15/02/2016 - 10:42

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A via-crúcis de quem precisa de mais do que está no rol da ANS

jornal O Globo

Diante do aumento dos casos de zika, garantir exames e atendimento às grávidas e aos bebês com microcefalia nas redes de saúde pública e privada tem causado debates acalorados. Cobrir só os testes rápidos para detecção do vírus é suficiente? Especialistas defendem a realização do exame PCR, que consideram essencial para comprovar a presença do material genético do vírus, enquanto as operadoras negam a cobertura. Já a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) diz não haver diretriz para garantir o teste, que tem custo médio de R$ 350. Pais de crianças com microcefalia relatam uma rotina de muitos cuidados de diferentes profissionais da área médica. O fato é que, para quem tem necessidades especiais, doenças congênitas ou raras, que demandam atenção específica e procedimentos que saem do rol da ANS, o caminho para conseguir um atendimento adequado pelos planos de saúde é árduo e, muitas vezes, passa pela via judicial.
 
Luís Carlos Moreira de Carvalho, de 67 anos, com espinha bífida - uma má-formação congênita caracterizada pelo fechamento incompleto do tubo neural - e paraplegia, viu sua situação se agravar por dois Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) que deixaram outras sequelas, e teve o pedido de home care negado pela Assim. Para conseguir o serviço, Allane Nogueira, sobrinha de Carvalho, recorreu ao Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência (IBDD), que entrou com ação contra a operadora, deferida em março de 2014, que inclui atendimentos especializados em domicílio. O caso está em fase de perícia judicial para avaliação da necessidade de continuidade do serviço. Procurada, a Assim Saúde disse não comentar ações em andamento.
 
"A preocupação é que o plano volte a suspender o home care, o que já aconteceu e nos fez voltar à Justiça para que fosse retomado", diz Allane.
 
A publicitária Ana Guedes não chegou a recorrer à Justiça para garantir os tratamentos indicados ao filho Tomás, de 3 anos, portador do transtorno do espectro autista. Mas procurou a "Defesa do Consumidor" para reclamar do atendimento da Amil. Quando o marido ficou desempregado, em janeiro de 2015, eles optaram pelo plano premium Lyncx da operadora, que, apesar de mais caro, além dos profissionais conveniados, oferecia reembolso de R$ 170 por consulta, justamente pelo fato de o menino necessitar de tratamento fonoaudiológico, psicológico, entre outros trabalhos de estimulação.
 
"A primeira decepção foi com o reembolso. A atendente da Amil disse-me que seria de cerca de R$ 100, pois os tratamentos eram feitos por fonoaudiólogos e psicólogos, que não têm CRM, já que não são médicos. E que o reembolso era limitado a 48 sessões de fonoaudiologia e 40 para psicóloga por ano, o que corresponde a cerca de seis meses de tratamento para o Tomás, o que não informaram na contratação", ressaltou Ana, confirmando que, após o contato com a "Defesa do Consumidor", suas demandas foram atendidas pela operadora.
 
A One Health, que administra os planos premium da Amil, informou ter prestado esclarecimentos à consumidora e ressaltou que oferece sessões de fisioterapia, psicologia e fonoaudiologia, como previsto no rol da ANS. E acrescenta que o limite e o valor de reembolso constam do contrato.
 
Membro da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência da OAB/RJ, o advogado Gonzalo Lopez diz que as queixas de Ana, quanto a reembolso e restrição a sessões de terapias, estão entre as mais comuns. À lista ele acrescenta a não cobertura para exames, tratamentos, internações e até preço diferente em função da deficiência.
 
"O rol de procedimentos estipula a cobertura mínima obrigatória a ser garantida pelos planos de saúde. Não limita o máximo dos procedimentos, tratamentos e sessões para cobertura", afirma.
 
A Justiça tem garantido tais direitos, acrescenta Lopes. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), por exemplo, determina na Súmula 102 que, "havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS".
 
"Pessoas com deficiência demandarão e têm direito a um número maior de sessões de fisioterapia ou terapia ocupacional", explica.
 
Campanha na internet para pagar exames 
 
A advogada Ana Paula Carvalho reforça que, havendo necessidade de se elevar a quantidade e os tipos de tratamentos, o consumidor pode e deve pleitear judicialmente a cobertura de todo o tratamento multidisciplinar que for prescrito pelo médico e demais profissionais que atendem o paciente: "O Judiciário entende que o médico é o responsável pela orientação terapêutica ao paciente".
 
Uma campanha na internet para arrecadar dinheiro para pagar testes genéticos e confirmar um diagnóstico foi o caminho encontrado pela família e por amigos de Aline Gomes Mendes, de 31 anos, diante da dificuldade em obter a autorização junto à Bradesco Saúde para exames fora do rol da ANS. Com R$ 14 mil em mãos, conseguiram pagar um exame, feito em janeiro, para porfiria, uma das possíveis causas dos sintomas que há três anos atormentam Aline, que trabalhava como analista de risco num banco e está internada desde novembro em um hospital. Nessa internação, ela perdeu a capacidade de andar, além de outros comprometimentos motores e da fala, e passou a ter convulsões.
 
"O resultado do exame sai em março, e há vários outros a serem feitos. E não conseguimos sequer a resposta formal da operadora de negativa dos exames", conta Camila Petrucci, irmã de Aline.
 
A Bradesco Saúde informa que está em contato com o médico da segurada para esclarecimento técnico do caso. A seguradora afirma que os procedimentos solicitados não estão previstos no contrato em vigor nem o rol da ANS.
 
Para Carlos Thadeu de Oliveira, gerente técnico do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), no caso de Aline, a saída pode ser judicial: "Não há outra solução se não pedir uma liminar à Justiça que garanta os exames, ou pagar e depois tentar reaver o dinheiro judicialmente".
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