07/09/2008 - 16:06

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Asfor Rocha: 'É preciso mudar a Constituição'

Asfor Rocha: 'É preciso mudar a Constituição'


Do jornal O Estado de São Paulo

07/09/2008 - O novo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Francisco César Asfor Rocha, 60 anos, defende uma mudança especial e polêmica na Constituição com uma contribuição à redução da taxa de impunidade, tornando as decisões do Judiciário mais efetivas. Ele propõe uma interpretação menos radical do princípio da presunção da inocência e chega a propor um critério: "Uma condenação em primeira instância, confirmada pela segunda instância" autorizaria um juiz a mandar executar imediatamente a punição.

Na prática, seria uma resposta para uma das maiores reclamações da sociedade, que se depara todos os dias com casos de condenados à prisão que não cumprem a pena - são protegidos, ao mesmo tempo, pelo direito constitucional de recorrer da sentença e pela chicana jurídica da impunidade, que permite recorrer em liberdade, mesmo quando o sentenciado é um réu confesso.

Diante da constatação de que o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, foi grampeado, Asfor Rocha sugere ainda uma mudança nos tribunais para conter a proliferação de interceptações telefônicas. O juiz que cuida de uma ação penal não poderia determinar a quebra do sigilo de um investigado. A autorização para a escuta telefônica precisaria do aval de outro juiz, distante da investigação.

"O juiz que cuida da ação penal evidentemente não vai querer que seu trabalho acabe em nada. Por isso, ele passa a ser um investigador", explica. Nessa condição, acrescenta, o juiz pode autorizar a quebra do sigilo sem que seja fundamental para a apuração.

Asfor Rocha assumiu o cargo na quinta-feira, dia 04, com uma crise em curso. O tribunal resiste aos nomes indicados pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para preencher a vaga do ex-ministro Pádua Ribeiro, que se aposentou no ano passado. Com a aposentadoria do ex-presidente do STJ Humberto Gomes de Barros em julho, vaga que também deve ser preenchida pela OAB, a crise volta à pauta do tribunal.

O presidente do STJ sugere um acordo com a OAB: uma nova lista com 12 nomes (os seis indicados inicialmente mais seis novos candidatos) para as duas vagas. Os seis seriam meros figurantes. Assim, o STJ manteria a rejeição aos nomes e a OAB não precisaria jogar para escanteio esses candidatos. Se o pacto não for aceito, adianta, a disputa vai parar no Supremo Tribunal Federal (STF). "Nós temos duas possibilidades: ou esse assunto termina no Supremo e o que decidir está decidido, ou então há uma composição."


Leia abaixo a íntegra da entrevista.

A sociedade não consegue compreender por que réus confessos ou condenados nas primeiras instâncias permanecem em liberdade. Alega-se que pelo princípio da presunção da inocência alguém só pode ser preso até o Julgamento do último recurso, em alguns casos no Supremo. O sr. defende uma mudança nessa realidade?
É preciso haver uma mudança legislativa. Na verdade seria mais uma mudança da Constituição. O grande problema que pode ocorrer em se suprimir ou, digamos assim, colocar certos abrandamentos no princípio da presunção da inocência é que essa modulação pode eventualmente ser arbitrária, poderíamos encontrar posições bem distintas entre os juízes. Por isso, precisamos adotar critérios mais objetivos.

Quais seriam?
Um critério seria uma condenação em primeiro grau confirmada pela segunda instância. O juiz poderia impor a execução da pena depois da condenação em segunda instância. Será que teríamos de esperar o trânsito em julgado no Supremo Tribunal Federal para começar a aplicar a pena? Acho que não. Outra hipótese: quando há o flagrante absoluto ou flagrante absoluto com réu confesso. Desde que isso seja apurado, evidentemente, na instância judicial, até porque o réu pode ter confessado depois de sofrer tortura.

Por que a Justiça não é mais proativa em relação a isso, a essas mudanças?
Por uma questão cultural. Primeiro porque o bacharel, de maneira geral, tem um pendor pelo conservadorismo muito grande.

O sr. fez um mea culpa no seu discurso de posse ao dizer que há excessos dos juízes ao decretar a quebra de sigilos telefônicos. Acha que isso está fora de controle?
Eu acho que há uma absoluta banalização das escutas telefônicas. A escuta deve ser utilizada quando há indícios veementes da existência da prática de um crime. Os grampos precisam ser usados pontualmente, por tempo determinado e dizendo o que precisa ser descoberto. Não pode ser o grampo o ponto de partida de uma investigação.

E isso tem ocorrido?
Em algumas vezes a investigação está começando pelo grampo. Isso não pode nunca. E não pode se eternizar, porque se transforma numa devassa.

Hoje as escutas têm prazo de 15 dias, mas podem ser renovadas eternamente. É preciso limitar esse prazo?Tem que haver uma limitação. Primeiro porque para renovar tem que justificar muito convincentemente. Porque se passaram 15 dias e as escutas não foram suficientes, uma de duas: ou a renovação é para realmente devassar, ou houve precipitação no primeiro pedido de quebra de sigilo.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Judiciário, pode fazer algo?
O que se cogita no CNJ ó saber quais telefones estão sendo monitorados. Do jeito que está hoje, não há nenhum acompanhamento. Nós não podemos dizer sequer quantos telefones estão com o sigilo quebrado no Brasil. Isso não pode acontecer. Tem que haver um controle.

