26/09/2023 - 17:28 | última atualização em 26/09/2023 - 21:22

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Caarj leva à Região Serrana projetos 'Advocacia sem machismo' e de integração com estudantes de Direito

Vice-presidente da Caixa de Assistência de Sergipe, Ricard Nascimento ministrou a palestra

Biah Santiago





Unindo os projetos Caarj 4.0 e Advocacia sem machismo de forma prática, a Caixa de Assistência do Rio de Janeiro (Caarj) promoveu encontro, na segunda-feira, dia 25, da série de oficinas gratuitas em Nova Friburgo. As iniciativas visam aproximar e integrar estudantes de Direito às atividades da Ordem, debater questões vivenciadas pelas advogadas no cotidiano profissional e a participação masculina em ações de combate ao machismo dentro da advocacia. 

O evento, liderado pela presidente da Caixa, Marisa Gaudio, contou com a presença do vice-presidente da Caixa de Assistência de Sergipe  (Caase), Ricard Cezar Nascimento; do presidente da OAB/Nova Friburgo, Alexandre Valença; de demais presidentes de subseção da Região Serrana, como o de Teresópolis, Edio de Paula, de Cordeiro, Camila Monnerat, de Cantagalo, Ozimar Félix, e de Cachoeiras de Macacu, David Ruas, bem como advogados e advogadas e futuros operantes de Direito locais. 

Incentivando transformações no campo jurídico, Marisa ressaltou sua perspectiva sobre o mundo, em que disse entender que “não é uma utopia, podemos construir pontes para que a mudança aconteça”.

“Quando falamos de machismo, estamos falando de uma questão estrutural e estruturante, a qual não fala apenas desta prática no sistema Judiciário, mas também conversa com atos de homofobia e racismo”, analisou Marisa ao expor uma prática ainda enfrentada por diversas colegas.


“Nos anos de 1980, por exemplo, não havia ambiente e vivência de hoje para abordar esses temas, e atualmente é possível ver que a sociedade evoluiu nestas pautas ao longo dos anos. A Caixa quis trazer esse assunto para dentro da Ordem, pois muitas advogadas não enxergavam a OAB como um local seguro para serem acolhidas, e hoje isso está mudando com os pequenos passos dados por todos os envolvidos nesses projetos”. 



Com a proposta de discutir sobre a advocacia e a violência de gênero, com enfoque no assédio como infração ético-disciplinar e na obsoleta tese da legítima defesa da honra - utilizada em casos de feminicídio ou agressões contra mulher para justificar o comportamento do acusado -, julgada inconstitucional recentemente pelo Supremo Tribunal Federal, as exposições dos palestrantes evidenciaram os pontos preocupantes e as possíveis medidas para frear as ações machistas na esfera judicial.

Para o advogado criminalista e vice-presidente da Caase, Ricard Nascimento, o uso da antiga tese exprimia um comportamento de uma população, principalmente em determinadas regiões do país.

“Quando fui convidado para participar deste projeto, parei para relembrar todos os casos de machismo em que estive de alguma forma envolvido. Infelizmente, já representei casos de desrespeito a colegas advogadas. Entretanto,  os principais episódios de machismo que presenciei ao longo da minha trajetória foram praticados por mulheres e isso é um cenário pior”, ponderou Nascimento. 


“A ideia do machismo é sobrepor a superioridade do homem sobre a mulher, assim como o conceito de legítima defesa era ‘lavar’ a honra através do sangue e era também uma antiga demonstração cultural de determinadas regiões do Brasil. Ainda bem que essa tese foi extinta em nosso ordenamento jurídico, pois não há o menor sentido em utilizá-la com tantos argumentos e recursos à disposição”.



Ricard Nascimento ressaltou, ainda, a vulnerabilidade de defesa própria da mulher em alguns casos. 

“Se a outra pessoa está vulnerável, não há legítima defesa em nenhum momento. No caso da mulher advogada, ainda existem as prerrogativas. Com as prerrogativas da advocacia não se negocia e precisamos de ações que façam valer o direito e a diminuição dessas práticas”.

