12/07/2016 - 17:25 | última atualização em 12/07/2016 - 17:24

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Debate sobre cultura do estupro aponta necessidade de mudanças

site do TJ

A cultura do estupro no Brasil, as causas e consequências de uma ideologia que mantém um quadro perverso de violência de gênero ainda sustentado na sociedade e críticas ao sistema público de segurança e justiça foram temas de discussão nesta terça-feira, dia 12, na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj). Na palestra “A cultura do estupro e suas repercussões para a mulher na sociedade”, as participantes cobraram mudanças na estrutura de pensamento do Poder Judiciário e de diversas instituições sociais em resposta à opressão sofrida pela mulher.
 
Para a filósofa Marcia Tiburi, essas respostas têm que ser dadas aos agentes públicos e é necessário persistir na quebra do silêncio. “Nós já estamos dando várias respostas e ainda temos muitas para dar. A melhor resposta é o feminismo”, defendeu Marcia. Ela também afirmou que todas as instituições enraizadas na sociedade servem, historicamente, à ordem do “homem europeu branco”, composta pela estrutura de poder com exploração capitalista e diferenciação de gêneros e raças, até mesmo no âmbito religioso.
 
“A violência contra a mulher é uma constante cultural, porque é repetida”, disse a filósofa, que considera que o machismo estrutural na sociedade acaba, infelizmente, por naturalizar o estupro, muitas vezes acobertado por ações políticas que permitem a propagação desses ideais quando na imposição de poder.
 
A coordenadora da organização social CRIOLA, Lúcia Xavier, também acredita que a política é somente um dos fatores que colaboram na dinâmica da cultura do estupro. Ela considerou que o país não vive apenas uma onda conservadora em relação aos direitos das mulheres, e que o problema passa por todos os poderes. “Essa discussão não é nova, é uma reiteração da prática de violência”, criticou, apontando o estupro como mais uma das formas de toda a violência sofrida pelas mulheres.
 
De acordo com Lúcia, o racismo tem também estreita relação com a opressão e a violência contra a mulher, pela estruturação de poder que é determinada. “As mulheres negras se tornam vítimas preferenciais, porque a elas é imposta a condição de ‘objeto’. Às mulheres negras é concedida a violência. Por elas, nem sempre todo mundo se levanta em defesa”, afirmou.
 
A enfermeira Ruth Mesquita, da Secretaria Municipal de Saúde, palestrou sobre o que hoje se denomina a cultura do estrupo. Ela explicou a origem do termo cunhado por ativistas americanas, que se refere a uma construção social baseada em “normas” que devem ser seguidas pelas mulheres, motivadas por conceitos de determinação de poder e propriedade do corpo feminino. Ela defendeu que essa cultura é propagada por uma educação sexista de base, e que inibe a queixa das mulheres que sofrem agressões físicas e sexuais.
 
“A cultura do estupro estimula a crença de que se a mulher foi estuprada, de alguma maneira a culpa foi dela. Se não são encontradas as razões, aponta-se uma patologia, chamam o homem de monstro”, explicou, completando: “Abuso não é doença, é cultura do machismo”.
 
Algumas questões acerca da violência doméstica e a relação com a perícia previdenciária do INSS foram esclarecidas pela médica Adriana Maria Hilu. Ela afirmou que o órgão é, muitas vezes, o primeiro a ser procurado por mulheres que sofreram algum tipo de agressão, por se tratar da busca de um direito quando há afastamento do trabalho. Ao mesmo tempo, as mulheres que recorrem à perícia nem sempre relatam os casos de agressão. Por isso, segundo a médica, a formação médica tem que considerar como é atender uma mulher. “A humanização da medicina tem que ser pensada e reformulada”, defendeu Adriana Hilu.
 
O evento fez parte da 43ª reunião do Fórum Permanente de Violência Doméstica, Familiar e de Gênero da Emerj, presidido pela juíza auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) Adriana Ramos de Mello, que ao falar sobre a cultura do estupro, classificou as dúvidas sobre o futuro do direito das mulheres e seu reconhecimento de igualdade na sociedade como “uma grande angústia”, em meio a incertezas e falta de perspectivas em curto prazo.
 
O diretor-geral da Escola da Magistratura, desembargador Caetano Ernesto da Fonseca Costa, declarou que o debate é sempre de muito aprendizado, e destacou os diferentes pontos de vista apresentados. Para o magistrado, é preciso que os homens mudem conceitos. “Temos que enxergar as barbaridades desse comportamento de machismo do nosso dia-a-dia”, afirmou.
 
Emerj inaugura Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia
 
“De repente o trabalho é pequeno, apenas um grão num universo enorme, mas já começa com muita riqueza”. Foi assim que a juíza Adriana Ramos de Mello definiu o Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia (NUPEGRE), um grupo de estudos em Direitos Fundamentais criado pela Emerj para fomentar e estimular a produção do ensino em busca da igualdade social. O NUPEGRE tem como base as leis, tratados e convenções que garantem os direitos de grupos sociais minoritários.
 
“Aqui nós vamos trabalhar com questões que ainda têm certa invisibilidade”, explicou a juíza Adriana. Ela é membro do grupo de pesquisa, presidido pela juíza Maria Aglaé Tedesco Vilardo e que conta com a participação de outros magistrados, professores e alunos da Escola da Magistratura. O NUPEGRE já estuda e pretende estudar temas como o aborto, as medidas protetivas e o desaparecimento de mulheres e meninas.
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