23/03/2016 - 12:55 | última atualização em 23/03/2016 - 15:06

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Considerações sobre o sigilo da interceptação telefônica e a investigação criminal - Diogo Tebet

redação da Tribuna do Advogado

O país atravessa impressionante quadra de instabilidade institucional e política que se espraia, infelizmente, para o meio jurídico-criminal. O protagonismo excessivo do Poder Judiciário, explicável seja como produto de um ativismo judicial verificado nos últimos anos, seja como produto do vácuo de legitimidade dos representantes dos demais poderes – catapultado pelas notórias operações de persecução penal, sendo o exemplo maior a denominada “Operação Lava-Jato” (que, em verdade, se tornou uma instituição própria) –, encontra-se afetando decisivamente o manejo e a própria compreensão de diversos institutos processuais penais.

Na maioria das vezes o que se vê é o desvirtuamento de tais institutos que, nos dias de hoje, se descolaram, de forma impressionante, do balizamento contido na Constituição Federal e na própria jurisprudência dos tribunais superiores, antes consolidada justamente nesses parâmetros derivados do texto constitucional. Tal fenômeno pode ser explicado por diversos motivos, jurídicos e/ou metajurídicos, sendo certo que essas breves linhas não se propõem a analisar nenhum deles.

De qualquer forma, tendo em vista os recentes acontecimentos nacionais de inegável relevância, a saber, medida de interceptação telefônica de ex-presidente da República, é de se proceder a breve e eminentemente jurídica e técnica análise de alguns dos aspectos da Lei nº 9.296/96 (Lei de Interceptação Telefônica), sua inserção no âmbito da investigação criminal, suas características e a conformação constitucional.

A interceptação telefônica é definida como meio oculto de obtenção de prova utilizado na investigação criminal, tendo natureza jurídica de medida cautelar. Por ser um dos meios mais invasivos que existe em nosso ordenamento jurídico processual penal – por violar direta e drasticamente a intimidade do cidadão investigado –, encontra-se minuciosamente regrado nos dispositivos legais da Lei nº 9.296/96 (notadamente os artigos 2º, 4º e 5º), cujo atendimento deve ser seguido pelos aplicadores da lei (magistrados), de forma rigorosa, como decorrência do devido processo legal (art. 5º, inciso LIV, da CF).

Nesse sentido, é de se destacar o artigo 8º do referido diploma legal, que dispõe sobre o sigilo da medida, enunciando: “A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas.”

Tal diretriz emana de um duplo substrato: (i) sob o prisma da preservação da eficiência da investigação criminal em andamento (vedação à publicidade interna) e (ii) sob o prisma do investigado, visando a resguardar e preservar o direito constitucional à intimidade (art. 5º, inciso X, da Constituição Federal), quando encerrada a medida (vedação à publicidade externa).

No que toca aos interesses diretos da investigação – ponto que interessa ao presente –, o sigilo se presta a preservar a continuidade e eficiência das investigações, sendo certo que para esse meio de prova funcionar, minimamente, o sigilo e o desconhecimento de sua existência pelos alvos são essenciais para o êxito e prosseguimento da colheita da prova.

Nesse sentido, o levantamento do sigilo das gravações e transcrições respectivas só é permitido perante o investigado e sua defesa quando encerrada a investigação pré-processual e inaugurada a persecução penal em juízo, a fim de permitir, por óbvio, o exercício da ampla defesa. Em relação a terceiros, a vedação ao levantamento do sigilo é absoluta, mesmo quando finda a medida.   

No que toca à impossibilidade do levantamento do sigilo em investigação criminal ainda em curso, tal vedação se impõe, como dito, por disposição legal com o fim de preservar o êxito das investigações.

A lei não confere, nesse ponto, qualquer discricionariedade ao magistrado, vez que impõe o sigilo absoluto das gravações e transcrições, tanto em decorrência expressa da Lei de Interceptação já mencionada, como por disposição regulamentar pelo Conselho Nacional de Justiça (cf. art. 17, da Resolução 217/2016).

Não há qualquer relativização sobre o tema no texto da Constituição Federal, da lei, ou da resolução mencionada, seja pela superveniente e suposta falta de espontaneidade dos futuros diálogos de um dos alvos – não servindo como justificativa o fato, por exemplo, de um alvo poder desconfiar da existência da medida –, seja por se tratar de eventual crime contra a Administração Pública, seja ainda por ter sido detectado qualquer tentativa de obstrução à Justiça.

Aliás, mesmo que procedente a desconfiança de que apenas um alvo soubesse da existência da medida, é de se ponderar que o espectro da quase totalidade das grandes operações policiais dos últimos tempos abarca inúmeras pessoas-alvo, sendo certo que a continuidade da medida de interceptação telefônica mantém, não só a higidez da coleta da prova de outros diálogos, como dá azo a outras relevantes investigações (como costumeiramente se vê, de fato).

Adicionalmente, o fato de eventual mudança de foro em que se tramita a investigação não autoriza, da mesma forma, o levantamento do sigilo. Nesse ponto, ao contrário, a vedação se justifica sobremaneira pelo fato de que caberá a autoridade judiciária competente decidir pelo prosseguimento ou não da medida de interceptação telefônica.

Tal conclusão é encontrada na recentíssima decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, que expressamente enuncia que “não há como conceber, portanto, a divulgação pública das conversações”, sendo ainda “descabida a invocação do interesse público da divulgação ou a condição de pessoas públicas dos interlocutores atingidos, como se essas autoridades, ou seus interlocutores, estivessem plenamente desprotegidas em sua intimidade e privacidade”. (STF, RCL 23457 MC/PR, 22.3.2016)
 
Qualquer outra justificativa a fim de embasar eventual necessidade de levantamento do sigilo de medida cautelar de interceptação telefônica, de investigação em andamento ou encerrada, esbarra frontalmente no texto legal, constituindo, em verdade, fundamento meta jurídico não autorizado em lei.

Concluindo, sob qualquer ângulo eminentemente jurídico legal em que se examine a questão, é terminantemente vedado o levantamento ou quebra do sigilo de gravações e transcrições oriundos de interceptação telefônica, sendo certo que somente se permite, a fim de propiciar o exercício da ampla defesa pelos investigados, a publicidade interna e restrita, entre as partes, após o encerramento da medida de interceptação. 
 
*Diogo Tebet é presidente da Comissão de Processo Penal e vice-presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ.
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