19/12/2017 - 15:22 | última atualização em 19/12/2017 - 17:52

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Atendendo a OAB, Gilmar Mendes veta condução coercitiva de investigados

redação da Tribuna do Advogado e revista eletrônica Conjur

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, proibiu a condução coercitiva de investigados. Em liminar expedida nesta quarta-feira, dia 19, o ministro considerou a prática de levar investigados à força para depor inconstitucional por violar a liberdade de locomoção e a presunção de não culpabilidade.
 
A decisão do ministro atende a solicitação do Conselho Federal da OAB, que, em uma arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), pediu declaração da não recepção do artigo 260 no caso de investigados. Uma outra ADPF, ajuizada pelo PT, pedia também em relação a réus e suspeitos, mas esta extensão foi negada pelo ministro.
 
A liminar impede a coercitiva de investigados, sob pena de responsabilização disciplinar, cível e criminal das autoridades que descumprirem a ordem, “sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”. A decisão foi encaminhada à presidência do Supremo para que seja incluída na pauta do plenário.
 
Nela, Gilmar afirma que não existe obrigação legal de comparecer a interrogatório, e por isso “não há possibilidade de forçar o comparecimento”. E como a investigação é um momento anterior à instauração do processo, a condução coercitiva viola os incisos LIV e LVII do artigo 5º da Constituição Federal.
 
O primeiro dispositivo diz que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. O segundo, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da condenação.
Em outras palavras, Gilmar declarou o artigo 260 do Código de Processo Penal não recepcionado pela Constituição. É esse dispositivo que permite à autoridade mandar conduzir acusados à sua presença, caso ele não atenda a intimações. O texto é de 1941, mas a prática só se tornou frequente com a operação “lava jato” — foram mais de 200 desde 2014.
 
“A condução coercitiva para interrogatório representa uma restrição da liberdade de locomoção e da presunção de não culpabilidade, para obrigar a presença em um ato ao qual o investigado não é obrigado a comparecer. Daí sua incompatibilidade com a Constituição Federal”, diz a liminar.
 
Segundo o ministro, as coercitivas implicam em restrição à liberdade, ainda que temporária. E como essa restrição é feita por policiais e em vias públicas, “não são tratamentos que normalmente possam ser aplicados a pessoas inocentes”. “O investigado conduzido é claramente tratado como culpado.”
 
Técnicas de comunicação

Para o ministro, o uso indiscriminado das conduções coercitivas é subproduto das megaoperações conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal por meio de estratégias de marketing: “Para ficar no exemplo mais rumoroso, foram executadas 222 conduções coercitivas na Operação Lava-Jato – até o dia 14 de novembro deste ano, de acordo com o site lavajato.mpf.mp.br. Apenas para ilustrar, é mais do que a soma de todas as prisões no curso da investigação – 218, sendo 101 preventivas, 111 temporárias, 6 em flagrante”.
 
Segundo Gilmar Mendes, o artigo 260 está no CPP desde sua redação original, de 1941, e se referia à condução coercitiva durante a ação penal. Mas ele foi “substituído” pelo artigo 367 do CPP, com a redação de 1996, que fala no “prosseguimento da marcha processual” à revelia do réu.
 
Com isso, continua Gilmar, o artigo 260 “foi reciclado” para dar ao juiz, além do poder de cautela, aplicar a condução coercitiva. “Parte-se do princípio de que, se o juiz pode o mais – decretar a prisão preventiva –, pode o menos – ordenar a condução coercitiva”, afirma o ministro.
 
“Essa engenhosa construção passou a fazer parte do procedimento padrão das chamadas ‘operações’”, continua Gilmar. Ele explica que as operações se destinam a apurar crimes complexos e se utilizam de “técnicas especiais de investigação”. Mas elas começam por uma “fase oculta”, sempre sigilosas, com medidas como grampos telefônicos e ações controladas e só depois passam à fase ostensiva, a que se chama de deflagração. “Em inquéritos policiais não batizados como operações, a condução coercitiva é rara ou inexistente.”
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