14/02/2017 - 18:50 | última atualização em 15/02/2017 - 13:42

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Comissão irá recorrer sobre decisão no caso Izaqueu Alves

redação da Tribuna do Advogado

A Comissão de Igualdade Racial (CIR) da OAB/RJ irá recorrer da decisão que, em primeira instância, indeferiu a ação indenizatória requerida pela entidade em favor do fotógrafo Izaqueu Alves, vítima de racismo por parte de dois policiais militares em dezembro de 2010. A juíza titular da 15ª Vara de Fazenda Pública, Roseli Nalin, julgou improcedente o pedido, acatando solicitação do titular da 8ª Promotoria de Justiça e Fazenda Pública, Lúcio Romulo Soares. Tanto a juíza quanto o promotor desqualificaram as acusações de injúria e de desacato em suas manifestações – o que contraria a decisão judicial que deu ganho de causa à CIR e a Izaqueu na ação criminal movida anteriormente, e na qual os policiais foram condenados por abuso de autoridade e injúria qualificada, recebendo as penas de prestação de serviço, pagamento de cesta básica e comparecimento mensal ao fórum, pelo período de dois anos. 
 
O promotor alegou, para pedir o indeferimento da ação indenizatória, que quando “debruçou-se sobre a única prova produzida” – o áudio da ligação feita por Izaqueu Alves para o telefone de emergência 190, questionando o procedimento dos agentes, e no qual estão registradas as ofensas proferidas pelos policiais – verificou “possível equívoco da equipe técnica da CSI (Coordenadoria de Segurança e Inteligência do Ministério Público) ao elaborar o laudo”, e por isso requereu novo laudo. Como o resultado apontou que não é possível ter certeza de que o policial teria proferido a frase “Crioulo não é porra nenhuma”, base da acusação, Soares afirmou no relatório que ele próprio, ao ouvir “inúmeras e repetidas” vezes o trecho, chegou à conclusão de que, na verdade, o policial teria dito: “Ninguém te chamou de crioulo nem porra nenhuma” – e que, para confirmar sua impressão, bastaria a qualquer pessoa ouvir o áudio novamente.
 
Para o promotor, seria “indubitável que os policiais se sentem ofendidos quando possivelmente tenham sido chamados de racistas”, o que justificaria a “falta de urbanidade” com que estes trataram o fotógrafo. Além disso, Soares argumentou que “os agentes da lei exerciam suas funções de averiguação”, e “encontrando uma máquina fotográfica profissional na mochila do autor”, exigiram a documentação do aparelho, o que segundo Soares seria “necessário a provar-lhe a origem lícita”. Do ponto de vista legal, no entanto, não é obrigatório que fotógrafos carreguem consigo documento de registro profissional ou nota fiscal referente à propriedade do equipamento.
 
A magistrada, por sua vez, acatou todas as alegações do promotor, afirmando que “caberia ao autor provar que houve excesso na condução da diligência, o que não logrou êxito”. A visão de Roseli Nalin contraria decisão da 19ª Vara Criminal de agosto de 2013, que considerou que, de fato, houve abuso de autoridade e injúria racial por parte dos agentes policiais, conforme a denúncia da promotora Andréa Rodrigues Amin, da 22ª Promotoria de Investigação Penal em novembro de 2012. A juíza considera na sentença que “o autor reconhece que se negou a apresentar a carteira de fotógrafo que estava sendo solicitada pelo policial militar”, e que tanto a “abordagem” quanto a “condução em viatura policial à delegacia” são “trâmites administrativos pertinentes” ao trabalho cotidiano dos agentes. Cabe ressaltar, mais uma vez, que não existe obrigatoriedade legal para que fotógrafos profissionais portem documento de identificação, e a ausência desse documento tampouco configura motivo para condução à delegacia.
 
Para o secretário-geral da CIR, Rogério Gomes, há provas robustas de racismo, além do fato de a comissão ter logrado êxito no processo criminal em defesa de Alves. “Muito embora os juízes sejam independentes, essa sentença é um exemplo concreto da postura omissiva, comissiva e condescendente das autoridades, nesse caso o Ministério Público e o Poder Judiciário. Vamos recorrer acreditando na sensibilidade do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, para repararmos essa injustiça. O caso é emblemático e, se preciso, iremos ao Supremo Tribunal Federal (STF). Que isso sirva de orientação para situações semelhantes”, assinala.
 
Gomes ressalta ainda que a omissão do Estado diante dos casos de racismo é recorrente. “Quando ocupava o cargo de Superintendente de Igualdade Racial do Governo do Estado, requeri, junto com outros representantes dos municípios, aos Conselhos Nacionais de Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP) uma audiência Pública sobre os casos de racismo e crimes correlatos nos estados. O objetivo era questionar a postura dos promotores e juízes, citando alguns exemplos de repercussão como os do ator Vinicius Romão, preso injustamente, e da auxiliar de serviços gerais Claudia Ferreira, morta pela polícia”, acrescenta.
 
Entenda o caso

O fotógrafo Izaqueu Alves foi abordado no dia 8 de dezembro de 2010, enquanto aguardava uma amiga na estação do metrô de Vicente de Carvalho. Dois policiais consideraram suspeito o fato de ele estar parado segurando uma mochila. Ao descobrirem que havia uma câmera fotográfica na bolsa, exigiram a apresentação de um registro profissional. Izaqueu se recusou, uma vez que não é necessário registro para o exercício da profissão, e foi então algemado e levado à 27ª Delegacia de Polícia, sob a acusação de desobediência e desacato. "A máquina é um objeto e vivemos em uma sociedade de consumo. Se eu comprei é minha, não preciso ter nenhum registro, a não ser que provem que eu roubei", disse Izaqueu na ocasião.
 
A Comissão de Igualdade Racial foi determinante para que o fotógrafo passasse da condição de réu à de vítima – em 2013, os policiais foram requisitados pela juíza da 19ª Vara Criminal, acusados de abuso de autoridade e injúria grave. Após a condenação dos agentes, foi ajuizada a ação por danos morais.
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