21/07/2008 - 16:06

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Conselho Federal quer fim do confronto entre instâncias de Justiça

Conselho Federal quer fim do confronto entre instâncias de Justiça

 

 

Do Jornal O Pioneiro

 

21/07/2008 - Em meio a acusações de insurgência no Judiciário, após o prende-e-solta do caso Daniel Dantas, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) comentou o engalfinhamento entre magistrados. Britto refutou conflitos entre as instâncias de Justiça no país e pediu que o confrontamento cesse. "Quando os órgãos de bem brigam, ganham aqueles que cometem os crimes. Em vez de ficarmos discutindo a espetacularização, devemos nos concentrar no combate à corrupção. É fato que essa última operação dividiu o Poder Judiciário", apontou.

 

A passagem de Britto pela serra do Rio Grande do Sul ocorreu na última quarta-feira, quando palestrou no 29º Encontro Nacional dos Estudantes de Direito (Ened), realizado na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Com críticas ao que chamou de mercantilização das faculdades que preparam futuros juristas, disse que as instituições no Brasil deixaram de priorizar a qualidade no ensino. "O saber jurídico virou uma atividade lucrativa", acusou.

 

Advogando desde 1985, Britto, 46 anos, preside também a União dos Advogados da Língua Portuguesa (UALP), que reúne 10 países. Nascido na cidade de Própria, em Sergipe, é casado e pai de quatro filhos. Em entrevista ao Pioneiro, ele alfinetou o Estado, sugerindo negligência dos governos quanto à criação de defensorias públicas. "Não é que os ricos sejam soltos velozmente porque têm advogados. É que os pobres não têm esse acesso", analisou.

 

 

Leia na íntegra a entrevista.

 

A política e a Justiça travam, hoje, um embate no Brasil? Até que ponto interesses políticos conflitam com leis e o Direito?

Essa última discussão das bases do governo contra o Supremo Tribunal Federal (STF) foi um exemplo ruim para o Brasil. Não temos dúvida de que a Justiça saiu perdendo. Faz parte do sistema uma decisão ser revogada com outra. O erro está em politizar essa questão. Deveriam ter conversado mais e exposto menos o Judiciário.

 

 

Até que ponto essas demonstrações públicas de divergências internas podem atrapalhar o processo democrático?

Espero que os membros do Judiciário resolvam seus problemas e não continuem a criar essa imagem de impunidade. Se não acreditamos na Justiça vamos gerar duas coisas: ou uma legião de cidadãos acomodados, que começa a pensar que não adianta brigar com os ricos e poderosos porque nada irá acontecer, ou uma geração que quer fazer uma vingança com as próprias mãos. Esses dois pensamentos são ruins para a democracia. Precisamos de um Judiciário valorizado, ágil e independente.

 

Como chegar a esse patamar ideal?

É preciso ampliar as estruturas com mais juristas, não com prédios. O problema é que o Judiciário recebeu mais na estrutura física do que na humana, gerando esse acúmulo de processos.

 

Fala-se que as leis são permissivas. Como o senhor observa esse posicionamento que rotula o Judiciário brasileiro?

O recurso faz parte do sistema democrático. O equívoco é achar que ele é sinônimo de morosidade.

 

Por exemplo...

Vamos supor que haja um processo parado no tribunal por 10 anos. O advogado teve 15 dias para recorrer, mas o tribunal teve nove anos, 11 meses e 15 dias para julgar. Essa simples observação demonstra que não é o recurso que faz a morosidade, mas o não-cumprimento dos prazos por parte de quem deveria julgar.

 

O Executivo pode colaborar para acabar com a morosidade do Judiciário?

O Executivo, em geral, não respeita o Judiciário. Criou a prática perversa de imposição de recursos protelatórios em matérias já decididas pelo próprio Judiciário. Se olharmos que os tribunais superiores, hoje, acumulam quase 70% dos seus processos em ações repetitivas e recursos protelatórias do Estado, devemos chegar ao reconhecimento de que a morosidade tem dedo do próprio Estado.

 

O Brasil viu um Judiciário ágil no caso Dantas, comparando casos de menor repercussão. Seriam esses traços de que poder, dinheiro e possibilidade de aparecer na mídia alteram a velocidade de processos?

