O recado da IslândiaMair Pena Neto*Os jornais brasileiros trataram com muita discrição a segunda rejeição dos islandeses ao pagamento de 4 bilhões de euros ao Reino Unido e à Holanda por conta da quebra de um banco no colapso do sistema bancário da Islândia durante a crise financeira global de 2008.O assunto é da maior relevância pois envolve a importante questão da socialização das perdas dos bancos privados que alguns países assumem como inexorável. Na irresponsável ciranda financeira que levou à crise mundial ,que ainda cobra seu preço, poucos ganharam. Mas na hora de pagar a fatura, todos os contribuintes são chamados a dar o seu quinhão.Sob a palavra de ordem “não pagamos a crise deles”, os islandeses se mobilizaram, foram às ruas, derrubaram governo e tornaram público o debate da dívida. Uma primeira negociação indecorosa, proposta pelos credores, estabelecia o pagamento em apenas oito anos, entre 2016 e 2024, com juros de 5,5%. Incrivelmente, ela chegou a ser aprovada pelo parlamento islandês, mas o presidente Olafur Ragnar Grimsson se recusou a assinar o acordo, que acabou indo a referendo.Em março desse ano, 93% dos islandeses disseram não ao pagamento da dívida. Uma nova proposta foi apresentada, com o pagamento em 30 anos, entre 2016 e 2046, e juros de 3,3% para o Reino Unido e 3% para a Holanda. E, novamente, os islandeses rejeitaram o acordo, com 60% de votos contrários.A dívida surgiu com uma agressiva política dos bancos islandeses, que foram desregulados em 2001 em meio ao sonho neoliberal. Um dos maiores bancos do país, o Landsbanki, criou contas de poupança online no Reino Unido e na Holanda, sob o nome de Icesave, prometendo as melhores taxas de juros do mercado, acima de 6%. Naturalmente, não teve condições de honrá-las, deixando um rombo de 4 bilhões de euros. Os governos britânico e holandês decidiram por conta própria reembolsar os correntistas e querem que o contribuinte islandês pague a conta.A Islândia foi severamente atingida pela crise financeira mundial e sua economia foi à bancarrota, com queda no PIB, cortes nos serviços públicos e crescimento do desemprego. Os contribuintes se recusam a aceitar como seu dever pagar pela irresponsabilidade de agentes financeiros privados que jogaram o país no caos. Reino Unido e Holanda não vão sair de mãos abanando, pois receberão dinheiro decorrente da liquidação do patrimônio do Landsbanki por parte do governo islandês. Deveriam se dar por satisfeitos.A recusa democrática ao pagamento da dívida, que o mercado chamará de calote, trará sérias conseqüências. As notórias agências de risco irão rebaixar o país, a questão será levada aos tribunais e a intenção do governo da Islândia de ingressar na União Européia poderá ser barrada. Faz parte do jogo de pressões. Mas o recado dos referendos islandeses já está dado. Dívidas privadas não são dívidas públicas. E crises econômicas são questões políticas que devem ser tratadas pelas populações e não pelos mercados e governos.*Mair Pena Neto é jornalista. *Artigo publicado no site Direto da Redação, em 13/04/2011.