A diretora-executiva da Caarj e conselheira seccional, Priscilla Nunes; e a subcorregedora da OABRJ, Isabelle Faria, trouxeram a visão feminina do quanto o machismo pode acontecer de forma sutil e afetar a carreira e a vida pessoal da mulher.

“Todos nós sabemos que o machismo existe e está enraizado em nossa sociedade. A pandemia tirou as ‘vendas’ do Judiciário e expôs nas audiências virtuais tudo o que acontecia, como, por exemplo, o caso Mariana Ferrer, que derivou na Lei nº 14.245/2021, e impactou a Resolução do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] com um protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero”, destacou Priscilla. 

“Mesmo a mulher sendo a protagonista de sua vida, ainda assim é violentada, principalmente quando ela é a responsável financeira da família. O juízo acaba sendo contaminado pela questão de gênero nos processos, por isso devemos argumentar para que no futuro não precisemos insistir sobre os direitos da mulher”.

Narrando alguns casos práticos, Priscilla reforça que utilizar situações cotidianas para diminuir a mulher enquanto mãe e profissional ainda são frequentes como pedido de provas em julgamentos. 

“Não faz sentido usar fotos de biquíni, em passeios com os amigos como prova no processo para descaracterizar a mulher. Então, acredito que cada passo dado ao abordar a questão de gênero, é um passo para a mudança na estrutura no sistema de Justiça”. 

O debate sobre o assédio como infração ético-disciplinar ficou a cargo de Isabelle Faria. 

“A discussão deu mais visibilidade esse ano a partir da alteração no Estatuto da OAB sobre as infrações ético-disciplinares quanto a assédio moral e sexual. O movimento para isso acontecer foi um processo de muita luta antes”, esclareceu a subcorregedora da Seccional. 

“A palavra da mulher segue sendo desqualificada antes que ela consiga reunir forças para denunciar. Temos, enquanto Ordem, que atuar para que a Resolução do CNJ atue na maior parte dos casos para as mulheres vítimas não serem ainda mais massacradas e não encontrem barreiras de atendimento nas delegacias e nas instituições que deveriam protegê-las. A convite do TED [Tribunal de Ética e Disciplina da OABRJ], todos os órgãos se uniram para trabalhar com recorte de gênero e tratar os processos ético-disciplinares com esse olhar”. 

O presidente da OAB/Nova Friburgo, Alexandre Valença, destacou os trabalhos desenvolvidos pela OABRJ e pela Caarj em prol de instrumentalizar, valorizar a advocacia e incentivar o combate ao machismo. 


“A classe sofre muitos problemas no dia a dia, e as nossas prerrogativas são feridas cotidianamente, especialmente as de mulheres advogadas”, observou Alexandre. “Além de todas as dificuldades, elas ainda enfrentam o machismo, o desrespeito com ações diárias por parte de magistrados, de servidores e outros funcionários que atuam no sistema de Justiça. Acredito na igualdade de gênero e na sociedade, que não pode retroceder. São trabalhos como esse que engrandecem a advocacia não só da região, como de todo o estado”. 



Segundo a coordenadora-geral do Caarj 4.0, Andrea Cabo, o encontro proporcionou um clima acolhedor aos estudantes e aos colegas.

“O futuro da advocacia são vocês. Este encontro resume-se em três palavras: união, acolhimento e pluralidade. Os estudantes querem entender e aprender que existe uma OABRJ e uma Caarj que os acolhe. Além de falarmos de temas sensíveis e que nos tirem da nossa ‘bolha’ de entendimento. Que as falas de hoje se reverberem para toda a classe”, disse. 

O público participou do debate e incitou questionamentos pertinentes ao tema, além de narrar casos de machismo ocorridos em suas carreiras. 

A ex-presidente da Subseção de Nova Friburgo, Mônica Bonin Leal; e a ouvidora da Mulher da OAB/Nova Friburgo, Vânia Batista também prestigiaram o encontro.

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