12/07/2022 - 18:40 | última atualização em 12/07/2022 - 18:46

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Comissão discute o ECA em evento na Seccional

Estatuto completa 32 anos em um cenário de desafios na proteção de crianças e adolescentes

Felipe Benjamin


Os 32 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foram tema de um evento realizado no Plenário da Seccional e organizado pela Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente (CDCA) da OABRJ, com o apoio da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias (IBDFam), do Observatório Nacional da Adoção (OBNad), e da Associação do Movimento de Adoção do Rio de Janeiro (Amar).

A abertura ficou a cargo da presidente da CDCA, Silvana do Monte Moreira, que destacou as lutas para que crianças sejam qualificadas como sujeitos de Direito, e a presença de representantes do Ministério Público, do Tribunal de Justiça e da Defensoria Pública no evento; e da vice-presidente da OABRJ, Ana Tereza Basilio, que celebrou o trabalho da comissão.

"Temos que comemorar esses 32 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente que representa uma enorme evolução legislativa e civilizatória", afirmou a vice-presidente. "Temos muito orgulho dessa legislação, que é uma das normas mais avançadas do mundo sobre o tema, ainda que muitas vezes tenhamos dificuldades em implementar seus dispositivos. Embora a legislação respalde a criança, sabemos que a educação segue sem ser prioridade dos governantes e das políticas públicas, mas essa é uma batalha que nunca deixaremos de lutar.  Então o trabalho desta comissão é exatamente esse: trazer a debate o estatuto, seus aprimoramentos, cumprimentos e execução, lutando pelo aperfeiçoamento e complementação das normas".


O primeiro painel - que teve como palestrantes o defensor público do estado e coordenador de Infância e Juventude, Rodrigo Azambuja, e o promotor de Justiça do Ministério Público e coordenador do Centro de Apoio Operacional  da Infância e Juventude, Rodrigo Medina - discutiu os desafios para implementação da Lei nº 14.344/2022. Batizada com o nome do jovem Henry Borel, morto por espancamento pelo padrasto, o vereador Dr. Jairinho, em março de 2021, a lei cria mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e ao adolescente.

"Muitos de nós crescemos aceitando que educar com algum castigo físico era algo natural", afirmou Azambuja. "Foi preciso, em 2014, que a Lei 13.010, conhecida como Lei da Palmada, proibisse de forma expressa a utilização de castigos físicos contra crianças. O grande desafio para tornar essa lei concreta e combater de forma eficaz a violência contra a criança é mudar essa cultura, que vem desde os tempos do Império Romano, e envolve todo um questionamento das relações sociais".

Para Rodrigo Medina um dos cuidados ao lidar com a violência contra crianças é evitar uma possível revitimização dos menores. "Sem recursos públicos e só com boa vontade e ideias interessantes, não é possível pensar em políticas públicas", afirmou o promotor.

"Na verdade, a Lei Henry Borel é mais que uma lei que cria mecanismos. Ela cria um novo sistema de proteção a crianças e adolescentes, que deve ser conjugado aos outros sistemas e normas já existentes. Ao contrário da Lei Maria da Penha, que já define as formas de violência contra mulher, a Lei 14.344 não faz isso. As formas de violência contra a criança já estão definidas na Lei 13.431. Sempre que falamos de violência contra a criança, sempre falamos em evitar a revitimização, que seria o discurso ou a prática institucional que submete crianças e adolescentes a procedimentos desnecessários, repetitivos e invasivos, que levem a vítima a reviver a situação de violência. A criança fala na delegacia, no IML, no Ministério Público, na Vara da Infância, na Vara Criminal. Por não fazer uma atuação refletida, muitas vezes o profissional que está fazendo a intervenção causa uma nova violação de direitos".

Novas medidas em busca da proteção


Psicóloga do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), Sandra Pinto Levy falou sobre o protocolo do Depoimento Especial, que idealizou após testemunhar a dificuldade das vítimas em se expressarem durante as inquirições. "Quando crianças chegavam ao Judiciário, notamos que elas eram submetidas a mais uma violência: elas eram escutadas como adultos, na sala de audiências, com todos os operadores do Direito e o próprio acusado", contou a psicóloga.

"Com o agressor, a criança está em lugar de objeto de uso e abuso, e numa audiência tradicional ela também está lá para usos e abusos do Direito. Precisávamos de uma normativa para proteger a vítima e conseguimos um protocolo que diferencia escuta e inquirição, passando a ter um lugar ativo, de fala e protagonismo. Fazemos intervenções de cuidado, sustentamos uma escuta da subjetividade, o que propicia novos caminhos de expressão do trauma, libertando o sujeito da inquirição objetiva".

O Pacto Nacional pela Primeira Infância foi o tema da palestra de Raquel Pereira Chrispino, juíza do TJRJ e membro da Coordenadoria Judiciária de Articulação das Varas da Infância e Juventude do TJRJ.

"Acabamos de ter uma grande vitória com a criação e homologação da Vara Especial Criminal da Criança Vítima, uma conquista buscada há muitos anos", afirmou a juíza. "Tínhamos três pontos a apresentar para o presidente do TJ e que foram os pontos iniciais do projeto: os filhos de pais privados de liberdade, o acolhimento na primeira infância e famílias em situação de vulnerabilidade social e a valorização da paternidade. Outro tema com o qual lidamos é a erradicação do sub-registro, que é um gravíssimo problema internacional. A certidão é a porta de entrada da cidadania, mas ela tem estado fechada. Sem documentos as pessoas que formam essa legião de invisíveis não são atendidas pelos postos de saúde e, posteriormente, os cemitérios também não querem enterrá-los".

A presidente da CDCA encerrou o evento relembrando o recente caso de violação do sigilo no sistema de adoção que dominou as manchetes no fim de junho.

"Parece-me que temos leis maravilhosas como o próprio ECA, mas que seguem sem atendimento em sua maior parte e sem conhecimento", afirmou Silvana. "Apesar da prioridade absoluta do sujeito de Direito, que é a criança, o ECA não é matéria obrigatória dos cursos de Direito, de Medicina, de Enfermagem, de Serviço Social, de Psicologia ou Pedagogia. Então quando acontece o que aconteceu com a violação do sigilo da entrega de uma mãe de 21 anos, ainda que esteja de encontro ao código de ética da enfermagem ou do próprio hospital, isso também acontece pela falta de estudo do estatuto".

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