29/10/2021 - 13:09 | última atualização em 04/11/2021 - 13:20

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Comissão da OABRJ consegue ‘destravar’ processos de quase 10 mil colegas

Clara Passi


Pergunte a qualquer advogado ou advogada o que mais lhe incomoda quando se fala em Judiciário. Um ou outro se lembrará de situações em que foi vítima de abuso de autoridade, mas todos se queixarão de ter sofrido com o  atraso no andamento dos processos que patrocinaram em algum momento de suas carreiras. 

A morosidade processual, essa velha conhecida da advocacia, traz ao jurisdicionado a angústia da falta de resolução dos feitos. Mas para a advocacia que atua em casos cujo recebimento dos honorários advocatícios é condicionado ao êxito há o custo adicional da privação, por prazo indeterminado, do recebimento dessas verbas de caráter alimentar. 

Um levantamento da Ouvidoria do Conselho Nacional de Justiça publicado em 2020 deu conta de que a lentidão processual é a campeã entre as queixas recebidas pelo serviço desde a criação, em 2010. De 2018 até o ano passado, mais da metade de todos os contatos de jurisdicionados ao setor trataram do tema. 

Para atuar em parceria com os tribunais visando efetivar o ditame constitucional do princípio da duração razoável do processo, a gestão Luciano Bandeira instituiu a Comissão de Celeridade Processual (CCP) pouco tempo após a posse, em 2019. A presidência ficou a cargo de Paulo Grossi (que é também diretor de Valorização da Advocacia da Seccional) e da vice, Monica Adur. Recentemente, Adur assumiu a liderança enquanto Grossi implementa, a pedido do presidente do Conselho Federal, Felipe Santa Cruz, a Comissão Nacional de Celeridade Processual.   

O trabalha começa com o recebimento dos pedidos de assistência dos colegas (são em média 250 mensagens por mês) pelo endereço  [email protected] e a realização de diligências às serventias do estado. Os alvos recorrentes são as varas de Órfãos e Sucessões e de Fazenda Pública (TJRJ) e os processos em fase de execução em todas as cortes fluminenses (TJRJ, TRT1 e TRF2). 

Na quase totalidade das vezes, a comissão consegue destravar o andamento das ações em um primeiro contato com a serventia. Os casos mais complicados são levados à Corregedoria do TJRJ, órgão com o qual Grossi e Adur estreitaram relações desde o início deste triênio. Como a taxa de sucesso desta intervenção da OABRJ é de 100%, os dirigentes comemoram agora o resultado superlativo desse trabalho em moto-contínuo: quase 10 mil colegas satisfeitos e um sem-número de processo destravados, pois cada colega costuma enviar num mesmo email até 30 processos. 

Durante a pandemia, as caixas de email da comissão se abarrotaram: o número médio de mensagens chegou a triplicar desde 2020. Pelo menos 85% dos casos que foram objeto das diligências neste período referem-se à  morosidade na expedição dos mandados de pagamento, especialmente pelo TJRJ. Esta questão mobilizou não só a CCP, mas toda a OABRJ. Ficará marcada na história da Seccional a força-tarefa empreendida pela gestão Luciano Bandeira junto aos bancos públicos, que gerou convênios que facilitaram a liberação de milhares de alvarás, precatórios e RPVs, viabilizando a sobrevivência da classe durante a crise sanitária.  

“Está sendo reconfortante para a advocacia saber que pode contar com mais esse serviço da Ordem para lhe dar suporte", diz Adur.

Grossi avalia que o trabalho de “formiguinha” dos mais de 40 delegados da CCP, que atuam em rede com coordenadores nas 63 subseções da Ordem com carta branca para agir junto às comarcas do estado, será sempre o de enxugar gelo enquanto a realidade mais ampla do Judiciário não for alterada. Ou seja, enquanto o número de processos que entram no sistema for maior do que o de concluídos. 

“O problema é multifatorial. Os operadores do Direito - a magistratura, os advogados e advogadas que recorrem ou o Ministério Público - não têm culpa isoladamente.  É o caso de se agir em conjunto. Uma via seria elaborar critérios objetivos para a duração aceitável de cada ato processual”.

