeu apenas àquele sargento, menosprezou o todo Exército que estava ali”, sustentou o relator do caso, ministro Artur Vidigal de Oliveira. “A hierarquia e a disciplina regem o direito militar. E uma vez quebrada essa hierarquia, há um prejuízo concreto”. Assim, votou pela manutenção da condenação.
 
O homem foi condenado à pena de 6 meses de detenção, com sursis – o que significa que, caso ele cumpra algumas obrigações (especificadas na sentença) pelo prazo de dois anos, a detenção será extinta sem que ele precise cumpri-la.
 
Entre civis
 
Decisão recente da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que descriminaliza o desacato foi lembrada pela defesa do réu no julgamento desta quinta-feira. Ao julgar um caso envolvendo civis, o STJ interpretou que a tipificação penal estaria na contramão do humanismo por ressaltar a preponderância do Estado, personificado em seus agentes, sobre o indivíduo.
 
O crime de desacato está previsto no Código Penal e é definido por ser praticado por particular contra a administração pública. Segundo o artigo 331, o delito é configurado por “desacatar  funcionário público no exercício da função ou em razão dela”, sendo que a pena é de detenção de seis meses a dois anos, ou multa.
Para os ministros do STJ, a manutenção da prática como crime é incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos, que se manifestou no sentido de que as leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias e opiniões consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível de proteção aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos princípios democrático e igualitário.”
 
À época, o ministro Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, relator do caso, considerou que criminalizar o desacato traduz desigualdade entre servidor e particular, algo inaceitável no Estado Democrático de Direito.
 
“Punir o uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São Paulo abolissem suas respectivas leis de desacato”, escreveu o relator.
 
No STM, a compatibilidade do crime de desacato com a Convenção Americana de Direitos Humanos foi objeto de análise em outra ocasião. Em julgado do próprio ministro Vidigal de Oliveira, a questão foi tratada à luz do direito militar.
 
“A liberdade de expressão deve sempre ser protegida e incentivada, mas desde que não ultrapasse as raias da legalidade e constitua atentado à honra, à moral ou à autoridade alheias”, escreveu o magistrado, ao revisar caso em que a Defensoria Pública da União alegava que decisão da Corte castrense sobre desacato violava a Convenção.
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