08/11/2012 - 16:28 | última atualização em 09/11/2012 - 12:09

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Debatedores defendem regulamentação de prostituição

redação da Tribuna do Advogado

Um debate acalorado sobre a proposta de regularização das casas de prostituição, que foi aprovada por quase todos os debatedores, e um apanhado geral do projeto de reforma da Lei Penal encerraram o seminário que tratou durante três quartas-feiras, entre os dias 24 de outubro e 7 de novembro, de questões polêmicas contidas no novo Código (Projeto de Lei do Senado n º 236/2012). O evento foi realizado pela OAB/RJ em sua sede.
 
"A posição da OAB/RJ é publicamente crítica em relação ao projeto apresentado de reforma do Código Penal. Mas isso não nos impede de reconhecer validades nele, principalmente quando traz a tona discussão sobre temas polêmicos como esses", afirmou a presidente da Comissão de Bioética e Biodireito (CBB) da Seccional, um dos grupos responsáveis pela organização do evento, Maíra Fernandes.
 
Após falar sobre drogas, Direito Homoafetivo, aborto e eutanásia, entre outros tópicos de interesse público tratados no novo Código, o último dia do evento começou com uma mesa sobre a prostituição, mediada pela advogada e membro da CBB Sônia Correa e formada por Maíra; pelo juiz e vice-presidente do Fórum Permanente de Direitos Humanos da Emerj, Rubens Casara; pela socióloga e ex-prostituta Gabriela Leite; pelo deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ); pela antropóloga e membro da organização feminista Marcha Mundial das Mulheres, Alana Moraes; e pela presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, Margarida Pressburger.

Chega a ser irônico que uma sociedade que trata o sexo como mercadoria criminalize as casas de prostituição
Rubens Casara
juiz
Em uma das exposições mais aplaudidas pelos presentes, Casara afirmou que considera inconstitucional a tipificação das casas de prostituição como crime: "Esse tipo penal foi revogado quando a Constituição entrou em vigor, porque sua existência viola o projeto constitucional de tolerância e o principio da secularização, que enuncia que o Estado não se confunde com a Igreja e que o direito não se confunde com a moral".
 
Para Casara, o fato de o Estado continuar a considerar a existência desses lugares como criminosa se dá pelo que ele chama de uma "tradição autoritária da sociedade brasileira", uma "condição autoritária que faz com que a sociedade brasileira seja machista, sexista e acredite na pena para resolver os mais variados problemas sociais", segundo ele.
 
"Chega a ser irônico que uma sociedade que trata o sexo como mercadoria criminalize as casas de prostituição", afirmou, ainda, ponderando que não adianta mudar a lei se a tradição autoritária persistir.
 
Autor do Projeto de Lei nº4211/2012, que visa regulamentar a atividade das casas, o deputado Jean Wyllys disse que um dos pontos principais da proposta é diferenciar exploração sexual de prostituição, a fim de combater o crime, principalmente contra crianças e adolescentes: "Não existe prostituição infantil, e sim, exploração sexual de crianças e adolescentes. Prostituição só se dá quando a prática for voluntária, praticada por um adulto com total noção do que quer fazer com o seu corpo", justificou.

Não existe prostituição infantil, e sim, exploração sexual de crianças e adolescentes. Prostituição só se dá quando a prática for voluntária
Jean Wyllys
deputado
Segundo ele, o projeto levará políticas públicas de trabalho e saúde para a prostituta, que não tem sua prática coibida judicialmente, mas "acaba tendo que viver na criminalidade por contra da ilegalidade das casas".
 
Uma das maiores líderes de movimentos pelos direitos da classe no país, Gabriela Leite, concorda: "Tudo o que é proibido e existe cria uma máfia. E nós, prostitutas, não temos escolha a não ser lidar com gente criminosa".
 
"Com a regulamentação, uma prostituta terá a quem reclamar quando trabalhar em ambientes precários ou quando presenciar casos de exploração de menores. Hoje em dia, ela não tem como denunciar esses casos pois corre até risco de morte. Não há quem fiscalize", exemplificou Gabriela.
 
Com opinião contrária aos demais integrantes da mesa sobre a regulação, a feminista Alana Moraes acredita que a chamada "baixa prostituição", das profissionais mais pobres e nos lugares mais carentes, ainda não será contemplada com os direitos que constam no texto: "Legalizar os prostíbulos vai ao encontro dos interesses dos empresários da prostituição e parece não ser uma resposta eficiente, pois as meninas pobres continuarão a ser a 'carne' mais barata do mercado".
 
O último painel do seminário, também realizado no dia 8, contou com juristas para discutir, em aspectos gerais, o projeto de reforma do Código Penal.

Legalizar os prostíbulos vai ao encontro dos interesses dos empresários
Alana Moraes
feminista
Membro da comissão do Senado que formulou o texto, o desembargador pelo Tribunal de Justiça do Rio (TJ/RJ) José Muiños, explicou o trabalho do grupo para formular o projeto e afirmou que, apesar de o texto vigente atualmente ser de 1940, não está completamente desatualizado: "O Código de 1940 já sofreu inúmeras reformas e temos, hoje, cerca de 126 leis e códigos tratando de tema penal".
 
Muiños explicou que, dessas leis, cerca de 110 foram incorporadas ao projeto, além das sugestões colhidas em audiências públicas por todo o país.
 
O desembargador destacou também a influência do Direito Internacional na elaboração da proposta: "Foi necessário saber como o mundo está lidando comcertos assuntos antes de tratarmos deles".
 
Já a presidente da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas (Cdap) da Seccional e integrante da Subcomissão Especial de Crimes e Penas da Câmara dos Deputados, Fernanda Tórtima, que se mostrou "decepcionada" com o projeto, criticou a rapidez com que o texto foi elaborado: "Não me parece que oito meses seja tempo suficiente para a apresentação de uma reforma tão grande", disse ela.
 
Fernanda falou também sobre a ineficiência do aumento de penas: "Não se pode acreditar que a criação de leis possa, por si só acabar com determinada conduta penal. Isso é dar ao Direito Penal uma atribuição que ele não tem", salientou, observando que "o motivo para o aumento ou diminuição de penas deve ser a proporcionalidade do bem jurídico".
 
"Na questão do Jogo do Bicho, por exemplo, inserido no Código por violar a 'paz pública', não consigo visualizar um bem jurídico, pois não entendo como o jogo afeta a paz pública. O que afeta é o que está ao seu redor, e aí cabem outras tipificações", disse ela.
 
Participaram também da mesa, mediada pelo membro da Comissão Especial de Estudos do Direito Penal da OAB/RJ André Perecmanis, o membro da Comissão de Direitos Humanos Alexandre Tolipan e o professor e pós-doutor em Direito Penal Juarez Tavares.
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