Em paralelo ao trabalho passivo de receber as queixas da advocacia, a CCP levou para a Ordem o reforço do catedrático da Uerj Paulo Cezar Carneiro Pinheiro, conhecido entre os pares como PCPC, para desenhar cenários de médio e longo prazo que sustem o curso dessa bola de neve. PCPC fez parte da comissão que elaborou no Congresso o Código de Processo Civil de 2015. 

Caminhos abertos com ajuda da OABRJ


A CCP prestou auxílio a Bianca Pinto Teixeira, que não conseguia receber seus honorários advocatícios sucumbenciais, embora já estivessem depositados na conta judicial, pois a 4ª Vara Cível da Capital cometia inúmeros equívocos, quando era preciso apenas certificar o trânsito em julgado e expedir o mandado de pagamento. E todas as vezes em que os serventuários organizavam os documentos relativos ao caso, Teixeira voltava para o final da fila da ordem cronológica. Aflita, a advogada chegou a denunciar o descaso a uma rádio. Após três diligências dos representantes da CPP com o chefe de serventia, serventuários e juíza, o mandado eletrônico de Teixeira foi expedido, poucos dias antes do Natal daquele ano. 

“A advogada, já entristecida e sem esperanças em receber antes das férias,  teve os valores depositados na conta bancária”, lembra Mônica Adur.

A comissão prestou auxílio a uma advogada gestante que requereu prioridade na sustentação oral. Embora a colega tivesse encaminhado diversos emails comprovando seu estado e vislumbrando a preferência nas sustentações orais  garantida pela Lei de n. 13.363/16 não obteve nenhum retorno da serventia ou o cumprimento de qualquer diligência.

Recebido o pedido de intervenção, a comissão, por meio de seus delegados, atuou no caso entrando em contato com a serventia e a ouvidoria do tribunal, mas não teve sucesso.

Em setembro de 2020, os representantes da Ordem oficiaram ao TRF2 para que o caso fosse averiguado e as medidas cabíveis fossem tomadas. Tão logo encaminhado o ofício, o pleito foi atendido com a devida inclusão da sustentação em pauta. 

Falcão, que é autônoma, conta que o problema começou quando deu entrada no salário-maternidade durante a gestação da primeira filha.

A advogada, então, aguardava ansiosamente pelo julgamento do recurso que interpôs por discordar do valor da condenação do INSS por danos morais e teve seu direito à prioridade desrespeitado. Foram incontáveis ligações e emails até que Falcão se socorreu da Ordem. 

“Quando a OABRJ entrou no circuito, o juiz me atendeu por videochamada e rapidamente meu processo foi julgado. Foi a primeira vez que contei com a ajuda desta comissão, que desempenhou um trabalho excepcional. É lamentável que o Judiciário só consiga respeitar os direitos dos jurisdicionados quando há a intervenção de um terceiro e ainda bem que a Ordem existe para desempenhar este papel”. 

  • TJRJ, abril de 2021

Um dos grandes problemas que a CCP encontra é a questão da vara única no interior, em que um único juiz acumula todas as demandas. Um advogado (que não quis se identificar por temer retaliação, já que não houve término da demanda) levou à comissão mais de cem ações de desapropriação que tramitavam há dez anos sem sentença. Após a intervenção da comissão, fez-se necessário levar o caso à Corregedoria do TJ, e lá os representantes da Ordem conseguiram fazer com que todas as ações fossem movimentadas e levadas à conclusão.

  • TRT1, abril de 2021

Uma das principais queixas da advocacia nesse período pandêmico é o despacho com o magistrado. Por conta da pandemia, os despachos passaram a ser de maneira virtual, sendo necessário um agendamento prévio. A CCP interveio no caso de um advogado que tentava sanar um erro no processo em que os embargos de declaração não eram remetidos para o órgão julgador e a serventia não prestava esclarecimentos. Ao tentar resolver o problema com o magistrado,  também não se conseguia marcar o despacho virtual. Após a intervenção da comissão junto à serventia, houve o andamento do feito, com devido agendamento do despacho com o magistrado e a remessa dos embargos ao órgão julgador.

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