E os vazamentos do conteúdo dessas gravações, como impedir?
Havendo um certo controle na quantidade de telefones grampeados, inibe-se outras práticas que certamente estão sendo utilizadas hoje, como enxertar números de telefones no pedido de quebra de grampos. Quando há a divulgação de uma conversa, não sabemos quem quebrou o sigilo. Não me arriscaria a fazer qualquer conjectura sobre quem foi que quebrou, porque poderia ter sido até um particular.

Então, no caso do ministro Gilmar Mendes, o sr. acredita que não será possível encontrar o responsável pela escuta?
Eu não vou querer particularizar o meu ponto de vista. Mas, em tese, quando o grampo é ilegal, é muito difícil encontrar o responsável. Agora, compartilho do entendimento de que não há nada que se faça que não seja descoberto.

O que o Judiciário pode fazer com relação a essa proliferação dos grampos?
Todo mundo concorda que está havendo abuso. Temos uma contribuição a dar que é estabelecermos um acompanhamento da quantidade de telefones que estão grampeados, no mínimo para fins estatísticos. E precisamos nos dar conta que não é possível banalizar a quebra de sigilo telefônico, porque podemos trazer um abalo para a democracia, vamos tirar a tranqüilidade social, podemos dar ensejo a uma série de explorações.

Mas como restringir as autorizações para os grampos?
Poderíamos criar um núcleo na Justiça que cuidaria das medidas cautelares urgentes. Este núcleo é que diria se é preciso ou não quebrar o sigilo telefônico de determinada pessoa. e o juiz que integrasse esse núcleo não poderia ser o juiz da ação penal. Por quê? Porque o juiz que cuida da ação penal evidentemente não vai querer que seu trabalho acabe em nada. Por isso, ele passa a ser um investigador.

Para isso não precisaria de mudança em lei, não é?
Não penso que isso precise de inovação legislativa. Bastaria uma distribuição de competência. Poderia ser da competência de cada tribunal determinar isso.

O sr. tem medo de grampos?
Eu não posso ter medo de falar ao telefone. Se não, como vou fazer? Recebo dezenas de ligações por dia e tenho que fazer dezenas de ligações por dia. Eu vou viver assustado?

O sr. desconfia que possa estar grampeado?
Não afasto essa idéia, mas ninguém pode viver com esse medo.

Um problema que atinge o STJ é o caso do ministro Paulo Medina, que foi flagrado em escutas telefônicas supostamente negociando a venda de sentenças judiciais durante a Operação Navalha. Ele está afastado há mais de um ano e continua recebendo salário...
Esse problema é nosso, mas a solução não está em nós, não está no STJ. É um problema que nos angustia, por todas as razões, mas isso está no CNJ e o mais fundamental, que é a matéria penal, está no Supremo Tribunal Federal.

Mas a sociedade não vê bem o fato de um ministro ficar afastado por um ano e receber salário.
Concordo plenamente. Mas o pior é que um possível afastamento administrativo não vai suspender o pagamento. Falando genericamente, um juiz que cometeu desvios como magistrado e que é aposentado compulsoriamente continuará recebendo normalmente.

O governo prepara uma nova reforma para desafogar a Justiça. O governo deve propor a criação de uma súmula impeditiva para limitar a quantidade de recursos no STJ, por exemplo. O sr. acha que vai funcionar?Quanto mais conseguirmos nos libertar desses recursos burocráticos, melhor nós julgaremos e mais processos nós julgaremos. O acervo é muito grande. Em junho, só nas Justiças estaduais havia 43 milhões de processos.

Essa reforma sai?
Depende do Congresso. Eu vou dar absoluta prioridade em mostrar para os senadores e deputados que é necessário aprovar a súmula impeditiva.

Há alguma outra proposta que pode diminuir a quantidade de processos?
Um instrumento que talvez pudesse ser utilizado seria prestigiar as decisões de instâncias ordinárias em determinados assuntos. Por exemplo, o que os juizados especiais julgam hoje não pode vir para o STJ e não vai para o Tribunal de Justiça ou para os tribunais regionais federais.

Que áreas poderiam ser tratadas dessa mesma forma?
No primeiro grau, por exemplo, as ações de despejo, muita coisa da vara de família e alguns tipos de contratos. No segundo é quase tudo.

O sr. assume a presidência tendo de resolver a crise entre OAB e STJ. Como solucionar isso?
Eu procurei o presidente da OAB, Cezar Britto, e disse a ele: "Vamos resolver esse problema. Nós temos duas posições das quais não podemos arredar pé, uma é sua e outra é nossa. Você não tem condições de mudar a lista. Mas você tem que pensar que, com mais razão ainda, nós não podemos reapreciar a lista, porque decidimos isso administrativamente, houve um mandado de segurança julgado e tem uma decisão jurisdicional a nosso favor. Por isso temos que encontrar uma solução. Vamos dar asas a nossa imaginação e encontrar um caminho".

E como seria isso?
Eu propus que fizéssemos uma lista com 12 nomes, mantendo esses seis primeiros, e nós, como de costume, reduziríamos a lista para quatro. Estaria resolvido o problema. A OAB mantém o discurso de que não retirou nenhum nome e nós votaríamos.

Como o sr. acha que isso vai terminar?
Ou esse assunto termina no Supremo, e o que decidir está decidido, ou há composição, em que estão afastados esses dois limites de nós aprovarmos esses nomes e eles mudarem a lista. Vamos encontrar uma coisa no meio do caminho.

O presidente da OAB concordou com a proposta?
Não. Ele disse que não podia concordar e precisava submeter ao conselho (que se reúne na póxima quinta-feira, dia 11).

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