30/08/2024 - 17:24 | última atualização em 30/08/2024 - 18:37

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Comissão de Direitos Humanos visita moradores do Complexo da Maré forçados a desocupar imóveis demolidos em operação

Denúncias dão conta de que ação conduzida pela Seop e pelas polícias civil e militar já desabrigou 30 famílias

Biah Santiago





A Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária (CDHAJ) da OABRJ visitou, nesta semana, o Parque União, no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, a pedido de representantes da Associação de Moradores do Parque União (AMPU) e de moradores que denunciam a invasão de policiais e de agentes da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop) a casas e creches, no âmbito de uma operação conduzida pela Seop, com apoio das polícias militar e civil, que já forçou a desocupação de mais de 30 famílias de prédios e lotes. A justificativa para a operação seria o fato de os imóveis terem documentação irregular, pois teriam sido construídos e vendidos pelo tráfico de drogas.

Os moradores alegam que as constantes ações policiais, que já duram onze dias, ocasionaram o isolamento de apartamentos (cerca de 300 residências já foram afetadas) e o fechamento de escolas públicas e privadas, deixando mais de duas mil crianças e adolescentes sem aulas, e dos atendimentos nas unidades de saúde local.

Os líderes da associação de moradores destacaram que não existiu apresentação de ordem judicial e nem suporte às famílias, como assistência pública e social, amparo médico ou medidas para assegurar o direito à moradia da população. 

O objetivo da diligência da CDHAJ foi verificar, in loco, as denúncias de demolição de prédios que tinham uso residencial e que estavam sendo habitados por famílias, o que representaria uma violação de direitos humanos por parte dos órgãos públicos responsáveis pela operação.

O presidente e o procurador-geral da CDHAJ, José Agripino e Paulo Henrique Lima, respectivamente, descreveram a situação como “dramática” por não haver nenhum diálogo ou propostas e soluções alternativas para evitar que a população sofresse com o despejo e demolição dos edifícios. 


“O impacto social é imenso, pois além de demolir as residências, o poder público também derrubou pequenos comércios, fazendo com que vários moradores perdessem não só sua casa, mas também sua única fonte de renda. Por isso, a população encontra-se desesperada”, comentou Agripino.



Segundo os relatos colhidos com os moradores, as autoridades estariam arrombando suas residências e expulsando as pessoas de suas casas. 

“Os moradores também sofrem com xingamentos, humilhações e atos de intimidação, além de roubos de objetos por parte de alguns agentes públicos. Ao indagarem as autoridades sobre informações relacionadas às operações, os moradores estariam sofrendo conduções arbitrárias à delegacia como forma de ‘represália’ por questionarem a legalidade da operação, o que evidentemente trata-se de uma prática arbitrária com notório viés antidemocrático, que viola a liberdade de expressão”, ponderou Lima.

O presidente da CDHAJ afirma que  os moradores e trabalhadores do Parque União sofrem violações de direitos humanos e é preciso ações que deem respaldo à população.

“Como homem negro e de periferia, também vivi em uma comunidade e sei o que é enfrentar essas violências institucionais que testemunhamos. Por isso, além de prestar nossa solidariedade aos moradores, saímos com muita indignação que será transformada em medidas jurídicas, buscando preservar os direitos daquele povo”, declarou Agripino.


“A OABRJ não medirá esforços para defender os direitos humanos de cada um. Não faremos promessas que não estão ao nosso alcance, pois muitas decisões dependem de outros órgãos, contudo, queremos deixar claro que nosso empenho e força de vontade estão voltados para amenizar as violações que essas pessoas estão sofrendo há dias”.




Lima ainda reforça:

“É revoltante que, em uma cidade onde as pessoas vivem em situação de rua, o poder público derrube casas ao invés de construí-las. Alega-se que essas casas não teriam documentação regular, pois teriam sido construídas e vendidas pelo tráfico. Não tivemos contato com nenhuma prova que ofereça veracidade a tais alegações. Porém, ainda que essa tese se confirme, cabe ao poder público proteger a função social dos imóveis, desapropriando aqueles que tivessem origem ilícita, regularizando-os e ocupando-os com a população mais carente”, destacou o procurador-geral da CDHAJ. 

“Historicamente as favelas do Rio de Janeiro são alvos das mais perversas violações de direitos humanos que acontecem na América Latina. Essas ações configuram racismo territorial, pois seria impossível que essa violência institucional que testemunhamos na Maré ocorresse com tamanha naturalidade em qualquer bairro de área nobre da cidade. A advocacia sempre deve se levantar em prol do povo, defendendo o direito à moradia, à educação, à saúde, ao emprego e à dignidade, que são intrínsecos ao conjunto de direitos humanos que juramos defender”.

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