17/07/2019 - 10:56 | última atualização em 17/07/2019 - 11:32

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A democracia não garante a liberdade, afirma Castells

Em palestra com o apoio da OAB Nacional, sociólogo espanhol apontou a comunicação como ponto central das relações de poder e disse que setores progressistas precisam dominar ferramentas digitais

Eduardo Sarmento

Para o sociólogo espanhol Manuel Castells, a democracia não garante a liberdade, embora a liberdade seja fundamental para a existência de uma democracia. A afirmação veio após considerações sobre a possibilidade de um tirano ser eleito pelo voto popular – "Hitler foi escolhido democraticamente", lembrou – e a ascensão de líderes de extrema direita em vários países do mundo. No centro deste debate, Castells colocou as novas formas de comunicação, decisivas não somente para entender, mas também para atuar e transformar essas relações de poder. Todas essas reflexões foram feitas no contexto do seminário 'Comunicação, Política e Democracia', realizado nesta terça-feira, dia 16, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), com apoio do Conselho Federal.

Palestrante do evento, o presidente da OAB Nacional, Felipe Santa Cruz, afirmou estar "profundamente preocupado" com as investidas contra a Ordem e com o que classificou como "massacre de reputações e esvaziamento institucional". Para Felipe, as ações coordenadas nas redes sociais demonstram a existência de uma agenda econômica e político-institucional. "A OAB está sob ataque por ser uma notória construtora de pontes e de diálogos", afirmou.

Castells explicou a polarização nas redes sociais e as já famosas "bolhas", onde encontram-se apenas ecos dos próprios pensamentos e tentativas de eliminar qualquer opinião divergente. O sociólogo fez um apelo para que setores progressistas explorem o potencial das ferramentas digitais e considerou que as pessoas não utilizam mais os sistemas de comunicação para buscar informações, mas sim confirmações. Ainda segundo ele, uma comunicação apelativa e fatores pouco racionais têm pesado a favor da ascensão do conservadorismo. "Estudos relacionados à neurociência social já demonstraram que somos fundamentalmente seres emocionais. Só assistimos aos programas de televisão e lemos os jornais com os quais concordamos. Basicamente, utilizamos nossa capacidade de raciocinar para controlar as emoções", colocou.

Outro ponto abordado por Castells foi o volume de dados concentrados na mão de poucas instituições e governos, em contraposição ao modelo de comunicação em rede. "Tem havido uma dissociação entre as formas de existência da informação e da comunicação. A informação, pela capacidade das corporações que controlam as redes sociais e das agencias estatais, está mais concentrada. Isso em um mundo em que a comunicação está cada vez mais descentralizada. São dois processos que interagem. Quanto mais comunicamos, participamos, mais informações são passadas, mais somos vigiados. Os poderes fáticos nunca tiveram tanta informação sobre a sociedade e cidadãos. Ao mesmo tempo, nunca tivemos tanta capacidade de comunicação", ponderou.

As redes sociais também foram destaque na palestra do diretor da FGV Marco Aurelio Ruediger, que fez uma análise estratégica dessas ferramentas e colocou-as como epicentro de profundas transformações políticas e econômicas do século 21. Ruediger ressaltou a importância das novas tecnologias para proporcionar interações em tempo real, mas fez um alerta em relação à criação de narrativas individuais e ao volume de interações de pessoas com notícias falsas.

As 'fake news' foram tema da exposição da editora da revista Piauí, Fernanda da Escóssia. A jornalista analisou as mudanças na disseminação de informações manipuladas ao longo do tempo e falou sobre o que chamou de "ecossistema de produção de conteúdos falsos", listando três pontos comuns encontrados na maioria das 'fake news': estratégia de afirmação da verdade, gramática similar à da estrutura jornalística e apelo de urgência.

O pesquisador da FGV Vinícius Wu mediou o seminário, que ao final contou com perguntas da plateia e debates com os palestrantes. O presidente da OAB/RJ, Luciano Bandeira, e o tesoureiro da Seccional e presidente da Comissão de Prerrogativas, Marcello Oliveira, prestigiaram o evento.

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