Tenho defendido que determinados casos de repercussão nacional devam receber prioridade no julgamento, até para servir de abalizador à sociedade de como pensa o Judiciário. O grande problema destes casos é que eles recebem destaque na mídia por determinado tempo e, com a mesma velocidade que surgiram, desaparecem. Essa superexposição com desaparecimento súbito gera uma sensação de impunidade. É por isso que devem ser julgados de forma célere, garantidos, evidentemente, os direitos de defesa.

 

Como o cidadão comum poderia chegar a ter benefício dessa velocidade que se mostra possível em casos de repercussão? Faltam defensores públicos?

Os pobres estão presos e os ricos são soltos velozmente não porque os últimos tenham advogados, mas porque os pobres não têm. O Estado não cumpre seu dever constitucional de criar defensorias públicas. Se os pobres tivessem advogados, se as defensorias públicas funcionassem no Brasil, eu não tenho dúvidas de que boa parte desses que estão presos, lotando o sistema penitenciário brasileiro, estariam soltos. Não é que os ricos não estejam presos porque têm advogados. Os pobres estão presos exatamente porque não os têm.

 

O que deflagrou isso que a mídia chamou como guerra de togas?

O conflito interpretativo faz parte da realidade do Poder Judiciário, até porque o sistema recursal está presente na Constituição e é fundamental para o Estado Democrático de Direito. A questão tornou-se polêmica porque houve uma politização de determinado recurso utilizado por advogados no que se refere às últimas operações. Essa politização causou estranheza. A Ordem espera que essa briga cesse, até porque a unidade do Judiciário é importantíssima para que se combata a corrupção no Brasil. Quando os órgãos de bem brigam, ganham aqueles que cometem os crimes.

 

Como esses desdobramentos de desavenças no Judiciário irrompidos pela Operação Satiagraha podem afetar a formação de futuros advogados?

Política deve estar presente em todas as pessoas. O que não se pode confundir é política partidária com justiça e com o Poder Judiciário. Não se pode partidarizar uma decisão judicial assim como não se pode dar cunho partidário na interpretação de uma decisão.

 

Temos instituições preparadas para auxiliar na formação de estudantes de Direito?

Devemos nos preocupar em como estão sendo constituídas as faculdades de Direito no Brasil. Infelizmente, nos últimos anos, tem prevalecido o critério de quantidade de faculdades sobre o da qualidade. É por isso que a mercantilização tomou conta do ensino do Direito no Brasil, ao ponto de nós termos hoje mais de 1,2 mil faculdades de Direito. É possível afirmar que podemos ter hoje temos mais de 2 milhões de vagas nestes cursos, quando no mundo há 2,1 milhões de advogados. O saber jurídico virou uma atividade lucrativa, não como queria a Constituição Federal: uma ação de inclusão social e de preparação dos futuros profissionais para que exerçam os órgãos encarregados de distribuição da justiça. Esses próximos bacharéis em Direito participarão do poder republicano e terão que levar justiça para o povo brasileiro. Essa afirmação constitucional implica em reconhecer que o ensino preparatório desses futuros profissionais tem relevância institucional.

 

Durante a semana passada, o delegado da operação que prendeu Dantas pediu para sair. Nos bastidores, fala-se que ele estaria sendo pressionado para deixar o cargo. Como fica, perante a opinião pública, a credibilidade das instituições nessa situação?

Não conheço as razões que levaram o delegado a sair da operação. Espero que não tenha qualquer conotação política no afastamento, porque aí seria uma interferência indevida na autonomia da Polícia.

 

Caxias recebeu a Caravana da Anistia, que concedeu reparações a perseguidos políticos da época da ditadura. Como o senhor vê essa iniciativa do Estado?

A razão de ser destas caravanas é mostrar ao Brasil que a ditadura não pode voltar. A lógica policialesca não pode voltar. O Estado policial é um inimigo que deve ser enfrentado. Nesse momento atual de democracia e de consolidação das estruturas republicanas, é fundamental a lembrança de que o Estado policial é perverso. É um aviso democrático de que não queremos o retorno da lógica autoritária.

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