28/06/2011 - 16:06

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Decisão do STF beneficia toda a sociedade brasileira, diz especialista

Decisão do STF beneficia toda a sociedade brasileira, diz especialista


Do jornal O Globo

28/06/2011 - Professor de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o advogado Luís Roberto Barroso acredita que toda a sociedade brasileira foi beneficiada pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de reconhecer as uniões estáveis entre casais homossexuais. "Em alguns anos, isso parecerá tão inusitado quanto a tentativa de identificar quem se beneficiou com a abolição da escravatura ou com a emancipação feminina", diz Barroso, que trabalha como pesquisador-visitante em Harvard, nos Estados Unidos, até o fim deste semestre, e veio ao Brasil especialmente para representar o governo do Rio de Janeiro no julgamento da ação no STF. Ele ressalta que o primeiro a comprar a briga foi o governador do Rio, Sergio Cabral Filho. "Digo isso por justiça, pois nem o conheço pessoalmente". Em entrevista exclusiva, por e-mail, ele esclareceu o que muda, no País, com o reconhecimento das uniões homoafetivas.


O que, efetivamente, acontece a partir da decisão do STF? O reconhecimento da união estável homossexual também implica no direito à partilha de bens e patrimônio em espécie, em caso de morte ou separação do casal?
A união estável significa a parceria entre duas pessoas, com base na afetividade e em um projeto de vida em comum - não importa se é uma união convencional ou de pessoas do mesmo sexo. A opção pela expressão homoafetiva se deu porque, evidentemente, não se trata de uma relação fundada puramente na sexualidade. O traço dominante é o afeto, como em qualquer casamento ou união conjugal.

Qualquer casal com união estável pode requerer benefícios que já são concedidos aos heterossexuais? Quais seriam tais benefícios?
Os direitos e obrigações passam a ser iguais, sem a necessidade de qualquer formalidade diversa para a comprovação da relação. Do ponto de vista patrimonial, um companheiro tem, em relação ao outro, a possibilidade de exigir prestação de alimentos, os direitos sucessórios e o direito à partilha dos bens havidos em comum durante a união, no caso de dissolução do vínculo. Além disso, o STF reconheceu que a união estável entre pessoas do mesmo sexo constitui uma ''entidade familiar'', fazendo jus à proteção do Estado, tal como as demais modalidades de família. Isso assegura aos casais homoafetivos direitos previdenciários (público e privado), como o de ser dependente em plano de saúde ou em clubes sociais.

Casamento civil e adoção de crianças estariam, então, automaticamente permitidos a casais homossexuais?
Estas são duas questões menos simples do que assegurar direitos previdenciários. O casamento civil é o reconhecimento, por parte do Estado, de um contrato privado regido pelo Código Civil. Considerando a decisão do STF, acho que essa será a consequência natural. Quanto à adoção, já há uma decisão do STJ, com votos favoráveis à possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo. Como ninguém no STF desautorizou esse entendimento, acho que ele prevalece.

A decisão do STF é irrevogável? Existe algum subterfúgio legal que possa ser utilizado para negar a concessão dos benefícios?
Em tese, não seria impossível que o próprio STF viesse a rever sua decisão, uma vez que a interpretação do Direito em geral, e da Constituição em particular, é uma atividade sempre em aberto. Na prática, porém, tamanho retrocesso seria inimaginável. O Tribunal afirmou por unanimidade e de maneira particularmente enfática que a discriminação dos casais homossexuais viola os direitos fundamentais à igualdade e à liberdade, bem como a própria dignidade da pessoa humana. A decisão não deixou nenhuma brecha que permita a quem quer que seja, poder público ou privado, negar o reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas como entidades familiares, com todos os seus efeitos típicos.

Existe alguma estimativa de quantas pessoas serão beneficiadas pela decisão do STF?
No plano mais abstrato, acho que todos foram beneficiados, porque a tolerância deixa a sociedade melhor. E a verdade é que ninguém perdeu, como bem observou o Ministro Carlos Ayres. Os heterossexuais não perderam nenhum direito, nada foi modificado em suas vidas. Trata-se apenas de expandir a cidadania plena a todos, de tirar os homossexuais de uma clandestinidade que era uma forma de estigma. A decisão do STF é um marco porque afirma, de forma categórica, que os homossexuais têm direito igual ao respeito e à consideração. Não há dúvida de que se trata de um enorme contingente de pessoas que agora têm a opção de se engajar ou não em uma relação afetiva estável, com todos os direitos e consequências associadas a essa decisão.

 

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